Entre Decisões e sentimentos

Helena

A semana que se seguiu foi uma mistura de consultas médicas, exames, e momentos de profunda reflexão. O ritmo frenético me impediu de pensar no futuro de forma clara, mas o peso de cada palavra dos médicos ficou gravado. As possibilidades eram tantas, e, ao mesmo tempo, tão poucas. Eu não sabia mais o que fazer, mas sentia cada vez mais que as respostas estavam dentro de mim. Talvez não as respostas certas, mas algo que me empurrava para uma direção que eu ainda não podia definir.

Daniel, ao meu lado, parecia viver um dilema ainda maior. Eu podia ver nos seus olhos a luta interna. Ele queria que eu escolhesse a vida, mas também sabia o quanto o bebê já significava para nós dois. Como dar um passo sem olhar para trás, quando, na verdade, você sabia que havia algo irremediável à sua frente?

Na segunda-feira, marcamos a consulta com outro especialista. Dr. Eduardo, oncologista de renome, tinha uma abordagem diferente. Ele sugeriu que, embora o tratamento agressivo fosse necessário, ele acreditava que poderíamos tentar segurar até o segundo trimestre. A questão era: quanto tempo isso prolongaria minha vida? E quanto tempo mais o bebê sobreviveria se eu fosse tão intensa na luta contra o câncer?

— Os riscos são grandes, Helena. E não podemos prometer nada. Você precisaria de acompanhamento rigoroso, e os tratamentos são pesados. Você terá menos energia, pode ter dificuldades no início da gestação. Mas, se der tudo certo, você poderia viver mais tempo. Talvez até possa chegar até o parto — disse Dr. Eduardo, com uma calma que não conseguia aliviar meu sofrimento.

O que me deixou mais em conflito foi a promessa de "talvez". Ele estava dizendo que eu poderia tentar sobreviver, mas havia tanto "se" envolvido. Por que havia sempre um "se" no final das frases? Se sobrevivesse, se o bebê fosse bem, se eu não tivesse complicações. Era como um jogo de probabilidade, e as chances de ganhar pareciam cada vez menores.

Deixei a clínica com a cabeça pesada e o coração ainda mais confuso. Daniel, quieto no banco do passageiro, não disse uma palavra durante o trajeto de volta. Seu silêncio estava tão denso quanto o ar da cidade. Ele não me pressionava, mas eu sabia que ele queria algo mais. Queria que eu escolhesse viver.

---

No dia seguinte, uma sensação estranha tomou conta de mim. Senti uma tontura repentina, como se tudo à minha volta estivesse girando. Não era uma sensação nova, mas, dessa vez, era mais forte. Fui até o banheiro e olhei meu reflexo no espelho. Minha pele estava mais pálida e, quando toquei meu rosto, percebi que estava mais frio do que o normal. Senti um tremor nas mãos, algo que não conseguia explicar, mas que me deixou com a certeza de que meu corpo estava respondendo de uma forma que eu não conseguia ignorar.

No final da tarde, liguei para Carolina. Ela era minha amiga mais próxima, alguém em quem eu podia confiar sem reservas. Pedi para que ela viesse até minha casa. Mesmo sendo uma pediatra dedicada, Carolina tinha um bom entendimento sobre casos de câncer, e sabia o quanto eu estava lutando internamente. Ela era a pessoa que mais me entendia, além de Daniel, claro.

Quando Carolina chegou, minha tensão estava mais evidente do que nunca. Ela olhou para mim com uma mistura de preocupação e carinho.

— Como você está, Helena? — perguntou, dando-me um abraço apertado.

— Não sei, Carol. Está difícil demais. — Eu me permiti chorar no ombro dela por um momento.

Ela me conduziu até o sofá, onde me sentei com a expressão abatida. Carolina não tinha pressa. Ela me deixou falar no meu tempo, sem me pressionar.

— Daniel está bem? — ela perguntou, depois de um silêncio longo.

Eu soltei um suspiro. — Ele está… Ele quer que eu faça o tratamento, Carol. Ele acha que é a única forma de eu ter uma chance. Mas ele também me vê como mãe agora, e ele tem medo de perder a mim e ao bebê.

Carolina assentiu, compreendendo a complexidade da situação. Ela sabia que, ao lado de Daniel, minha decisão também significava dar à luz um futuro incerto, e a escolha entre ser mãe e viver era, para mim, um abismo.

— Mas e você? — Carolina perguntou, de forma suave. — O que o seu coração diz?

A pergunta me paralisou por alguns segundos. O que o meu coração dizia? Eu queria acreditar que o coração podia me dar a resposta certa, mas naquele momento, ele parecia tão perdido quanto minha mente.

— Eu… não sei, Carol. Eu não sei se tenho forças para lutar pela minha vida. E eu não sei se devo lutar pela vida dele, também. Se eu fizer o tratamento, ele pode não sobreviver, e se eu não fizer, posso morrer. Eu estou presa em um lugar onde nenhuma escolha parece certa.

Carolina pegou minha mão e segurou com firmeza. Ela era um pilar, uma força tranquila. Eu olhei para ela, buscando alguma resposta que me libertasse dessa prisão emocional.

— Helena, nenhuma decisão vai ser fácil. Mas o que você sente pelo bebê? — ela perguntou, com um sorriso suave nos lábios.

Eu olhei para o vazio por um momento, tentando entender a pergunta. O bebê. A vida que crescia dentro de mim. Uma vida que eu ainda não conhecia, mas que já era parte de mim. Algo na forma como Carolina colocou a questão fez com que eu finalmente me permitisse, ao menos por um instante, perceber o que eu sentia.

— Eu o amo, Carol. Eu o amo mais do que qualquer coisa. Mais do que minha própria vida, talvez. Mas, ao mesmo tempo, tenho medo de que essa decisão possa me afastar dele, de que essa luta me faça perder o pouco de tempo que eu tenho com ele.

Carolina me olhou, os olhos marejados. Ela sabia o quanto eu estava me entregando àquela dor. Era um amor incondicional, já. Um amor que ultrapassava o entendimento racional.

---

Naquela noite, Daniel me abraçou. Foi um abraço silencioso, como um acordo implícito entre nós dois. Ele sabia que eu ainda não tinha decidido nada, mas estava ali, me sustentando. E eu o sentia tão distante, mas tão perto ao mesmo tempo.

Ele não falou sobre o tratamento. Não disse mais nada sobre a possibilidade de tentar, ou o medo de perder a mim e ao bebê. Ele sabia que qualquer palavra seria inútil, que qualquer tentativa de me convencer seria em vão, se não partisse de mim.

Eu me virei para ele na cama, a escuridão preenchendo o ambiente, e disse, com a voz baixa:

— Eu não sei o que fazer, Daniel. Mas eu sinto que preciso decidir logo. Antes que seja tarde demais.

Ele apertou minha mão. — Eu te amo, Helena. Eu vou te apoiar em qualquer decisão que você tomar. Mas eu estarei ao seu lado, sempre.

Eu não respondi. Apenas me aninhei em seus braços, tentando encontrar alguma paz nas suas palavras. Mas ainda havia muito por dentro de mim que não estava pronto para decidir.

A manhã seguinte foi mais um dia de incertezas. Mas o amor estava ali, ainda, forte, batendo em cada pedaço de nós dois. E, de algum modo, esse amor me dizia que, mais cedo ou mais tarde, eu teria que fazer a escolha.

A escolha entre viver ou morrer. A escolha entre viver para meu filho ou viver para mim.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!