Melissa sempre soube que tinha uma queda por caras inteligentes. Só não sabia que sua fraqueza incluía frases sobre semiótica ditas com voz grave e olhos castanhos intensos. Desde que Miguel começara a lecionar, ela vivia num estado constante de alerta: ou estava se apaixonando, ou precisava urgente de um detox de hormônios.
Na segunda-feira, chegou cedo. Cedo mesmo. O tipo de cedo que te faz ajudar o monitor a apagar o quadro. Carol olhou com desconfiança quando a viu sentada, organizando as canetas coloridas em fila militar.
— Você virou CDF desde quando?
— Desde que o professor mais gato da faculdade resolveu pedir minha opinião sobre filmes.
— Hmm. Ainda no modo “Delírios & Desejos”?
— No modo “Não consigo parar de pensar nele nem quando passo manteiga no pão”. — Melissa suspirou, olhando para a porta.
Quando Miguel entrou, Melissa disfarçou. Mal. Mas disfarçou. Ele estava de camisa azul clara, mangas dobradas como sempre, e segurava a caneca com o mesmo ar despreocupado que fazia as alunas esquecerem até o nome.
— Bom dia, turma. Vamos começar?
A aula transcorreu normalmente, pelo menos para quem não estava ocupada analisando cada detalhe do professor. Melissa não ouvia metade do conteúdo, mas anotava tudo — em parte porque queria entender, em parte porque era o pretexto perfeito para olhar para ele sem parecer obcecada.
Em um momento, ele passou pelas fileiras, comentando sobre os trabalhos do grupo. Ao parar ao lado de Melissa, inclinou-se um pouco e olhou a tela do notebook dela.
— Interessante esse ponto de vista que você colocou aqui.
— Obrigada — disse ela, com a voz quase firme.
— Você consegue conectar isso com o texto do Castells?
— Consigo... acho. Quer dizer, talvez. Posso tentar. — Ela sorriu.
Ele retribuiu. Um sorriso pequeno, mas cheio de intenções escondidas.
— Tenta. Você tem uma visão única das coisas.
E foi embora, como se não tivesse acabado de jogar uma bomba emocional sobre ela.
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Na biblioteca, horas depois, Melissa ainda revivia a frase.
— “Você tem uma visão única das coisas”, ele disse.
— Tradução: “Estou completamente encantado por você, me beija agora”? — sugeriu Carol, dramatizando.
— Não sei. Pode ser só “você é uma boa aluna”.
— Ou pode ser: “Se eu não fosse seu professor, já estaria te levando pra tomar vinho e conversar sobre o impacto da linguagem nos relacionamentos humanos”.
— Isso foi muito específico.
— Eu vejo filmes demais — respondeu Carol, dando de ombros.
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Na quarta-feira, Miguel chegou com uma pasta nova e um humor mais descontraído. Iniciou a aula com uma pergunta aleatória:
— Se você só pudesse se comunicar com uma pessoa por mensagens durante um ano, o que você diria?
A turma riu. Alguns responderam com piadas, outros com respostas poéticas. Melissa ficou em silêncio. Mas ele notou.
— E você, Melissa? — perguntou, olhando diretamente pra ela.
Ela engoliu seco.
— Eu perguntaria se vale a pena sentir tanto por alguém que talvez nunca vá saber.
— Profundo — respondeu ele, com um olhar fixo. — Talvez... algumas pessoas saibam mais do que demonstram.
A sala ficou em silêncio por um segundo. Ou talvez só ela tivesse sentido isso. Aquele momento entre eles parecia um fio invisível esticado demais, prestes a romper.
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Depois da aula, ela ficou mais uma vez. Sozinha. De novo. Miguel recolhia os materiais quando ela se aproximou.
— Professor, sobre o trabalho... eu pensei em mudar o enfoque. Pode?
— Claro. Do que se trata? — perguntou ele, voltando a atenção completamente para ela.
— Quero falar sobre como a comunicação não verbal pode ser mais poderosa do que qualquer texto — disse, encarando-o.
Miguel se aproximou um passo. Pequeno, mas perceptível.
— Você acredita nisso?
— Às vezes, um olhar diz mais que uma redação inteira. — Melissa não desviou os olhos. Ela estava provocando. Sabia disso.
Ele também sabia.
— Cuidado com o que você quer provar, Melissa. Esse tipo de comunicação... é arriscada.
— Os melhores estudos são.
O silêncio entre eles era carregado. Não era só silêncio. Era eletricidade. Ele piscou devagar, como se controlasse cada milímetro do que queria dizer.
— Você é brilhante. Mas não brinque com fogo se não está disposta a se queimar.
Ela respirou fundo. Não estava. Mas talvez quisesse.
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Mais tarde, no grupo das amigas:
Melissa: "Ele disse que meu trabalho é arriscado. E que eu sou brilhante."
Carol: "Meu Deus, ele tá praticamente dizendo: ‘vamos marcar um café e falar de Lacan entre beijos’."
Camila: "Não cai nessa, amiga. Não dá ruim agora."
Melissa: "Eu não tô caindo. Tô despencando com um sorrisinho no rosto."
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Na sexta-feira, Miguel anunciou:
— Semana que vem teremos apresentações. Grupos prontos?
A sala reclamou em coro.
Melissa levantou a mão.
— Posso apresentar sozinha?
— Se o conteúdo for consistente, sim. Está confiante?
Ela sorriu, atrevida.
— Mais do que deveria.
Ele sorriu de volta.
— Gosto disso.
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Na saída da aula, Carol virou para ela:
— Melissa... você tem que prometer uma coisa.
— O quê?
— Se você for presa por seduzir seu professor, me deixa escolher a sua foto na matéria.
— Eu ia dizer que você podia cuidar do meu gato, mas tudo bem também.
As duas riram.
Mas dentro de Melissa, a coisa era séria. O sentimento estava crescendo. A tensão, também. E ela sabia: a apresentação da próxima semana podia mudar tudo.
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Atualizado até capítulo 32
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