capitulo 02

Enquanto isso, do outro lado da cidade...

O cheiro de sangue misturado a óleo queimado pairava espesso no ar, como uma neblina invisível que se entranhava nos pulmões. O galpão abandonado, com suas paredes descascadas e pilares corroídos pelo tempo, estava mergulhado em penumbra. A única iluminação vinha de lâmpadas industriais penduradas por fios retorcidos, que oscilavam com o vento, lançando sombras inquietas pelo chão rachado de concreto.

Correntes tilintavam ao menor movimento, como sinos fúnebres anunciando o inevitável.

No centro do cenário de tortura, envolto por ferramentas enferrujadas, manchas antigas e novos respingos de sangue fresco, estava Lucca De Rossi.

Alto, de ombros largos, ele parecia esculpido em granito. A camisa social branca, outrora impecável, estava agora manchada de sangue nas mangas arregaçadas. As tatuagens em seus antebraços — símbolos da velha Sicília, serpentes entrelaçadas em rosas sombreadas com datas e nomes apagados — pareciam pulsar à luz trêmula, como vivas. Como se cada linha contasse uma história que só ele sabia. Uma história de promessas quebradas e justiça feita pelas próprias mãos.

No chão, acorrentado à estrutura metálica, o homem gemia entre espasmos de dor. O rosto inchado era uma massa irreconhecível de hematomas, cortes e sangue. Um dos olhos estava completamente fechado. Ainda assim, ele resistia. Recusava-se a falar.

Lucca o encarava com um misto de desprezo e paciência doentia. Os olhos azul-gelo estavam fixos nele, e sua respiração era controlada — como um animal predador aguardando o momento exato do ataque final.

— Chi era il tuo capo? — sua voz soou como metal sendo arrastado no concreto. Grave, rouca, arranhando sílabas como lâminas afiadas. O sotaque siciliano dava peso a cada palavra, como se cada som estivesse impregnado de sangue.

O homem respondeu cuspindo no chão. Um ato de desafio. Ou de desespero.

Lucca não hesitou. O soco veio direto, preciso, no estômago. O baque abafado foi seguido por um som úmido, e o corpo do prisioneiro arqueou, perdendo o fôlego, quase desmaiando. Ele tossiu sangue, tremendo.

Lucca se aproximou, a mandíbula cerrada com tanta força que os músculos da face saltavam sob a pele. Os dedos grandes apertaram seu próprio maxilar antes de se soltarem, e então ele se abaixou lentamente, até ficar cara a cara com o inimigo, tão perto que podia sentir o cheiro azedo do medo.

— Tu hai ucciso la mia promessa... Tre anni fa… E io ti ho trovato. Ora mi dici chi l’ha ordinato, o giuro su tutto ciò che ho che ti spezzo un osso alla volta.

(“Você matou minha noiva... Três anos atrás... E eu te encontrei. Agora me diz quem mandou, ou juro por tudo que tenho que vou quebrar um osso por vez.”)

A voz saiu grave, quase carinhosa. Como se estivesse contando uma história de ninar. Mas era uma história sobre morte. Sobre dor. Sobre promessas não cumpridas.

Os olhos de Lucca ardiam. Mas não de lágrimas. Eram brasas congeladas. O tipo de dor que não grita — consome. Silenciosa. Mortal.

Ele ficou ali, frente ao homem que um dia ajudou a arrancar dele a única coisa que amava. Não era apenas uma busca por justiça. Era pessoal. Era íntimo. Era ela.

E ela estava em tudo. No cheiro do sangue. No eco dos gritos. No silêncio que sobrava depois da violência.

Lucca se inclinou mais uma vez. Seu rosto à sombra. A voz saiu baixa, quase um sussurro:

— Dimmi... o la tua morte sarà lenta, dolorosa… e completamente solitaria.

(“Fala... ou sua morte será lenta, dolorosa... e completamente solitária.”)

O homem o fitou por um instante. Os olhos desfocados e enevoados pela dor. E então murmurou com os lábios partidos, quase sem ar:

— Lei ha implorato… pietà...

("Ela implorou... por piedade...")

Lucca congelou.

