O peso da verdade

O dia seguinte passou rapidamente, mas a tensão parecia dilatar o tempo. Henrique não falou muito durante o café da manhã, como se o silêncio fosse uma forma de preparar o terreno para tudo o que viria depois. Isabela parecia mais calma, embora os olhos denunciavam o medo residual. Ela sabia que, ao enfrentarem o ex dela, o passado doloroso viria à tona de uma forma ainda mais crua. Mas agora não havia mais como voltar atrás.

O caminho até a delegacia foi tenso. A cada semáforo fechado, Henrique olhava para ela com uma preocupação quase palpável. Ele não sabia como ela se sentia — ele nunca poderia entender completamente —, mas sabia o que precisava fazer. Proteger. A sensação de que ela ainda estava vulnerável a todo aquele sofrimento o fazia querer quebrar todas as barreiras de controle que ele tinha.

Chegaram à delegacia e, assim que entraram, o ambiente gelado de seriedade os envolveu. Isabela não hesitou quando Henrique a conduziu até o balcão de atendimento. Ela estava visivelmente nervosa, com as mãos entrelaçadas, como se aquele simples gesto pudesse aplacar um pouco da angústia que ela carregava.

Henrique ficou ao lado dela, observando cada movimento dela, sem pressionar. Ela respirou fundo e se virou para a delegada, que estava atenta a cada palavra que Isabela dizia.

— Eu... meu ex-namorado, Marcos, me agrediu várias vezes. Mas hoje foi o pior. Ele me bateu, me machucou muito — Isabela falou, com a voz falha, tentando se manter firme. Henrique apertou seu ombro levemente, como se a tocasse apenas para garantir que ela estava ali, que ele estava ali com ela.

A delegada anotou tudo, fazendo perguntas objetivas, mas com a sensibilidade necessária. Ela pediu que Isabela tirasse a roupa para avaliar os sinais de abuso. Isabela hesitou, mas Henrique a guiou até o vestiário com a calma de alguém que compreendia a dor sem dizer uma palavra.

Quando Isabela voltou, seu corpo estava marcado. Marcas no pescoço, nas costas, nos braços, nas pernas. Um mapeamento claro de uma violência que, até então, ela mantivera escondida, como um segredo que ela jamais quis revelar. Mas, naquele momento, ela se permitiu mostrar, se permitir ver o que havia sido feito a ela.

— Essas são as marcas dele, não são? — a delegada perguntou, pegando o caderno de registros.

Isabela assentiu. Henrique estava ao lado dela, olhando sem desviar os olhos daqueles sinais de dor. Era quase como se ele pudesse sentir fisicamente o que ela passou. Seu estômago se revirava. Ele queria fazer algo. Queria que ela estivesse em segurança, mas agora... agora era hora de dar o próximo passo.

A delegada redigiu a ocorrência, formalizou a denúncia e emitiu a ordem de restrição contra Marcos, garantindo que ele não pudesse se aproximar de Isabela.

Henrique pagou as taxas para o corpo de delito e, enquanto aguardavam a finalização dos documentos, ele segurou a mão de Isabela, que estava tremendo. Ela olhou para ele, mas suas palavras ainda estavam presas.

— Você está fazendo o certo, Isabela. — Ele sussurrou, a voz firme e acolhedora.

Ela olhou para o chão, a dor ainda evidente em cada movimento, mas, ao menos, ela sabia que estava sendo ouvida.

 

O próximo destino foi a casa dela. O endereço, que sempre fora sinônimo de "casa", agora se tornava o palco de um enfrentamento. Quando chegaram, a tensão tomou conta do ar. Isabela estava visivelmente agitada. Era o lugar onde ela tinha sido presa, mentalmente e fisicamente, por tantos meses. Henrique se manteve firme, decidido. Ele queria que ela se sentisse segura, mas sabia que só poderia dar-lhe o apoio necessário se ela permitisse.

— Vai ser difícil, mas vamos pegar tudo o que você precisar. Se não for possível agora, depois a gente volta. Você não precisa enfrentar ele sozinha — Henrique disse com firmeza.

