O amanhecer nas montanhas chegou sem aviso, rasgando o céu escuro com pinceladas pálidas.
Aeryn caminhava há horas, guiada apenas pela esperança tola de encontrar alguma alma viva, algum sinal de civilização.
As pernas doíam.
O estômago roncava como uma fera acorrentada.
O martelo em suas costas parecia puxá-la para o chão.
Mas Aeryn seguia.
Quando o sol finalmente rompeu a neblina, ela avistou algo à frente: uma trilha, tortuosa e parcialmente escondida pela vegetação. Era estreita, ladeada por pedras negras e arbustos espinhosos, mas claramente feita por mãos humanas.
Alguém — ou algo — passava por ali.
Ela se agachou, estudando o solo.
Pegadas leves, quase apagadas pelo vento. Duas pessoas? Três? Era difícil dizer. Mas uma delas mancava — o peso deixava marcas mais profundas à esquerda.
Seguir aquela trilha poderia ser loucura.
Mas ficar onde estava era certeza de morte.
Aeryn ajeitou o martelo, apertou a alça de couro em torno dos ombros e seguiu as marcas.
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A trilha a levou até uma clareira oculta entre as pedras.
Lá, três figuras estavam reunidas.
A primeira, um homem corpulento com cabelos curtos e sujos, afiava uma adaga. A segunda, uma mulher de olhos atentos, amarrava sacos cheios de mantimentos. A terceira — um rapaz jovem, de expressão cansada e um braço enfaixado com tiras sujas de sangue — olhava nervosamente ao redor.
Aeryn se escondeu atrás de uma pedra, observando.
Mercadores? Viajantes? Saqueadores?
Não podia confiar em ninguém.
Mas a fome apertava como garras.
— Quem está aí? — gritou a mulher, erguendo a cabeça de repente.
Aeryn prendeu a respiração.
O homem já estava de pé, adaga em punho. O rapaz se afastou, tropeçando.
Ela tinha duas opções: correr — o que provavelmente a faria parecer culpada — ou se mostrar, de cabeça erguida.
Respirou fundo.
Levantou-se, lentamente, mantendo as mãos visíveis.
— Não quero problemas. — Sua voz soou rouca, mas firme. — Só estou procurando abrigo.
Os três a encararam, avaliando.
O olhar do homem era duro. O da mulher, desconfiado. Mas foi o rapaz quem falou primeiro:
— Ela está sozinha, Jerek. Não tem nem uma espada.
O homem, Jerek, estreitou os olhos.
— Um martelo não é pouca coisa, moleque. — Resmungou. Depois, para Aeryn: — Quem é você?
— Aeryn. — respondeu. — De Vaernholt.
O nome fez a mulher arquear as sobrancelhas.
— Vaernholt foi destruída.
— Eu sei. — Aeryn manteve a cabeça erguida. — Eu estava lá.
Um momento de silêncio tenso se instalou. O vento assobiava entre as rochas, levando consigo o cheiro de ferro oxidado e madeira velha.
Então, para surpresa dela, a mulher relaxou a postura.
— Meu nome é Sera. — disse. — E este é Nill. — indicou o rapaz.
Jerek, no entanto, não abaixou a adaga.
— Por que não ficou para morrer com os outros?
Aeryn sentiu a fúria subir como fogo.
— Porque eu escolhi viver.
As palavras cortaram o ar como uma lâmina bem afiada.
Sera olhou para Jerek com algo que parecia respeito silencioso.
Nill, o jovem, deu um meio sorriso — um lampejo de simpatia.
Depois de um momento que pareceu uma eternidade, Jerek guardou a adaga.
— Pode ficar esta noite. — disse, como se cuspisse pedras. — Mas se tentar alguma coisa...
Ele não precisou terminar a frase. Aeryn entendeu.
E, pela primeira vez desde que fugira de Vaernholt, encontrou algo que parecia uma chance.
Um pequeno início.
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À noite, enquanto partilhavam uma fogueira fraca e pedaços de carne dura, Aeryn ouviu suas histórias.
Sera era uma caçadora, nascida em terras distantes. Forte, prática, desconfiada.
Nill era um ex-aprendiz de escriba, filho de camponeses mortos pelas mesmas tropas que destruíram Vaernholt.
Jerek... ninguém sabia ao certo quem era. Mercenário? Criminoso? Sobrevivente, como todos ali.
O mundo fora das montanhas era um lugar quebrado.
O novo Duque do Norte consolidava seu poder com violência e sangue, e aqueles que se opunham — ou simplesmente eram inúteis — eram descartados como lixo.
Como Vaernholt.
Enquanto a fogueira estalava e o frio mordia, Aeryn observava as sombras dançando nos rostos deles.
Ela ainda não confiava em ninguém.
Mas sabia que, sozinha, suas chances eram quase nulas.
Talvez fosse hora de aprender a sobreviver em grupo.
Talvez... fosse hora de aprender a lutar de verdade.
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Atualizado até capítulo 67
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