O mundo parou por um instante. Seu estômago revirou. O ar se tornou denso, difícil de puxar. A imagem dela veio com força. O vestido branco, os olhos cheios de vida. O riso que ecoava na varanda. O toque da pele dela sob a dele na última noite. E agora… essa frase.

Ela implorou.

A raiva subiu como uma onda. Mas ele a segurou. Não por controle — mas por cálculo. Aquela dor não o faria perder a clareza. Só o tornava mais cruel.

A porta do galpão se fechou atrás dele com um estalo metálico. Ecoou como um sino de sentença.

Ele se afastou, pegou o paletó da cadeira e puxou o maço de cigarros. Acendeu com calma. Tragos longos. A fumaça dançava no ar como espectros.

Foi então que o celular vibrou no bolso da calça escura.

Ele viu o nome na tela e congelou de novo.

Renato Smitch.

Seu irmão de alma. Amigo de infância. O único homem a quem devia mais do que a própria vida.

Atendeu sem dizer uma palavra. Só silêncio.

Do outro lado, a voz tensa soou firme, mas trêmula:

— Lucca... preciso de você.

— Parla.

(“Fala.”)

— É Aurora.

A simples menção daquele nome fez o sangue de Lucca gelar. Por fora, permaneceu imóvel. Mas por dentro... tudo desabou. Uma lembrança adormecida se ergueu como uma chama esquecida.

— O que tem ela? — perguntou, a voz baixa, contida.

— Precisa de proteção. Por seis meses. Só isso.

— Por quê?

— Porque o que está pra acontecer vai atrair inimigos. Gente perigosa. Sem honra. Sem regras. E ela... ela é a única coisa que me mantém são.

Lucca fechou os olhos. Uma respiração profunda escapou, trazendo com ela um eco antigo de lembranças enterradas. Aurora. Os olhos dela. O jeito como o olhava sem medo, mesmo quando criança. A coragem que ela carregava. A doçura teimosa. A mulher que ele acompanhou de longe por tantos anos, sem nunca ultrapassar os limites que traçou para si mesmo.

Errado. Perigoso. Mas real.

— Perché io?

(“Por que eu?”)

— Porque você não falha. Porque é o único em quem confio. E porque sei... que você nunca deixaria nada acontecer com ela.

Silêncio.

Lucca caminhou devagar pelo galpão vazio. O cigarro queimava em seus dedos. Ele encarou o teto metálico e pensou na última vez em que tentou proteger alguém. No corpo sem vida da noiva nos braços. No sangue quente manchando sua camisa. Na promessa que fez, entre gritos e lágrimas, de nunca mais deixar alguém entrar.

Mas Aurora...

Aurora era um capítulo que ele nunca escreveu, mas nunca esqueceu.

— Vai ter alguém atrás dela? — sua voz saiu rouca.

— Ainda não sei. Mas vai ter. E quando tiver... eu não vou conseguir chegar a tempo. Você vai. Você é o tempo, Lucca.

Ele deixou o cigarro cair no chão e o pisou com fúria contida. O silêncio era uma tempestade prestes a explodir.

— Seis meses?

— Só seis.

Ele pensou em negar. Em dizer que já estava quebrado demais para tentar de novo. Que prometer proteção era como cavar outra cova.

Mas então, em sua mente, viu o rosto dela. O sorriso. Os olhos. A esperança que ela carregava.

E ele sabia.

Nada seria simples.

Nem seguro.

Muito menos... impessoal.

— Manda o endereço. — disse, por fim. — A partir de agora... Aurora é minha responsabilidade.

E desligou.

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Comments

Charlotte Peson

Charlotte Peson

Adoroooooo!! Gosto assim amostradinho !! Esses dois será uma briga de gente grande!! 😹

2025-05-12

5

Celia Teotônio

Celia Teotônio

eu já estou amando esse livro!
é disso que eu gosto, um homem que não quer amar, não aceita não,e adora controlar!
uma mulher forte que não abaixa a cabeça,e não se deixa dominar!
autora vc sempre nos trás o melhor 👏👏❤️❤️❤️

2025-05-16

1

bete 💗

bete 💗

amandooooo ❤️❤️❤️❤️❤️

2025-05-14

1

Ver todos

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