A floresta ao redor do castelo não era silenciosa.
Havia um sussurro constante entre as árvores — como se elas falassem entre si, ou rezassem em uma língua esquecida. O vento carregava sons que não pertenciam à natureza: estalos, respirações, rosnados contidos.
Eu estava parada no limite do pátio de pedra. A porta atrás de mim aberta, como Kael prometera. Mas meus pés não se moviam.
Foi quando o senti. Uma queimação atrás do ombro esquerdo, que se espalhou como fogo sob a pele. Caí de joelhos.
— A marca está se despertando — disse uma voz feminina, firme e grave.
Levantei os olhos.
Uma mulher me observava da beira da escadaria. Tinha a pele morena, cabelos trançados até a cintura e olhos tão escuros que refletiam o céu. Usava um vestido justo de couro escuro, com fivelas de prata, como uma guerreira saída de um pesadelo bonito.
— Quem é você? — perguntei, com a voz embargada.
Ela se aproximou, tirou uma pequena adaga curva do cinto e se agachou diante de mim.
— Meu nome é Thari. Sou a primeira caçadora de Kael. A escolhida antes de você.
Meu sangue gelou.
— Você era… a noiva dele?
Ela sorriu, mas não foi um sorriso feliz.
— Fui. Antes da Marca escolher você.
— Que marca? — pressionei, ofegante.
Thari puxou a manga do meu ombro esquerdo. A pele ali estava vermelha, em carne viva, com um símbolo estranho: um círculo atravessado por três garras, como uma lua rasgada.
— A Marca do Alfa. Ela queima quando você tenta fugir do seu destino.
Eu recuei.
— Isso é uma loucura!
Thari se ergueu, guardando a adaga.
— Talvez seja. Mas o mundo ao qual você pertence agora não se importa com o que você acha. Ele quer saber do que você é feita.
A dor latejava no meu braço. A marca parecia pulsar com cada batida do meu coração.
— Por que eu? — murmurei.
— Porque seu sangue é antigo. Porque o tempo está acabando. E porque Kael… nunca foi marcado por nenhuma antes de você.
A revelação me atingiu como um soco.
— Ele disse que eu fui prometida a ele. Que sou dele por direito de sangue.
— Ele mentiu — disse Thari, com os olhos cravados em mim. — Ou talvez… ele só não entenda ainda o que você realmente é.
Antes que eu pudesse perguntar mais, um uivo cortou o ar. Profundo. Selvagem.
Thari ficou tensa.
— Eles estão vindo. Os Uivantes. Lobos renegados, criaturas sem clã, guiadas apenas pela fome.
Ela puxou outra adaga.
— Corra, Ana Clara. Agora. Volte para o castelo.
— E você?
— Eu vou atrasá-los. Vai!
Corri.
A dor no ombro aumentava a cada passo, como se a marca estivesse viva. O portão do castelo se fechava lentamente, como uma respiração exalando o último suspiro.
Atrás de mim, gritos. Uivos.
E então, um rugido tão forte que fez os vidros do vitral do castelo tremerem.
Kael.
Quando atravessei o arco da entrada, braços fortes me agarraram. Eu gritei, mas logo reconheci o calor, o cheiro, a presença.
Era ele.
— Você tocou a floresta. — A voz dele era grave, mais animal do que nunca. — A marca queimou, não foi?
Assenti, sem ar.
Ele passou os dedos pelo meu ombro, e quando encostou na marca, a dor sumiu. Como mágica. Como se seu toque fosse a chave para silenciar aquilo.
— Ela está acordando em você — sussurrou. — A Fera. O Legado.
— Eu não quero isso, Kael! — berrei para ele, sentindo tudo o que sei perder o sentido.
— Você nunca teve escolha.
Kael me puxou contra o peito. Eu devia resistir. Mas a dor se foi. E por um instante… a segurança naquele abraço foi real.
Mesmo que o mundo ao nosso redor estivesse desmoronando.
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Atualizado até capítulo 31
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