Capítulo 4
A noite do baile deixou em Mariana uma sensação perturbadora, uma mistura de fascínio e repulsa pelo mundo que se descortinava diante de seus olhos. A opulência deslumbrante contrastava de forma grotesca com a frieza calculista dos olhares e a maldade latente nas entrelinhas das conversas. A figura imponente de Donatella, com seu desprezo aberto e suas palavras carregadas de veneno, havia se fixado em sua mente, como uma sombra persistente.
Nos dias que se seguiram, a rotina na mansão permaneceu inalterada em sua superfície, mas para Mariana, o verniz de normalidade havia se rachado, revelando as engrenagens obscuras que moviam aquele universo. Ela observava os empregados com mais atenção, tentando decifrar os significados por trás de seus olhares furtivos e suas conversas sussurradas em italiano. Lia os livros da biblioteca com uma avidez quase desesperada, buscando refúgio em histórias de outros mundos, mas invariavelmente seus pensamentos retornavam à sua própria situação precária e ao mistério que envolvia a decisão de Alessandro em protegê-la.
Alessandro continuava sendo uma figura distante, absorta em seus próprios assuntos. Mariana o via brevemente durante as refeições, onde o silêncio era a norma, quebrado apenas por ordens concisas dadas aos seus capangas. Ele a tratava com uma fria cortesia, garantindo que suas necessidades fossem atendidas, mas mantendo uma distância intransponível. Ela se perguntava se ele sequer se lembrava de sua existência além daquela obrigação imposta pelas circunstâncias.
Certa tarde, enquanto explorava uma ala menos utilizada da biblioteca, Mariana encontrou uma caixa de madeira empoeirada escondida atrás de uma estante. A curiosidade a impulsionou a abri-la, e dentro encontrou uma coleção de fotografias antigas, cartas amareladas pelo tempo e alguns pequenos objetos de valor sentimental. As fotografias retratavam uma mulher de beleza exótica, com traços fortes e um olhar penetrante, segurando um bebê nos braços. Havia uma familiaridade vaga naquele rosto, algo que despertava uma eco distante em sua memória, mas que escapava à sua compreensão.
As cartas estavam escritas em espanhol, uma língua que Mariana não conhecia, mas a emoção palpável nas palavras rabiscadas era inegável. Havia referências a um amor intenso, a uma separação dolorosa e a um medo constante de perseguição. Um dos objetos era um pequeno medalhão de prata, gravado com as iniciais "M.V.". Mariana sentiu um arrepio ao tocar o metal frio, uma sensação estranha de conexão com algo desconhecido.
Intrigada, ela levou a caixa para seu quarto e passou horas examinando seu conteúdo, tentando encontrar algum sentido naquelas relíquias do passado. Quem eram aquelas pessoas nas fotografias? Qual era a história por trás daquelas cartas apaixonadas e daquele medalhão solitário? Uma intuição vaga, quase um sussurro em sua mente, sugeria que aquilo poderia estar de alguma forma ligado ao seu próprio passado nebuloso.
Naquela noite, Mariana decidiu que precisava de respostas. Ela esperou pacientemente até que soube que Alessandro estava na biblioteca, e então reuniu toda a sua coragem e foi até lá. Ele estava sentado à sua mesa de mogno, sob a luz suave de um abajur, revisando alguns documentos. Sua expressão era concentrada e inacessível.
"Com licença, Alessandro", disse Mariana, sua voz hesitante.
Ele ergueu os olhos, sua expressão ligeiramente irritada por ter sido interrompido. "Sim?"
Mariana apertou a caixa de madeira contra o peito. "Eu encontrei isso na biblioteca. Você sabe algo sobre essas coisas?"
Alessandro franziu a testa ao ver o conteúdo da caixa. Uma sombra pareceu cruzar seus olhos azuis por um breve instante, antes de sua expressão retornar à fria neutralidade habitual.
"Onde você encontrou isso?", perguntou ele, sua voz agora carregada de uma cautela repentina.
"Estava escondida atrás de uma estante", respondeu Mariana, observando atentamente sua reação.
Ele pegou uma das fotografias, examinando o rosto da mulher com uma intensidade silenciosa. "Isso pertenceu a alguém que viveu aqui há muito tempo."
"Você a conhecia?", insistiu Mariana, sentindo que estava se aproximando de algo importante.
Alessandro hesitou por um momento, sua mandíbula ligeiramente tensa. "Não pessoalmente. Mas ouvi histórias."
"Que tipo de histórias?", ela perguntou, sua curiosidade crescendo a cada instante.
Ele suspirou, como se estivesse relutante em compartilhar alguma informação. "Histórias de um passado complicado. De famílias poderosas e de segredos perigosos."
Mariana sentiu um calafrio percorrer sua espinha. As palavras de Alessandro pareciam ecoar as vagas lembranças que assombravam seus sonhos, fragmentos de um passado que ela não conseguia decifrar.
"E o bebê na foto?", ela perguntou, apontando para a imagem da mulher com a criança nos braços.
Alessandro desviou o olhar. "Isso não tem importância para você, Mariana."
Sua evasiva apenas aumentou a suspeita de Mariana. Ela sentia que havia uma conexão, um elo perdido entre aquelas fotografias antigas e sua própria história. A familiaridade com o rosto da mulher, a emoção nas cartas em espanhol, tudo parecia apontar para algo mais profundo.
"Por favor, Alessandro", ela implorou, sua voz agora carregada de urgência. "Eu preciso saber. Eu não me lembro de nada antes de ser adotada. Talvez... talvez isso tenha algo a ver com o meu passado."
Alessandro a observou em silêncio por um longo momento, seu olhar indecifrável. Mariana podia sentir a hesitação em seus olhos, a luta interna entre a cautela e algo mais, talvez uma faísca de reconhecimento ou até mesmo de... pena?
Finalmente, ele suspirou novamente, um som que parecia carregar um peso oculto. "Há coisas sobre o seu passado, Mariana, que são perigosas. Coisas que é melhor deixar esquecidas."
"Mas por quê?", ela insistiu. "Por que tanto segredo?"
"Porque algumas verdades podem destruir", respondeu ele, sua voz agora carregada de uma seriedade sombria. "E você já passou por sofrimento suficiente."
Apesar da sua advertência, Mariana sentiu que havia tocado em algo importante. A relutância de Alessandro em falar, a sombra em seus olhos ao ver as fotografias, tudo indicava que aquelas relíquias do passado guardavam um segredo significativo, um segredo que poderia estar intrinsecamente ligado à sua própria identidade.
Naquela noite, Mariana não obteve as respostas que buscava, mas a semente da curiosidade havia sido plantada, regada pela intuição de que seu passado não era tão vazio quanto ela sempre acreditara. As palavras de Donatella no baile, o mistério das fotografias e a evasiva de Alessandro se somavam, criando um quebra-cabeça intrigante que ela estava determinada a resolver. Ela sabia que o caminho para a verdade seria perigoso, repleto de obstáculos e segredos bem guardados, mas a necessidade de conhecer suas origens, de desvendar o enigma de sua própria existência, era agora uma força motriz que a impulsionava para frente, mesmo na escuridão daquele mundo de sombras e poder.
Enquanto Alessandro voltava a seus documentos, com uma expressão pensativa e distante, Mariana retornava ao seu quarto, a caixa de madeira firmemente em suas mãos. Ela sabia que sua busca por respostas apenas começara, e que o passado, por mais doloroso que pudesse ser, guardava a chave para o seu futuro.
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Atualizado até capítulo 40
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