O silêncio entre nós pesava mais do que a brisa fria da madrugada.
Ana caminhava ao meu lado como se estivéssemos em um filme antigo, daqueles em que tudo é mais lento, mais bonito… e mais trágico. As ruas estavam vazias, e a única trilha sonora era o som dos nossos passos e da Geis queimando na minha pele.
Chegamos até o carro dela, um SUV prateado que brilhava sob a luz de um poste piscante.
Ela virou para mim e mordeu o lábio inferior — um gesto que parecia involuntário, mas que carregava intenção.
— Eu… gostei de conversar com você, Isaac.
— Eu também, Ana.
— Posso… te mandar uma mensagem às vezes? Ou talvez te ligar?
— Eu não tenho telefone — respondi, seco, mas sem ser rude.
Ela franziu o cenho, surpresa e intrigada.
— Quem vive hoje em dia sem celular?
— Alguém que não quer ser encontrado.
Ela riu baixo, como se não soubesse se deveria rir ou perguntar mais.
— Ok, bonitão misterioso… — ela tirou um papel dobrado da bolsa, escreveu algo rápido com uma caneta vermelha e me entregou. — Esse é o meu número. Caso mude de ideia… ou precise de uma voz conhecida.
Peguei o papel, dobrando-o entre os dedos.
— Boa noite, Ana.
— Boa noite, Isaac.
Ela entrou no carro e partiu, deixando um rastro de perfume e dúvida no ar.
A mansão já dormia quando voltei — ou fingia dormir. Mas a aura da casa me dizia o contrário. A escuridão entre os corredores era densa demais, atenta demais.
Entrei pela porta da frente sem cerimônia, e como previsto, os dois cães de guarda estavam à espera.
Dante, encostado na escada com os braços cruzados. Olivia, sentada na poltrona com um livro aberto, mas os olhos fixos em mim.
— Onde você estava? — perguntou Olivia, com a voz doce demais para ser casual.
— Caçando — respondi.
— Na cidade?
— Na floresta.
— Sozinho?
— Sempre.
Dante deu um passo à frente, olhos cinzentos semicerrados como os de um lobo farejando mentira.
— Devia ter avisado. Mark ficou preocupado.
— Mark sempre fica — retruquei, subindo o primeiro degrau da escada. — Ele devia saber que eu não sou domesticável.
— Não é isso, Isaac — Olivia disse, fechando o livro. — É que as coisas estão diferentes desde que você voltou. Há energia demais no ar. Sinais demais.
Parei no meio da escada, sem me virar.
— Eu não sou um sinal, Olivia. Sou a tempestade.
Subi o resto dos degraus sem dizer mais nada.
No meu quarto, a solidão me esperava como uma amante antiga. Deitei na cama sem me despir, o papel com o número dela ainda na mão.
O teto parecia respirar comigo. Ou contra mim.
Fechei os olhos.
E o mundo desabou.
O sonho veio como um incêndio.
Cabelos cacheados dançando no escuro.
Mãos que tocavam meu peito como se pudessem me abrir e me ler.
Lábios que diziam meu nome sem medo.
Olhos verdes. Ardentes. Selvagens.
Ela estava ali. Sempre esteve.
Na floresta. Na água. No piano. Nos espelhos.
E agora, nos meus sonhos.
— Isaac… — ela sussurrou, e o som do meu nome saiu como uma profecia quebrada.
Eu tentei tocar seu rosto, mas ela desapareceu como fumaça.
A Geis em minha nuca queimou forte.
Acordei arfando.
Suado.
As mãos tremiam.
Toquei a nuca, e a marca estava lá. Viva. Quente. Pulsante.
Como se estivesse tentando me dizer algo.
Algo que eu não queria ouvir, mas não podia mais ignorar.
Ana.
A mulher do bar.
A mulher do número no papel.
Ela não era só uma coincidência.
Ela era a porta.
Ou a chave.
Ou um espelho.
E se havia uma chance de entender aquele fogo no peito, aquela voz nos meus sonhos, eu teria que conhecê-la. De verdade.
Não como caçador.
Mas como homem.
Talvez até… como criatura marcada por algo maior que ele mesmo.
Me levantei da cama, ainda ofegante, e olhei pela janela.
A cidade dormia.
Mas a Geis estava acordada.
E ela queria respostas.
Eu também.
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Atualizado até capítulo 35
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