Aeryn acordou com os ombros latejando de dor.
A cada movimento, sentia os músculos protestarem, uma sinfonia de sofrimento que parecia ecoar pelos ossos.
O dia anterior deixara cicatrizes invisíveis tanto na carne quanto na mente.
Quando saiu do abrigo improvisado, encontrou Jerek já a esperando no centro da clareira, os braços cruzados e a expressão tão dura quanto a pedra.
O céu estava cinzento, prenunciando chuva. Um vento gelado serpenteava entre as árvores, trazendo o cheiro metálico de tempestade.
Jerek segurava algo nas mãos: duas longas correntes de ferro, grossas e manchadas de ferrugem.
Aeryn se aproximou, o martelo pendendo pesado às costas.
— Hoje você vai lutar com isso. — disse ele, jogando as correntes a seus pés com um tilintar pesado.
Ela olhou o metal frio, depois para Jerek.
— Quer que eu te enforque? — zombou, arqueando uma sobrancelha.
Ele riu, um som seco.
— Seria interessante. Mas não.
— Então o que quer? — perguntou, já se agachando para pegar as correntes.
O ferro era gélido ao toque, e pesado como se carregasse o próprio peso dos pecados antigos.
— Quero que aprenda a lutar limitada. — respondeu ele, sério. — No campo de batalha, ninguém luta em condições perfeitas. Estará ferida, cansada, cercada. Estas correntes vão te lembrar que a liberdade é um luxo que poucos têm.
Aeryn amarrou as correntes nos pulsos, apertando o suficiente para machucar. Queria sentir a restrição. Queria que a dor fosse real.
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O treino começou como uma dança macabra.
Com as correntes prendendo seus braços, Aeryn sentia cada movimento puxar contra ela, como se o próprio ar fosse seu inimigo.
Jerek atacava com a mesma brutalidade de antes, talvez até mais.
Cada bloqueio era um desafio. Cada esquiva, uma vitória sofrida.
O metal arranhava sua pele a cada golpe errado. O peso adicional tornava o martelo mais lento, seus reflexos mais pesados.
Caiu uma vez, depois outra.
Sempre se levantando.
A lama grudava às suas roupas, o suor escorria pelo rosto sujo.
— Vamos, Aeryn! — rugiu Jerek, erguendo o bastão para mais um ataque. — Mostre-me que você é mais do que carne e osso!
Ela rangeu os dentes, levantando o martelo num arco largo, desviando por pouco o golpe que teria partido seu ombro.
O som metálico das correntes ecoava a cada movimento, como sinos de uma execução que ainda não havia acontecido.
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Horas se passaram.
Ou talvez fossem apenas minutos que pareciam eternos.
Aeryn perdeu a noção do tempo, lutando apenas pela sobrevivência.
Seus pensamentos se tornaram simples:
Defenda.
Ataque.
Respire.
Continue.
No meio da luta, uma lembrança emergiu, tão vívida que quase a derrubou: a oficina de sua mãe, o cheiro quente de ferro fundido, o som do martelo batendo ritmado sobre a bigorna.
A voz da mãe, suave mas firme:
— Não é o aço mais forte que sobrevive. É o que sabe se curvar sem se partir.
Aeryn desviou um golpe de Jerek com um giro improvisado, usando as correntes para puxar o martelo de volta no contragolpe.
O bastão de Jerek encontrou seu estômago com força, jogando-a no chão.
Ela rolou, engasgando, mas se levantou outra vez.
Sempre se levantando.
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Quando Jerek finalmente parou, ofegando, o céu já ameaçava despencar em chuva.
Aeryn caiu de joelhos, os braços pendendo inúteis ao lado do corpo.
Seu peito subia e descia em arcos dolorosos. As correntes pesavam mais do que o próprio martelo agora.
Jerek se aproximou e, sem uma palavra, cortou as correntes com uma adaga curta.
O ferro caiu na lama com um baque surdo.
— Você ainda está de pé. — disse ele, quase como se falasse para si mesmo.
Aeryn ergueu o olhar, desafiadora.
— Sempre estarei.
Ele sorriu, aquele sorriso torto, quase respeitoso.
— Vamos ver quanto tempo essa promessa dura.
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A noite caiu pesada, carregada de trovões distantes.
Aeryn sentou-se sozinha perto da fogueira apagada. As labaredas tinham sido reduzidas a brasas tímidas que mal combatiam o frio.
Ela enrolou um cobertor rasgado sobre os ombros e observou o céu escuro.
Cada parte de seu corpo doía.
Mas, curiosamente, havia uma paz estranha dentro dela.
O peso das correntes ainda parecia prender seus braços, mesmo que não estivessem mais lá.
Era como se algo dentro dela tivesse mudado. Algo que não podia ser desfeito.
Força não vinha da liberdade. Vinha da resistência.
Mesmo acorrentada, ela havia lutado.
Mesmo quebrada, ela havia se levantado.
Esse era o verdadeiro treinamento, ela percebeu.
E enquanto o trovão rasgava o céu acima dela, Aeryn jurou silenciosamente:
Se era para ser uma arma, então seria a mais afiada.
Se era para cair, cairia lutando.
Mas jamais, jamais se renderia.
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Na escuridão, enquanto os outros dormiam, Aeryn permaneceu acordada.
O martelo ao seu lado.
As correntes quebradas jogadas na lama.
E dentro de seu peito, um fogo crescente, silencioso, indomável.
Ela não era mais uma aprendiz.
Não era mais uma vítima.
Era uma promessa feita de aço e raiva.
E o mundo, cedo ou tarde, aprenderia a temê-la.
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Atualizado até capítulo 67
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