A NOIVA DO ALFA EXILADO
Bairro Mangabeiras, Belo Horizonte, às 23h37.
As luzes da clínica piscavam enquanto eu trancava a porta dos fundos. Os latidos dos cães no canil ficaram mais intensos, nervosos, como se sentissem algo que meus olhos ainda não podiam ver.
Provavelmente outro morador de rua... pensei. Até que senti. Não vi — senti. Um arrepio cortando minha nuca.
Quando me virei, havia alguém me observando da sombra do beco.
Seus olhos eram dourados. Brilhavam como brasas.
O homem estava nu, o corpo coberto de sangue seco, cicatrizes e marcas de garras. E mesmo assim... ele parecia calmo. Selvagem. Imponente. Como se não pertencesse a este mundo — ou tivesse deixado a humanidade para trás há muito tempo.
— Você é ela… — a voz dele era rouca, quase um rosnado abafado.
Dei um passo para trás.
— Eu… o quê?
Ele avançou um passo. Seus músculos se tensionaram como os de um predador prestes a saltar.
— A escolhida. A prometida.
— Fica longe de mim! — Girei nos calcanhares e corri, os pés escorregando no asfalto molhado. Mas algo — braços, garras, sombras, não sei — me envolveu.
Um cheiro forte de terra molhada, sangue e pinho preencheu meus sentidos.
Depois, escuridão.
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Despertei com um sobressalto.
Minha pele tocava lençóis macios, mas frios. Linho puro. Ao redor, paredes de pedra cobertas por tapeçarias antigas. Um vitral enorme derramava luz vermelha sobre o chão de mármore.
E eu estava nua.
Sentei na cama, o coração disparado.
Um som. Passos. Lentos, firmes.
Um homem surgiu da sombra do arco da porta. Era o mesmo da noite anterior — mas agora limpo, vestindo calças pretas e uma camisa de linho aberta no peito. Seu olhar me queimou antes mesmo de falar.
— Meu nome é Kael — disse ele, com a calma de quem dita uma sentença.
— O que você fez comigo? Onde estou? — exigi, cobrindo o peito com os lençóis.
Ele se aproximou, sem pressa.
— Você é minha noiva, Ana Clara. Por direito de sangue.
Senti o estômago revirar.
— Isso é algum tipo de seita? Você é louco!! Totalmente maluco!
Kael se inclinou, o rosto a centímetros do meu. Seus olhos dourados brilhavam como brasas sob a luz do vitral.
— Não sou louco. Sou o Alfa dos Clãs do Norte. Você foi marcada há muito tempo. E agora… pertence a mim.
— Pertencer? Eu não sou propriedade de ninguém!
— Então prove. Fuja. Ou... — ele deixou o silêncio preencher o quarto — aprenda a me dominar!
Seu sorriso surgiu devagar. Lento. Predador.
E eu deveria ter me encolhido. Deveria ter gritado, ou recuado.
Mas meu corpo ficou onde estava. Talvez por medo. Ou talvez... por algo que nem eu compreendia ainda.
Minha respiração ainda estava presa no peito. O calor que irradiava do corpo dele parecia distorcer o ar entre nós.
— Você está brincando com fogo — murmurei, tentando manter a voz firme.
— Eu sou o fogo, Ana Clara!
Kael estendeu a mão e tocou meu rosto com as costas dos dedos. Sua pele era quente, como se algo dentro dele estivesse sempre prestes a explodir.
— Me deixe ir. Agora... — sibilei.
Ele inclinou a cabeça, como se estudasse uma criatura rara.
— Você acha que pode voltar à sua vida? À clínica, aos livros, às noites solitárias assistindo séries no sofá?
Meu corpo congelou. Ele sabia. Sabia detalhes que nunca deveria saber.
— Você me observava — falei, horrorizada.
— Eu te pressentia. Como o lobo sente o cheiro da fêmea destinada a ele. Como a lua chama a maré. Seu sangue... canta para o meu.
Engoli em seco. O quarto parecia pequeno agora. A luz vermelha tingia minha pele de escarlate. O silêncio entre nós era tenso, denso, carregado de algo primal.
— Isso é loucura.
— Talvez — ele admitiu com um sussurro. — Mas é a nossa loucura.
Kael virou de costas e caminhou até uma porta lateral.
— Vista-se. O Conselho quer vê-la. E não gosto de repetir ordens.
A porta se fechou com um estalo, deixando o som do meu próprio coração como única companhia.
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Encontrei roupas sobre uma cadeira: um vestido escuro de tecido pesado, antigo, quase medieval, mas perfeitamente ajustado ao meu corpo. E laces de couro, como os que se usa em montaria. Era como se soubessem minhas medidas. Ou… como se já tivesse usado aquilo antes.
Minhas mãos tremiam. Minha mente gritava. Mas minhas pernas… obedeciam.
Corredores de pedra se estendiam como veias antigas. Tapeçarias com símbolos que eu não entendia. Tochas acesas, mesmo com fios de energia visíveis nas paredes.
No fim de um corredor, duas portas de madeira negra se abriram sozinhas.
Kael me esperava ao centro de um salão circular. Ao redor dele, sete figuras encapuzadas — o tal Conselho. Uma mulher com olhos cor de prata me encarava como se pudesse ver minha alma. Um homem de cabelos brancos rosnou quando me aproximei.
— Isso não pode ser ela. A Marca sumiu há gerações.
— E ainda assim, ela está aqui — Kael respondeu. — Respirando o mesmo ar que nós. Com o sangue certo. O vínculo certo.
— Prove — disse a mulher dos olhos prateados. — Desperte a fera nela.
— Não — falei, dando um passo atrás. — Eu não sou parte disso.
Kael me olhou. Por um segundo, vi um traço de hesitação em seu rosto — ou teria sido piedade?
— Você já é parte disso, Ana Clara. Desde a noite em que nasceu sob a Lua Vermelha. Só falta... aceitar.
Um frio percorreu minha espinha.
E algo — uma faísca, uma lembrança, talvez um instinto — pulsou sob minha pele.
Meu corpo inteiro estremeceu. Algo dentro de mim... rugiu.
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Atualizado até capítulo 31
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