Três Cadeiras, Três Destinos (e um pacote de biscoito)

No dia seguinte, Ada sentia os músculos da perna reclamando com cada degrau da escada. Ainda era cedo, e o corredor da escola tinha aquele ar de lugar que ainda não acordou direito. Mas ali estava ela, mais uma manhã comum — ou quase.
Entrou na sala com passos sonolentos, jogou a mochila no chão ao lado da carteira e deitou os braços sobre a mesa.
ada
ada
— Me acordem quando o ano acabar — murmurou.
Poucos segundos depois, Lia apareceu e sentou ao seu lado, com uma garrafinha de café gelado na mão e óculos de sol na cabeça.
lia
lia
— Bom dia, guerreira da limpeza. Trouxe uma oferenda. — Ela colocou um pacotinho de bolacha recheada em cima da carteira de Ada. — Sabor: sobrevivência.
ada
ada
— Eu te amaria se eu não estivesse tão morta por dentro — disse Ada, abrindo o pacote com um gemido dramático.
juju
juju
Juju chegou em seguida, se jogando na cadeira com a delicadeza de um meteoro. — Eu ouvi oferenda? Ada, conta tudo. Encontrou alguma assombração ontem? Ou o Anthony limpando o chão sem camisa?
Ada engasgou com a bolacha.
ada
ada
— Juju, pelamor. Não, tá? Só vi ele por acaso, e ele não tava limpando nada. Só esperando o amigo.
lia
lia
— Mas ele falou com você? — perguntou Lia, curiosa.
ada
ada
— Falou. Foi tipo… civilizado. Não me ignorou, não me empurrou da escada… já é avanço.
juju
juju
— Hmmmmm — Juju estreitou os olhos. — Isso tem cheiro de enredo de romance lento. Tipo aqueles em que o casal se odeia por cinco temporadas e só se beija no último episódio.
ada
ada
— Por favor, não inventem fanfic da minha vida — disse Ada, enfiando outra bolacha na boca.
ada
ada
— Tô lidando com produtos químicos e humilhações. Não tenho tempo pra crush.
lia
lia
— Você sempre diz isso… antes de ter um crush — provocou Lia, rindo.
ada
ada
— Um dia ainda jogo Marlene em vocês. — Ada ameaçou com o dedo, tentando manter a cara séria. — Ela pode parecer só um rodo rosa, mas ela tem personalidade.
juju
juju
— Eu tô imaginando um anime agora. Ada e Marlene contra o sistema. — disse Juju, dramatizando com as mãos. — E dois boys bonitos que não sabem o que tão perdendo.
Ada deu um sorriso sem querer. Era isso que ela gostava nas amigas — podiam estar num buraco, mas sempre cavavam um túnel engraçado pra sair.
A professora entrou na sala e o burburinho cessou aos poucos, mas aquele calor gostoso de amizade pairava no ar. E, por alguns minutos, Ada esqueceu da faxina. Porque, mesmo que a escola fosse um caos, ela ainda tinha suas meninas. E isso era quase um superpoder.
Depois das aulas, Ada caminhava devagar pelo corredor. A garrafa de água pendurada na mochila balançava a cada passo, e o som do seu tênis no chão soava mais alto do que devia. Chegando na sala da diretora, ela respirou fundo antes de empurrar a porta. Mas... não estava sozinha.
Theo já estava lá.
Ele estava agachado, tirando alguns livros de uma caixa de papelão, organizando uma pequena prateleira no canto da sala. Não olhou pra ela, mas percebeu sua presença. Ela ficou parada, surpresa — não por estar ali, mas porque ele parecia... normal. Quieto. Sem as provocações usuais. Sem aquele olhar atravessado. Ela pigarreou, hesitante.
ada
ada
— Você também foi condenado?
Theo
Theo
— Não. — respondeu sem levantar o olhar. — Só tô ajudando a coordenadora. Voluntário.
Ela franziu o cenho.
ada
ada
— Quem em sã consciência se voluntaria pra limpar sala de diretora?
