O carro preto subia a estrada estreita com lentidão, como se a própria terra resistisse a levá-los até o topo. Ana observava pela janela, o coração em silêncio. As árvores dos dois lados da estrada se inclinavam, formando túneis de sombra e vento. Era como atravessar uma fronteira invisível.
Ela apertava entre os dedos o colar com a pedra azul. Não sabia por que, mas ele parecia... inquieto. Quente. Como se soubesse que estavam chegando perto de algo importante. Cada quilômetro a afastava do orfanato — de Eduardo, de Ender, de tudo o que conhecia.
— Está tudo bem? — perguntou Helena, do banco da frente, virando-se com um sorriso gentil.
Ana assentiu, mas não respondeu. Maurício, o pai adotivo, dirigia com atenção, o rosto sério. Não haviam feito muitas perguntas. Apenas disseram que a escolheram porque algo “nela” chamava a atenção. Como se tivessem esperado por Ana, e não por uma filha qualquer.
A estrada terminou numa clareira cercada por névoa. E lá, no alto da colina, surgiu a casa.
Era grande. Antiga. Feita de tijolos escurecidos pelo tempo. As janelas altas lembravam olhos atentos. Havia vitrais coloridos, uma varanda de madeira com ganchos vazios, e um sino enferrujado pendurado na entrada.
Mas não foi a casa que chamou a atenção de Ana, foi o que estava além da casa: o parque de diversões.
Mesmo à distância, mesmo envolto pela névoa, ela reconheceu os contornos da roda-gigante. Estava lá. Exatamente como nos sonhos. Os brinquedos adormecidos. Os arcos decorativos. O portão de ferro com letras gastas.
— Ele está fechado há muitos anos — disse Helena, notando seu olhar. — Mas a história. Algumas boas. Outras... nem tanto.
Ana não respondeu. Um arrepio percorreu sua espinha.
A casa cheirava a madeira antiga e incenso adocicado. Tudo era limpo demais. Organizado demais. Como se tivessem preparado cada canto para impressionar. Mas havia algo artificial ali. Como um cenário esperando pelos atores certos.
As crianças apareceram logo.
Tereza, a menor, surgiu de trás de uma poltrona. Tinha olhos grandes demais para o rosto pequeno e segurava um urso de pelúcia com força. Olhou para Ana sem dizer nada.
— Essa é a Tereza — disse Helena, orgulhosa. — A caçula.
Depois vieram os outros: Violeta, com oito anos e um olhar julgador. Nicolas, mais velho, calado. Os gêmeos Rafael e Rafaela, espalhafatosos, inquietos. Todos a olharam como se Ana fosse uma peça fora do tabuleiro.
— Ela não parece tão especial assim — disse Violeta, cruzando os braços.
— Violeta! — advertiu Helena, com um olhar duro.
Maurício interveio:
— Eles só precisam de tempo — disse Maurício — Todos temos traumas, Ana.
Ana apenas assentiu. Mas já sabia que o problema não era o tempo. Aquela casa tinha seus próprios segredos. E ela não sabia se estava entrando em uma nova família — ou em uma armadilha bem disfarçada.
Naquela noite, em seu quarto novo, sentou-se na beira da cama e olhou pela janela. A névoa ainda pairava sobre o parque. As luzes estavam apagadas. Mas ela sentia. Algo ali esperava por ela. Algo que já conhecia seu nome.
E antes que adormecesse, a voz sussurrou, como sempre:
— Você está mais perto agora, Ana. Só precisa lembrar...
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Atualizado até capítulo 39
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