Entre o Amor e o Desprezo
O silêncio da madrugada parecia gritar dentro do apartamento de Elisa. As luzes da cidade filtravam-se pela cortina entreaberta, lançando sombras pálidas sobre o chão de madeira. Sentada no sofá, com uma xícara de chá esquecida entre as mãos, ela encarava o nada — como se, por algum milagre, o vazio fosse responder às perguntas que a vida lhe fazia em silêncio.
O celular vibrou ao seu lado. Uma notificação de número desconhecido. Ela hesitou por um segundo antes de desbloquear a tela. Havia uma mensagem simples:
“Você merece saber.”
Abaixo, uma série de arquivos: vídeos, fotos... Elisa abriu o primeiro sem imaginar o que estava prestes a ver. E então, como um soco no estômago, a imagem de Daniel — seu noivo, seu futuro — preenchia a tela. Nu. Sobre outra mulher. Gemidos abafados. Risos cúmplices.
O coração de Elisa parou por um segundo.
A câmera tremia, mas era impossível não reconhecer o rosto da mulher deitada sob ele.
Isadora.
Sua irmã adotiva.
A irmã que cresceu ao seu lado. A menina que Elisa abraçava quando tinha pesadelos. A filha querida de seus pais. A favorita da casa. A mesma que, com um olhar doce e palavras suaves, escondia a serpente que era.
As mãos de Elisa começaram a tremer. Um segundo vídeo começou automaticamente. Outra posição. Outro lugar. Risos escancarados. Isadora olhava direto para a câmera, como se quisesse ser vista. Como se soubesse que, um dia, aquilo chegaria até Elisa.
Ela deixou o celular cair no sofá. O mundo rodava, mas seu corpo estava congelado. Sentia-se invadida, traída, ridicularizada.
Ela queria gritar, mas não saiu som. Apenas um suspiro pesado que parecia vir da alma. O tipo de dor que não se faz barulho, apenas ecoa por dentro, silenciosa e destruidora.
Os olhos marejaram, mas Elisa não chorou. Pela primeira vez, em anos, ela não chorou.
Ela se levantou devagar, ergueu o rosto e caminhou até o espelho da sala. A imagem refletida ainda era a dela, mas algo havia mudado.
A mulher submissa e dócil que todos ignoravam estava morrendo ali.
Nascia, naquela noite, uma nova Elisa. Uma mulher que não permitiria mais ser pisada.
Elisa apoiou as mãos na bancada da cozinha, buscando força onde já não havia. Sua mente girava em espiral, revivendo cenas recentes — os beijos carinhosos de Daniel, as conversas inocentes de Isadora, os sorrisos trocados entre os dois... Teria sido tudo uma farsa desde o início?
Voltou ao sofá e pegou o celular novamente. A conversa anônima havia sumido, como se nunca tivesse existido. Mas os vídeos e as fotos estavam ali, salvos. Reais. Indiscutíveis.
O coração dela queria negar. Queria inventar desculpas. Talvez fosse uma armação. Uma montagem. Mas os detalhes... os detalhes eram cruéis. As roupas que ela mesma ajudara Isadora a escolher. O relógio que deu a Daniel no último aniversário. Tudo denunciava que aquilo era verdade.
Ela se sentou com mais firmeza, os olhos fixos na tela. Reviu tudo, um por um. Não por masoquismo, mas por necessidade. Precisava ver. Precisava aceitar.
Cada imagem era como um prego na tampa de um caixão que ela mesma decidia fechar. O caixão do amor cego, da ingenuidade, da bondade sem recompensa.
Pegou o telefone novamente e clicou no contato de Daniel. O polegar pairou sobre a tela por alguns segundos antes de recuar. Não. Não agora. Ele não merecia o confronto direto. Não ainda.
Foi até o quarto. Abriu o armário e observou os vestidos pendurados, os sapatos alinhados, os porta-retratos com fotos felizes — mentiras congeladas no tempo.
Vestiu um robe de cetim vinho, amarrou a cintura com firmeza e puxou os cabelos num coque elegante. Queria ver-se forte no espelho. Queria lembrar a mulher que havia ali antes da dor.
Sentou-se na cama, abriu o notebook e começou a digitar. Não sabia exatamente o que escrevia — talvez uma carta, talvez um desabafo. Mas cada palavra era um tijolo que ela colocava nos alicerces da nova Elisa.
E quando terminou, apagou tudo. Ela não precisava de palavras naquele momento.
Precisava de ação.
Na tela do celular, uma nova mensagem apareceu, novamente de um número desconhecido:
“Ele vai pedi-la em casamento no domingo.”
A respiração de Elisa falhou por um segundo.
Domingo. O mesmo dia em que Daniel dissera que teria uma “surpresa especial” para ela.
A mão dela fechou-se em punho.
— Ótimo — murmurou. — Mal sabe ele que a surpresa vai ser minha.
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Atualizado até capítulo 30
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