O carro de luxo deslizava suavemente pelas ruas silenciosas da cidade. A festa havia terminado, os últimos convidados haviam se retirado, e agora só restavam os ecos — de olhares, comentários, e principalmente... da tensão.
Elisa olhava pela janela, o reflexo da cidade piscando em seus olhos. Não dizia nada. Não precisava. Sua postura estava ereta, seu semblante calmo, mas Leonardo — acostumado a decifrar expressões e intenções — sabia: por dentro, ela fervia.
Ele quebrou o silêncio primeiro.
— Você foi corajosa. Muitos teriam recuado.
Ela virou o rosto devagar, sem sorrir.
— Não se trata de coragem, Leonardo. Se trata de limite. Todo mundo tem um. E hoje... o meu chegou.
Leonardo a observou por alguns segundos. Havia algo diferente nela desde o início. Não era só a beleza — era a dignidade ferida, mas não destruída. A força por trás da dor.
— Você não devia ter passado por aquilo — disse ele, sincero. — Ninguém deveria.
Ela o encarou por um instante, como se tentasse medir o quanto podia confiar.
— E você? — ela perguntou. — Por que me defendeu daquele jeito?
Leonardo desviou o olhar por um momento, apertando o maxilar.
— Porque eu odeio injustiça. E porque, desde o início, eu soube que você merecia mais do que recebeu da vida.
O carro parou diante do prédio de Leonardo. O motorista abriu a porta para eles. Subiram juntos, em silêncio, até a cobertura onde ele vivia.
Assim que entraram, Elisa tirou os sapatos altos e caminhou descalça pelo chão de mármore frio. Era um lugar sofisticado, elegante, mas havia uma solidão discreta no ar. Como se mesmo com tanto luxo, faltasse calor.
Leonardo tirou o paletó, afrouxando a gravata.
— Posso te oferecer algo? Um chá? Vinho?
— Chá — ela respondeu. — Meu corpo está exausto, minha mente... mais ainda.
Enquanto ele preparava, ela se sentou no sofá, abraçando os próprios joelhos por instinto. O silêncio voltou, mas dessa vez, não era pesado. Era confortável. Como se os dois compartilhassem um pacto não verbal.
Leonardo voltou minutos depois com uma xícara fumegante. Entregou a ela, e sentou-se ao lado, não muito perto, mas o suficiente para que suas presenças se tocassem no ar.
— Ainda quer manter nosso acordo? — ele perguntou, encarando a própria mão. — Um ano. Nada além de aparências?
Ela pensou por um instante. Tomou um gole do chá, o calor aliviando a garganta e o coração.
— Ainda quero. Mas... não pretendo fingir que nada mudou. Porque mudou. Hoje, quando você me defendeu... foi a primeira vez em muito tempo que me senti segura ao lado de alguém.
Leonardo virou o rosto em direção a ela. Seus olhos estavam suaves. Diferentes.
— Talvez a gente não precise fingir tanto — ele disse.
Elisa sorriu de leve, pela primeira vez naquela noite.
— Talvez não.
Ali, naquela madrugada silenciosa, entre chá e olhares, duas pessoas feridas começaram a reconhecer algo além da vingança e do contrato.
Algo que nenhum dos dois ousava nomear ainda.
Mas que já estava ali, crescendo devagar... no intervalo entre o desprezo e o amor.
Elisa pousou a xícara sobre a mesinha de vidro, seus dedos ainda levemente trêmulos, não pela raiva, mas pela descarga de tudo que havia sentido nas últimas horas. Pela primeira vez em anos, ela havia falado. Confrontado. E vencido.
— Eles vão tentar se vingar, você sabe disso, né? — ela disse, sem encarar Leonardo.
— Eles não têm poder sobre você agora — respondeu ele, tranquilo. — E comigo ao seu lado, menos ainda.
Ela olhou para ele então. Não como se olhasse um estranho. Pela primeira vez, ela enxergava o homem por trás do nome, do terno bem cortado, do contrato assinado com cláusulas frias.
Ali havia calor. Havia algo inesperadamente humano.
— Por que você aceitou o casamento? — ela perguntou. — De verdade. Sem a resposta que daria para a imprensa.
Leonardo a encarou. Não desviou. Não hesitou.
— Porque quando você entrou no meu escritório e fez aquela proposta... eu vi nos seus olhos uma dor que eu conhecia. Uma solidão que eu já senti. — Ele fez uma pausa. — Eu aceitei porque vi em você uma chance de fazer algo diferente. Mesmo que tenha começado como um acordo, eu senti que... nós dois tínhamos muito a ganhar. Talvez até a curar.
Elisa mordeu o lábio inferior, tocada, mas com medo de demonstrar.
— Isso não estava no contrato — ela murmurou.
— Os melhores acordos são os que não precisam de cláusulas — ele respondeu, com um meio sorriso.
Um trovão distante cortou o silêncio lá fora. A chuva começou a cair contra os vidros altos da cobertura, fina e constante, como se lavasse o que restava daquela noite de ruptura.
Leonardo se levantou devagar e estendeu a mão para ela.
— Você está segura aqui. Pode dormir tranquila. Eu preparei o quarto de hóspedes. Mas se quiser conversar... ou apenas ficar em silêncio comigo, estarei aqui.
Ela hesitou, os olhos fixos naquela mão estendida. Depois, como quem atravessa um limite invisível, ela a segurou.
Levantou-se, e ao invés de seguir para o quarto, sentou-se ao lado dele, no sofá maior. Puxou um cobertor leve que estava dobrado e se acomodou ali, com a cabeça recostada no encosto, os olhos quase fechando.
Leonardo permaneceu ao lado dela, sem tocar, sem invadir. Apenas estando ali. Presente.
— Boa noite, Elisa — disse ele, baixo.
— Boa noite, Leonardo — ela respondeu, já com a voz sonolenta.
E naquela madrugada chuvosa, enquanto a cidade dormia, duas pessoas machucadas dividiam o mesmo espaço, o mesmo silêncio, e talvez... o mesmo recomeço.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Severa Romana
espero que esse livro tenha finsl, porque outro que estava lendo não teve conclusão
2025-05-09
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