Chamas De Ferro
O cheiro de ferro queimado misturava-se ao da madeira e da carne.
O céu, coberto por uma fumaça grossa, deixava o sol como um vulto amarelado e fraco, mal conseguindo iluminar o que restava da vila de Vaernholt. As casas, outrora firmes, eram agora esqueletos carbonizados, rangendo sob o peso do vento. A antiga forja, coração da vila, não passava de uma cratera fumegante.
Aeryn caminhava entre os destroços com passos incertos.
Os pés descalços, cortados por estilhaços, não pareciam importar. O calor dos escombros ainda latejava na pele, mas era o vazio em seu peito que a consumia. Cada ruína era uma lembrança: a cadeira de balanço da mãe; o portão que o pai fez quando ela nasceu; o poço onde, anos atrás, ela quase caiu tentando pegar água.
Tudo se fora.
Ela se ajoelhou diante dos restos da forja.
Entre as brasas mortas, encontrou o martelo de seu pai — a madeira chamuscada, o metal rachado pelo calor brutal. Mesmo assim, ela o pegou com reverência, como se segurasse um pedaço do próprio mundo desmoronado.
— Eles nunca voltam... — a voz dela saiu fraca, mais uma constatação do que uma esperança.
Nas histórias que os anciãos contavam à beira da lareira, os reis justos salvavam os inocentes.
Nas histórias, os heróis apareciam no último segundo, espada em punho, para proteger os fracos.
Nas histórias.
Aeryn apertou o martelo contra o peito, os olhos secos demais para chorar.
Ninguém viria.
Ninguém viria salvá-los.
Os soldados que passaram naquela madrugada não eram monstros de lenda. Eram homens de carne e osso, embriagados de poder e cobiça. Vieram buscar "tributo" para o novo Duque do Norte — e quando não encontraram o que queriam, incendiaram Vaernholt para dar exemplo.
Ela viu.
Escondeu-se sob o alçapão da forja enquanto ouviu gritos.
Enquanto ouviu sua amiga Mila ser arrastada.
Enquanto ouviu seu irmão, Daren, desafiar os soldados e ser silenciado com uma lâmina.
Aeryn mordeu o lábio até sentir o gosto de sangue.
Medo.
Ela sentira medo demais. De correr. De lutar. De fazer qualquer coisa.
Agora, só restava o silêncio — e o martelo em sua mão.
O vento soprou, levantando uma nuvem de cinzas que cegou seus olhos por um instante. Quando abriu novamente, viu, além das ruínas, a linha escura das montanhas no horizonte.
Território proibido. Cheio de feras, dizem. Cheio de mortes.
Mas também cheio de liberdade.
Com dedos trêmulos, Aeryn amarrou o martelo nas costas usando tiras do avental queimado. Deixou para trás tudo o que a prendia: a segurança falsa da infância, a fé cega nos protetores que nunca vieram.
Ela seria seu próprio salvador.
Ela forjaria a si mesma, como o aço endurecido pelo fogo.
Sem olhar para trás, Aeryn se ergueu, sentindo cada músculo dolorido, cada corte, como um lembrete de que ainda estava viva — e onde há vida, há luta.
Ela caminhou em direção às montanhas.
Cada passo uma batida no tambor invisível da guerra que, sabia, ainda estava apenas começando.
E, desta vez, ela não recuaria.
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Atualizado até capítulo 67
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