Capítulo 2

Despertei em meio ao som de risos contidos e conversas abafadas por paredes de mogno. A mansão era uma fera viva. Cada parede parecia respirar. Cada quadro sussurrava coisas que eu não compreendia ainda — e talvez nem quisesse compreender.

Mark havia me deixado ali, por um momento, para “me adaptar”. Como se isso fosse possível.

Adaptar. Palavra bonita pra quem tem séculos de caos correndo nas veias.

Subi a escada de mármore polido como se pisasse sobre tumbas. O lugar todo era banhado por uma luz filtrada e fria, meio sépia, meio celestial. Uma ilusão bonita — mas toda beleza nesse mundo moderno tinha gosto de veneno doce.

No andar de cima, uma porta se abriu. E eu vi o primeiro monstro.

Ou melhor, ela.

— “Você é o tal perdido?” — a voz soou mais como zombaria do que curiosidade.

Uma garota de olhos prateados, cabelo azul platinado e botas de salto como lâminas de guerra. Os lábios pintados num vermelho que parecia sangue fresco. Ela se encostou no batente da porta com o ar entediado de quem já tinha visto cem apocalipses e estava esperando o próximo.

— Depende — respondi. — Você é a síndica dessa cova?

Ela riu. Aquela risada insuportavelmente sensual de quem sabe que todo mundo olha.

— Sou a Olivia Eckart. Filha do Mark. E você... deve ser o novo brinquedo dele.

Brinquedo.

A palavra bateu fundo como um tapa na alma.

— Eu sou Isaac — rosnei, aproximando-me, encurtando a distância até o ponto em que nossos corpos quase se tocavam. — E se você se referir a mim assim de novo, vai precisar de outro espelho.

Ela piscou devagar, e um arrepio percorreu minha nuca — bem no ponto em que a marca ardia. A borboleta invisível queimava como se tivesse ouvidos.

— Hm. Você é diferente — ela sussurrou, passando por mim como fumaça. — Gosto disso.

O corredor seguinte abriu-se em um salão de vidro, onde dois vampiros estavam sentados como reis decadentes. Um era alto e magro, com olhos cinzentos e cabelo branco como papel queimado. O outro parecia saído de um romance trágico francês — moreno, olhos escuros, expressão amarga.

— Finalmente, o famoso Isaac — disse o moreno. — Achamos que você era uma lenda. Ou uma piada muito cara do Mark.

— Se sou uma piada, então reza pra eu nunca contar o final — respondi, e sentei sem pedir permissão.

Mark chegou logo depois. Terno escuro, presença como trovão. Quando ele falava, até o chão se calava.

— Isaac, esses são Caelum e Dante. Meus filhos. Biológicos... ou quase.

Eles me estudavam como caçadores observam uma fera acorrentada. Como se tentassem prever se eu ia obedecer ou morder.

A resposta era óbvia.

Mark me lançou um olhar de aprovação velada e completou:

— Você vai morar conosco agora. Mas não se engane. Você está aqui por um motivo.

Claro que estou. Sempre há um motivo. Uma guerra. Uma maldição. Um coração preso ao outro por uma Geis invisível.

A marca em minha nuca ardeu mais uma vez — violenta como se alguém tivesse encostado metal incandescente.

E pela primeira vez, a dor me roubou o fôlego.

— Algo errado? — perguntou Olivia, sua voz mais baixa, quase interessada agora.

— A sua decoração é de mau gosto — menti, limpando o suor frio da nuca.

Eles riram. Mas Mark não. Ele sabia. Ele sentia. Aquela marca... a Geis... ela não era apenas um símbolo. Era um contrato eterno.

E mesmo congelada por Sofia, ainda estava viva.

Porque ela ainda estava viva. Ela, a dona do outro lado da maldição.

Mas quem era ela? Por que aquela sensação... esse buraco no peito que aumentava a cada dia?

 

A noite caiu como um véu de luto. A mansão ficou mais silenciosa, como se estivesse em vigília.

Sozinho no quarto, olhei meu reflexo no espelho — o corte de cabelo, mais selvagem, os olhos... ainda os mesmos.

Azul com veios de vermelho. Como fogo congelado.

As pontas dos dedos tocaram a nuca. E por um instante, eu vi.

Uma mulher. Uma sombra.

Olhos verdes. Cabelos cacheados.

Sangue escorrendo dos lábios.

“ Ninguém nunca... me fez sentir o que você fez...”

A imagem sumiu tão rápido quanto veio. Mas o calor ficou. O desejo. O medo. A fome.

Algo nela chamava tudo em mim.

E eu ainda nem sabia o nome dela.

 

No andar de baixo, Olivia e Dante conversavam baixinho com Mark. O nome “Ordem de Lys” foi sussurrado como se chamasse a própria morte.

Caçadores estavam de volta à ativa. E eles sabiam de mim.

— Ele é o elo perdido — disse Caelum. — E o coração dele está amarrado a alguém que ainda vive. Se essa pessoa morrer...

— Ele morre junto — completou Mark.

Olivia sorriu.

— Ah, o romance trágico... sempre foi a parte mais deliciosa da maldição.

 

Enquanto isso, eu fui até o jardim da mansão. Precisava respirar. Mentira — precisava caçar.

Mas ao cruzar os portões de ferro, uma brisa quente me envolveu. E, por um instante, senti o cheiro dela.

Rosas. Canela. Um toque de lavanda.

Ela ainda estava longe.

Mas cada batida do meu coração chamava pelo dela.

E logo... logo nos encontraríamos.

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