ECOS DE UMA EXPECTATIVA

O som das arquibancadas já me dava dor de cabeça. Mãos suadas, estômago revirado, e a sensação de que minhas pernas iam falhar a qualquer segundo. Eu estava vestida com o uniforme azul e dourado da equipe, com o cabelo preso em um rabo de cavalo e o laço mais apertado do que minha própria coragem.

"Respira, Rosana."— murmurou a capitã do time, provavelmente pela quinta vez, enquanto fazíamos o aquecimento no canto da quadra.

Mas como respirar quando minha mãe estava ali, sentada no meio da arquibancada central, com os braços cruzados e aquele olhar atento?

O olhar de quem espera algo grandioso. O olhar de quem sacrificou os próprios sonhos e agora esperava que eu realizasse todos por ela.

"Ela tá aqui." — falei para Bianca, que estava ajudando na organização do som: "Minha mãe."

Bianca levantou os olhos dos fios e deu um sorriso compreensivo.

"Vai dar tudo certo. Você treinou. Não precisa ser perfeita, só precisa ser você."

'Ser eu' parecia justamente o problema. Porque, no fundo, eu ainda não sabia se gostava daquilo. Se era ali que eu devia estar. E por mais que tentasse esconder, meu corpo parecia querer gritar isso a cada movimento ensaiado.

O apito soou. Os jogadores começaram a entrar em quadra, e as palmas explodiram das arquibancadas. O jogo ia começar. E com ele, minha primeira apresentação.

Senti um arrepio subir pelas costas enquanto me posicionava com o grupo. As meninas ao meu redor sorriam como se estivessem em um musical da Broadway. Eu forcei o meu. Talvez tenha saído mais tenso do que encantador.

E foi quando levantei os olhos que o vi.

Ele — o garoto do skate — parado ao lado da quadra, perto da entrada dos jogadores. Não fazia parte do time, mas estava ali, como se fosse. Como se soubesse que eu ia procurar por ele.

E sorriu.

Com a covinha.

Com a leveza de quem não precisa se esforçar.

Respirei fundo.

Talvez... só talvez... eu conseguisse passar por aquilo sem cair de cara no chão.

O som começou.

A batida alta, sincronizada com nossos primeiros passos. A coreografia fluía, e eu sentia meu corpo responder — não com perfeição, mas com esforço. Meus braços erguidos, a girada no tempo certo, o salto que quase desequilibrou... mas não. Eu segurei. Continuei.

E, por um instante, não pensei em agradar ninguém. Nem a minha mãe. Nem o colégio. Só dancei.

Quando a música terminou, a arquibancada aplaudiu. Algumas palmas vinham por cortesia, outras por empolgação. Mas o que me fez sorrir de verdade foi ouvir uma das meninas da equipe dizer:

"Você mandou bem, Rosana! Aquela sequência final? Arrasou!"

"Sério, eu achei que você ia travar." — disse outra, rindo: "Mas segurou bonito!"

Sorri, ainda ofegante. Talvez eu realmente estivesse melhorando.

Com o uniforme colado ao corpo de tanto suor e o cabelo preso começando a se soltar, desci da quadra e fui direto onde sabia que ela estaria. Minha mãe. Ainda sentada, impecável como sempre, os olhos sérios acompanhando cada passo meu.

"Mãe!" — falei, tentando não parecer ofegante demais: "Eu consegui! A apresentação foi toda certa. Não errei quase nada. As meninas até me elogiaram..."

Ela me olhou por um segundo, como se estivesse medindo cada palavra que eu dizia. Depois, cruzou os braços.

"Conseguiu... foi bom, Rosana. Mas você poderia ter levantado mais a perna naquele salto. Você já fez aula de ginástica, lembra? Aquilo deveria ser fácil pra você."

O sorriso morreu antes de chegar por completo.

"Ah... é." — murmurei, tentando esconder a pontada no peito: "Eu achei que tinha ido bem."

"Foi. Mas pode ir melhor. Sempre pode. Só não se acomoda, tá?"

Assenti, sem responder. O mesmo nó de sempre se formava na garganta. Ela não era cruel. Só... exigente. E, às vezes, isso doía mais do que qualquer crítica direta.

Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, uma voz atrás de mim falou:

"Ei, boneco de posto! Ainda rodando por aí?"

Me virei.

Era ele.

O garoto do skate.

Théo.

Com aquele mesmo sorriso solto e os olhos castanhos iluminados pelo sol poente. Ele segurava o skate com uma mão e tinha a camiseta pendurada no ombro.

"E você ainda parece que vive num comercial de pasta de dente."— retruquei, levantando uma sobrancelha.

Ele riu. A covinha apareceu.

"Então estamos quites."

Eu sorri, mesmo sem querer.

Talvez minha mãe nunca dissesse exatamente o que eu queria ouvir.

Mas, de algum jeito, naquele momento, do lado de fora da quadra e longe dos olhares dela... eu comecei a me sentir mais como eu mesma.

Mais tarde, no vestiário, ainda animadas depois do jogo, algumas das meninas começaram a comentar sobre os planos da noite.

"A gente vai no Karaokê do Flávio hoje!" — disse Júlia, jogando o cabelo molhado pro lado: "É tradição depois do primeiro jogo."

"Vai todo mundo." — completou Vanessa: "E você vai também, né, Rosana?"

Eu hesitei por um segundo, surpresa com o convite. Ainda estava me acostumando com a ideia de fazer parte do grupo, mas algo no jeito como me olharam me fez sentir... incluída.

"Ah… vou perguntar pra minha mãe e ver se dá, né?"

Peguei o celular e mandei uma mensagem rápida para ela. Depois, fui até Bianca, que me esperava perto da saída da escola com a mochila no colo e livros abertos no banco ao lado.

"Vem comigo hoje? As meninas vão num karaokê. Acho que vai ser divertido."

Ela ergueu os olhos, já cansados, e fechou o livro devagar.

"Karaokê? Rosana, tem prova de biologia na segunda. Eu prometi que ia revisar isso tudo hoje."

"Só por um tempinho." — insisti: "A gente canta, ri, e depois você estuda. Ou canta música triste pra decorar as classificações dos reinos biológicos."

Ela riu, mas balançou a cabeça.

"Vai lá, aproveita. Você tá se entrosando, e isso é importante também. Eu... sou mais do tipo karaokê na cabeça e voz interna me julgando”.

"Você é mais do tipo gênio tímida. Mas tudo bem."

Me abaixei, dei um abraço nela, e fui.

As luzes da rua refletiam no vidro dos carros e as risadas do grupo me puxavam pra frente. Pela primeira vez em muito tempo, eu não estava apenas sendo levada pela maré da minha mãe ou das expectativas dos outros.

Eu estava indo porque queria.

E no fundo, algo me dizia que essa noite teria mais surpresas do que eu podia imaginar.

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