A luta Interna

A manhã seguinte chegou silenciosa, como se o mundo ao redor tentasse respeitar o vazio que Isabela sentia dentro de si. A luz suave da manhã entrava pela janela do apartamento que Henrique havia lhe emprestado, mas ela ainda não conseguia se livrar das sombras que o passado projetava sobre ela. As marcas no corpo pareciam pulsar em sua pele, como se o próprio sofrimento ainda vivesse dentro dela.

Ela acordou devagar, com os olhos pesados e a mente turva. O lugar era pequeno, simples, mas reconfortante. Não havia a sensação de prisão que a sua antiga casa transmitia. Mas, mesmo ali, sentia-se presa. Presa às lembranças, aos gritos, ao medo de Marcos. O som da sua voz ainda ecoava em sua mente, as palavras cruéis, os insultos que ele lançava com prazer. O rancor que ela carregava agora não estava mais voltado só para ele, mas também para si mesma.

Era difícil se olhar no espelho e não ver a mulher que tinha sido destruída. O reflexo que a olhava parecia estranha, como se ela não fosse mais a mesma. O rosto estava pálido, os olhos opacos de tanto chorar. Seu corpo, tão ferido, não parecia mais o dela. Cada passo parecia mais difícil que o anterior, como se o peso da sua própria história estivesse a sufocando.

Isabela se levantou devagar, seus pés tocando o chão gelado. A casa estava quieta, com o cheiro do café recém-feito flutuando pelo ar. Henrique não estava ali, mas ela sabia que ele ia voltar em algum momento. Ele a havia deixado sozinha, mas não de uma forma que a fizesse sentir abandono. Ele havia dito que iria buscar algo importante para ela, mas, enquanto ele estava fora, o silêncio tomou conta. E, no silêncio, as vozes da sua própria mente começaram a crescer.

“Eu sou fraca”, ela pensou, olhando para suas mãos trêmulas. “Eu deixei ele fazer isso comigo. Eu fui fraca.” Mas, ao mesmo tempo, algo dentro dela começava a se agitar, algo que ela não conseguia nomear. Talvez fosse o medo do desconhecido, ou talvez fosse a tentativa de encontrar um pedaço de si mesma no meio daquela dor. O que mais poderia fazer, senão tentar seguir em frente?

Ela caminhou até a cozinha, sentindo o ar frio do apartamento. A mesa estava arrumada, com xícaras e pratos limpos. Henrique sempre teve um cuidado, uma gentileza silenciosa que, em outros tempos, ela teria apenas notado como uma simples consideração. Mas agora, naquele momento, parecia mais do que isso. Parecia uma âncora. Ela se sentou, os pensamentos ainda agitadas, tentando acalmar a mente.

Ela sabia que tinha que tomar uma decisão. A delegacia, a ordem de restrição, tudo parecia um peso que ela carregava, mas ao mesmo tempo, era um alívio. Ao menos Marcos não poderia mais se aproximar dela. Mas, e agora? Ela não sabia mais o que fazer com a sua vida. Ela tinha sido uma professora, sempre se dedicando aos alunos, e agora tudo parecia perdido. Marcos tinha sido tão cruel a ponto de tirar tudo dela: seu emprego, sua confiança, sua autoestima.

A esperança parecia um fio fino, frágil. Mas ela não queria se afogar na dor. Não mais. Ela sabia que precisava se reerguer. Mas como?

Era estranho pensar nisso, porque tudo parecia um mar de incertezas. Ela se perguntava se conseguiria voltar a ser quem era antes. Quem ela era antes? Antes de tudo o que aconteceu? Não sabia mais. Mas também sabia que não poderia viver se prendendo ao passado. Não agora.

O som da porta se abrindo a tirou dos seus pensamentos. Henrique entrou no apartamento, seu semblante calmo e tranquilo, mas com os olhos preocupados, como sempre. Ele carregava algo nas mãos: um pequeno pacote. Quando ela o olhou, ele sorriu levemente, mas seus olhos não mentiam. Ele sabia que ela estava lutando com as próprias sombras.

— Eu trouxe algumas coisas para você. — Ele colocou o pacote na mesa e se sentou ao lado dela. — Sei que você está passando por muita coisa, Isabela, mas eu queria que soubesse que, independentemente do que você decida fazer, eu estarei aqui.

Ela não sabia o que dizer. Suas palavras estavam presas. Mas o apoio que ele oferecia era algo que ela não estava acostumada. Ela não estava acostumada a alguém se preocupar com ela dessa forma. Nunca teve essa segurança antes.

— Eu... não sei o que fazer, Henrique. Não sei como seguir em frente. Eu perdi tudo. Perdi meu emprego. Eu não sou mais a pessoa que eu era antes. Eu sou... uma estranha para mim mesma.

Henrique a olhou com um olhar sério, mas gentil. Ele colocou a mão sobre a dela, sem pressionar, mas com uma segurança que ela sentiu penetrar em seu coração.

— Você não está sozinha nisso. Não é porque você perdeu algo que tudo está perdido. Você é mais forte do que pensa, Isabela. E eu vou te ajudar. Juntos, a gente vai encontrar uma maneira de você voltar a se levantar. Pode não ser fácil, e talvez você precise de mais tempo, mas nós vamos fazer isso.

As palavras dele se instalaram em sua mente, como um bálsamo suave, mas poderoso. Algo nele a fez acreditar, ainda que só por um momento, que ela podia ter uma chance de reconstruir sua vida. Ela fechou os olhos, tentando não se emocionar demais. A dor ainda estava ali, latente, mas a sensação de ter alguém ao seu lado a fazia perceber que talvez, finalmente, ela estivesse começando a se libertar.

Ela respirou fundo e, ao abrir os olhos, encontrou os dele com um brilho de compreensão e paciência.

— Eu não sei o que eu faria sem você... — ela murmurou, mais para si mesma do que para ele.

Henrique sorriu de forma leve, como quem sabia exatamente o que ela estava sentindo, mas que não precisava de palavras para lhe dar o conforto que ela tanto necessitava.

— Não precisa saber agora, Isabela. Vamos dar um passo de cada vez. Eu estou aqui. E você vai voltar a ser quem era. Porque, na verdade, você nunca se perdeu. Só está encontrando a si mesma novamente.

Aquelas palavras, simples e gentis, tinham o poder de acalmar a tempestade dentro dela. Um pouco de esperança acendeu em seu peito. Mesmo que o caminho fosse árduo, ela agora sabia que não estava sozinha nessa jornada.

E isso, talvez, fosse o primeiro passo para a sua recuperação.

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