Era no silêncio da noite que Ana mais sentia a presença do colar.
Durante o dia, ele parecia apenas um pingente comum — bonito, antigo, discreto. Mas à noite, quando a casa dormia, ele despertava. O brilho suave da pedra azul ficava mais intenso nos momentos em que ela estava sozinha, especialmente quando pensava no parque ou na voz do sonho.
Naquela madrugada, o calor no colar era mais forte do que nunca. Ana acordou com a sensação de que alguém a observava. O quarto estava escuro, exceto por um fio de luar que entrava pela janela.
Levantou-se devagar, tentando não fazer barulho.
O corredor estava mergulhado em penumbra. Os quadros pareciam observá-la à medida que passava. O piso rangia como se reclamasse de cada passo. O ar era mais frio do que deveria ser. Ana seguiu o instinto, o colar guiando como uma bússola invisível.
Chegou até o fim do corredor. Ali havia uma porta trancada, diferente das outras. A maçaneta era dourada, antiga, mas o ferro da fechadura parecia novo. Havia algo naquela porta que a atraía e ao mesmo tempo a fazia recuar.
Foi então que ouviu um sussurro do outro lado.
Baixo.
Familiar.
— Ana...
Ela se enrijeceu. A voz não era exatamente a mesma dos sonhos — era mais áspera, menos nítida — mas chamava por ela.
Estendeu a mão para a maçaneta, hesitante. Mas antes que pudesse tocá-la, ouviu passos rápidos atrás de si. Virou-se.
Tereza.
A menina estava parada a poucos metros, com o urso nos braços. Seus olhos, grandes e fixos, pareciam ainda mais escuros no escuro.
— Você não pode entrar aí — disse ela, em tom firme, quase adulto.
— Por quê? — Ana sussurrou.
— Ninguém pode. A porta guarda coisas que esqueceram de dormir.
— O que tem aí dentro?
Tereza balançou a cabeça, como se as palavras não fossem suficientes.
— O urso disse que, se você abrir agora, vai ser antes da hora.
Ana olhou novamente para a porta. O colar no peito queimava. A voz parecia mais distante agora.
Passos soaram nas escadas. Helena e Maurício.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou Maurício, com tom severo.
— Eu... ouvi barulho — disse Ana, sem saber se mentia ou não.
Tereza deu um passo para trás, escondendo-se na sombra do corredor.
— Estava com medo — murmurou. — Acordei e vi Ana fora do quarto.
Helena a envolveu nos braços. Seu olhar para Ana foi frio, avaliador.
— A casa pode ser... estranha no começo — disse a mulher. — Mas você vai se acostumar. Só precisa de tempo.
De volta ao quarto, Ana não conseguiu dormir. O colar estava mais leve agora, como se tivesse voltado ao repouso. Mas sua mente permanecia desperta, inquieta.
No dia seguinte, os irmãos estavam diferentes. Mais calados. Rafaela a olhou de canto. Nicolas parecia tenso. E Violeta apenas a ignorava — o que, para Ana, era ainda pior do que as provocações.
Na cozinha, Rafael murmurava para si mesmo enquanto empilhava talheres. Murmúrios desconexos, como se repetisse frases aprendidas no escuro.
— O que você está dizendo? — perguntou Ana.
— Nada — respondeu ele, abruptamente.
Mas ela ouviu de novo: “A porta deve dormir. Até que a chave lembre.”
Ana saiu dali com um nó no estômago. Estava cada vez mais claro: alguma coisa naquela casa estava se movendo sob a superfície, como raízes crescendo por baixo de tudo. E os irmãos... estavam começando a sentir também.
Ou pior: já sabiam.
No final da tarde, enquanto o céu ficava alaranjado atrás da névoa constante, Ana subiu ao quarto de Tereza. A menina estava desenhando com giz de cera sobre o assoalho.
— O que está desenhando?
Tereza a olhou de relance.
— A casa por dentro. Mas como ela realmente é.
O desenho mostrava escadas que levavam a lugar nenhum. Portas dentro de portas. Um espelho com olhos. E no centro... uma chave. Rodeada de sombras que tinham nomes escritos com letras tremidas.
E entre os nomes, o de Ana.
— Por que o meu nome está aí?
— Porque você é a que lembra — disse Tereza. — Mas lembrar é perigoso.
Ana se ajoelhou ao lado dela. O colar voltou a brilhar, como se reagisse ao desenho.
— Quem te contou tudo isso?
Tereza apertou o urso e respondeu:
— A casa.
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Atualizado até capítulo 39
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Yue Sid
Quero mais! 📚
2025-06-01
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