Theo suspirou.
Theo
Theo
— Não é limpeza. É organização. Meu irmão bagunçou os arquivos. Tô pagando por ele.
Ada assentiu, mesmo que ele não estivesse olhando. Ela foi até o canto da sala e pegou o balde e o pano, sem dizer mais nada. Os dois trabalhavam em silêncio. Um silêncio pesado, mas não agressivo. Era... estranho. Como se eles fossem dois estranhos no mesmo elevador. Cada um no seu mundo, mas percebendo a presença do outro. Em certo momento, Theo se levantou para pegar outro livro e passou por trás dela. Um segundo de aproximação. Ela sentiu o cheiro suave do sabonete dele. Lavanda com algo mentolado. E aquilo, por algum motivo, ficou na cabeça dela.
Ele pegou o que precisava e voltou. Silêncio de novo. Quinze minutos depois, ela terminou de passar o pano.
ada
ada
— Pronto. A sala está limpa. A minha alma, nem tanto.
Theo levantou os olhos pela primeira vez e a encarou. Sem ironia. Sem raiva. Só... um olhar.
Theo
Theo
— Você tem esse jeito esquisito de falar. — disse.
ada
ada
— Obrigada. Eu acho.
Ele deu um pequeno aceno de cabeça, quase um gesto de respeito silencioso, e voltou ao que fazia. Ada saiu da sala com passos lentos, confusa. Não sabia se o que acabara de acontecer era uma conversa... ou uma mudança de clima. Mas alguma coisa estava diferente.
Na manhã seguinte, Ada entrou na sala de aula mastigando um pão de queijo e com o olhar perdido no nada. Parecia que o cérebro dela ainda estava preso na sala da diretora do dia anterior. Lia, ao notar a expressão sonhadora da amiga, ergueu uma sobrancelha.
lia
lia
— Ué... Tá apaixonada ou teve febre?
Ada se jogou na carteira e sussurrou, dramática:
ada
ada
— Aconteceu uma coisa. Ontem. Durante a faxina.
Juju já se inclinou na cadeira, animada como se fosse começar uma novela
juju
juju
— Fala. Quem beijou quem? Foi o Anthony? O Theo tirou a camisa? A coordenadora revelou que é bolsonarista?
ada
ada
— Ninguém beijou ninguém, Juju. Foi... sei lá. Tava lá limpando, de boa, e o Theo tava lá também. Mas ele não me olhou feio, não reclamou, nem jogou um apagador na minha direção.
lia
lia
Lia arregalou os olhos.
lia
lia
— Ele... foi educado?
ada
ada
— Ele me olhou. No olho. Sem parecer que queria me empurrar de uma janela.
Juju pôs a mão na boca como se tivesse ouvido um segredo de estado.
juju
juju
— Meu Deus... ele foi gentil? Ada, você tem uma doença terminal?
ada
ada
— JUJU! — Ada gritou, rindo, e empurrou a amiga pelo ombro.
juju
juju
— Desculpa, desculpa! Mas isso é tipo ver um gato e um cachorro tomando chá juntos.
ada
ada
— Foi só estranho. Ele disse que eu tenho um jeito esquisito de falar.
juju
juju
— E você respondeu o quê?
ada
ada
— “Obrigada, eu acho.”
Lia e Juju explodiram em gargalhadas.
lia
lia
— Eu amo que a Ada nunca sabe se foi xingada ou elogiada — disse Lia, enxugando uma lágrima de tanto rir.
Ada riu junto, mas ainda estava com aquele olhar pensativo.
ada
ada
— Enfim... não sei. Foi só um momento esquisito. Mas, por um segundo, pareceu que a gente era... dois humanos. Conversando. Sem sangue.
juju
juju
— Isso, amiga. Vai devagar — disse Juju, séria por um instante. — A vida já é difícil demais. Se o Theo virar educado de uma vez, a gente não vai saber lidar.
ada
ada
— Exatamente — Ada murmurou, pegando outro pão de queijo da mochila. — Um desastre de cada vez.
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