Capítulo 4

O silêncio entre nós pesava mais do que a brisa fria da madrugada.

Ana caminhava ao meu lado como se estivéssemos em um filme antigo, daqueles em que tudo é mais lento, mais bonito… e mais trágico. As ruas estavam vazias, e a única trilha sonora era o som dos nossos passos e da Geis queimando na minha pele.

Chegamos até o carro dela, um SUV prateado que brilhava sob a luz de um poste piscante.

Ela virou para mim e mordeu o lábio inferior — um gesto que parecia involuntário, mas que carregava intenção.

— Eu… gostei de conversar com você, Isaac.

— Eu também, Ana.

— Posso… te mandar uma mensagem às vezes? Ou talvez te ligar?

— Eu não tenho telefone — respondi, seco, mas sem ser rude.

Ela franziu o cenho, surpresa e intrigada.

— Quem vive hoje em dia sem celular?

— Alguém que não quer ser encontrado.

Ela riu baixo, como se não soubesse se deveria rir ou perguntar mais.

— Ok, bonitão misterioso… — ela tirou um papel dobrado da bolsa, escreveu algo rápido com uma caneta vermelha e me entregou. — Esse é o meu número. Caso mude de ideia… ou precise de uma voz conhecida.

Peguei o papel, dobrando-o entre os dedos.

— Boa noite, Ana.

— Boa noite, Isaac.

Ela entrou no carro e partiu, deixando um rastro de perfume e dúvida no ar.

 

A mansão já dormia quando voltei — ou fingia dormir. Mas a aura da casa me dizia o contrário. A escuridão entre os corredores era densa demais, atenta demais.

Entrei pela porta da frente sem cerimônia, e como previsto, os dois cães de guarda estavam à espera.

Dante, encostado na escada com os braços cruzados. Olivia, sentada na poltrona com um livro aberto, mas os olhos fixos em mim.

— Onde você estava? — perguntou Olivia, com a voz doce demais para ser casual.

— Caçando — respondi.

— Na cidade?

— Na floresta.

— Sozinho?

— Sempre.

Dante deu um passo à frente, olhos cinzentos semicerrados como os de um lobo farejando mentira.

— Devia ter avisado. Mark ficou preocupado.

— Mark sempre fica — retruquei, subindo o primeiro degrau da escada. — Ele devia saber que eu não sou domesticável.

— Não é isso, Isaac — Olivia disse, fechando o livro. — É que as coisas estão diferentes desde que você voltou. Há energia demais no ar. Sinais demais.

Parei no meio da escada, sem me virar.

— Eu não sou um sinal, Olivia. Sou a tempestade.

Subi o resto dos degraus sem dizer mais nada.

No meu quarto, a solidão me esperava como uma amante antiga. Deitei na cama sem me despir, o papel com o número dela ainda na mão.

O teto parecia respirar comigo. Ou contra mim.

Fechei os olhos.

E o mundo desabou.

 

O sonho veio como um incêndio.

Cabelos cacheados dançando no escuro.

Mãos que tocavam meu peito como se pudessem me abrir e me ler.

Lábios que diziam meu nome sem medo.

Olhos verdes. Ardentes. Selvagens.

Ela estava ali. Sempre esteve.

Na floresta. Na água. No piano. Nos espelhos.

E agora, nos meus sonhos.

— Isaac… — ela sussurrou, e o som do meu nome saiu como uma profecia quebrada.

Eu tentei tocar seu rosto, mas ela desapareceu como fumaça.

A Geis em minha nuca queimou forte.

Acordei arfando.

Suado.

As mãos tremiam.

Toquei a nuca, e a marca estava lá. Viva. Quente. Pulsante.

Como se estivesse tentando me dizer algo.

Algo que eu não queria ouvir, mas não podia mais ignorar.

Ana.

A mulher do bar.

A mulher do número no papel.

Ela não era só uma coincidência.

Ela era a porta.

Ou a chave.

Ou um espelho.

E se havia uma chance de entender aquele fogo no peito, aquela voz nos meus sonhos, eu teria que conhecê-la. De verdade.

Não como caçador.

Mas como homem.

Talvez até… como criatura marcada por algo maior que ele mesmo.

Me levantei da cama, ainda ofegante, e olhei pela janela.

A cidade dormia.

Mas a Geis estava acordada.

E ela queria respostas.

Eu também.

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