Isabela se virou para ele, hesitante, mas acabou assentindo. Quando entraram, as luzes estavam apagadas, e o silêncio da casa parecia pesar ainda mais. Era ali que Marcos a mantinha isolada, onde as promessas de "mudança" nunca se cumpriram.

A porta do quarto estava trancada. Isabela tentou abri-la, mas Henrique foi mais rápido e, com a chave reserva que ele havia encontrado, entrou no quarto. O cheiro de desespero e abandono estava impregnado nas paredes.

Foi quando Marcos chegou. Ele parecia mais velho, sujo, os olhos vermelhos de raiva. Quando o viu, a primeira coisa que fez foi lançar palavras venenosas.

— O que você está fazendo aqui, sua... vagabunda? Eu sabia que você não conseguiria viver sem mim. E agora está com outro idiota pra se proteger, hein? Aposto que é isso que você quer, ser sustentada por ele... uma pobrezinha sem vergonha!

Henrique deu um passo à frente, colocando-se entre Isabela e Marcos. O tom de sua voz foi baixo, mas cheio de autoridade.

— Se você tiver mais uma palavra suja, se atrever a abrir essa boca novamente, eu faço você pagar por isso. Eu estou te dando uma chance de sair daqui com dignidade. Vai embora, Marcos. Ela não quer mais nada com você.

Mas Marcos não estava disposto a ceder. Ele avançou, desafiador, até Henrique. No entanto, ele não contava com a reação de Henrique. Antes que ele pudesse se aproximar mais, Henrique o empurrou para longe, com força o suficiente para desestabilizá-lo.

— Não toque nela. E vai embora agora.

Marcos olhou furioso, mas, diante da força que Henrique demonstrou, ele vacilou. Se retirou, deixando o apartamento em um silêncio pesado.

Quando a porta se fechou, Henrique virou-se para Isabela. Ela estava em um estado de choque. As palavras de Marcos haviam machucado tanto quanto as agressões físicas, e ele sabia que isso precisava ser resolvido.

— Vamos pegar suas coisas e ir embora daqui. Vamos para um lugar seguro, onde ninguém vai te machucar — ele disse suavemente.

 

Chegaram ao apartamento que Henrique havia emprestado para ela. O lugar era silencioso, com uma vista tranquila da rua. Isabela caminhou até o sofá e se sentou, os olhos fixos em nada, enquanto ele preparava um café forte.

— Aqui você pode ficar o tempo que precisar — Henrique disse, oferecendo-lhe a xícara. — Mas, antes de me agradecer, me conta um pouco sobre você. Eu sei que há muito mais do que essa dor que você está carregando.

Isabela respirou fundo. Ela não queria falar, mas, ao mesmo tempo, sentia que ele merecia saber.

— Eu sou professora. Formada em Letras. Trabalhei em uma escola pública, até o Marcos começar a interferir na minha vida. Ele me isolou, me fez desistir de tudo. E, quando ele soube que eu estava pensando em terminar, ele usou tudo contra mim. Quando eu finalmente tomei coragem, já tinha perdido meu emprego. Ele fez questão de me destruir, não só fisicamente, mas emocionalmente.

Henrique se sentou ao lado dela, silencioso por um momento. Ele sabia que, apesar de sua luta interna, havia uma força muito grande ali, uma força que ele admirava profundamente.

— Isso vai mudar agora. Você vai se reerguer. E, quando estiver pronta, a gente vai encontrar uma escola para você. Eu vou te ajudar com o que precisar.

Isabela o olhou, ainda com os olhos marejados, mas um pequeno sorriso surgiu. Não era de felicidade, mas de gratidão. Uma gratidão silenciosa por finalmente sentir que estava em boas mãos.

Henrique deu-lhe uma última olhada, sentindo que, embora o caminho fosse longo, ela estava mais segura agora. Eles iam superar isso. E ele estaria ao lado dela a cada passo.

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