O frio das montanhas era um corte invisível, deslizando pela pele como uma lâmina afiada.
Aeryn puxou o capuz improvisado sobre a cabeça e apertou o passo. A trilha de pedras irregulares sob seus pés machucados era traiçoeira, mas cada tropeço, cada arranhão, reforçava a decisão que queimava dentro dela: não haveria volta.
Atrás dela, Vaernholt era apenas uma mancha escura na planície — uma lembrança dolorosa que, com o tempo, seria engolida pelo esquecimento.
À frente, as Montanhas de Skeldon se erguiam como muralhas ancestrais, banhadas pela luz fraca de um entardecer azul-acinzentado. Lendas diziam que seres antigos ainda viviam em suas cavernas; outros falavam de fantasmas, de espíritos de guerreiros mortos que não encontraram paz.
Aeryn não se importava.
O que poderia ser pior do que homens que queimavam lares e matavam crianças?
Ela sentia o martelo amarrado às costas pesar mais a cada passo. Era um peso real, sim — o ferro e a madeira carbonizada castigando sua coluna curvada —, mas também era simbólico. O martelo era a última herança de seu pai. Uma lembrança de mãos calejadas e risos abafados pelo barulho do aço sendo moldado.
E agora era sua única arma.
O vento cortante arrancava lágrimas de seus olhos. Aeryn limpava-as rapidamente, não por vaidade, mas porque enxergar era vital naquele terreno traiçoeiro.
O frio já começava a entorpecer seus dedos, mesmo enquanto o suor frio encharcava suas costas.
Ela precisava encontrar abrigo antes que a noite caísse.
O céu tingiu-se de roxo escuro e o primeiro uivo ecoou distante, fazendo Aeryn gelar por dentro.
Não era lenda: as montanhas estavam vivas.
E nem todos os seres que habitavam ali eram humanos.
A trilha desapareceu em meio a pedregulhos gigantes, e ela se viu forçada a escalar. Cada puxada com as mãos esfoladas arrancava gemidos abafados, mas ela não podia parar. Com o martelo batendo contra suas costas a cada movimento brusco, ela sentia-se como o próprio ferro na forja: sendo castigada para se tornar algo mais forte.
Finalmente, depois de horas que pareceram dias, Aeryn encontrou uma fenda entre duas rochas.
Um pequeno buraco, escuro e úmido — mas era abrigo.
Ela se arrastou para dentro, tremendo da cabeça aos pés, os dentes batendo. Soltou o martelo com um gemido de alívio, deixando-o cair ao lado. A escuridão da caverna parecia sufocante, mas ao menos ali o vento cortante não a alcançava.
Encolheu-se em posição fetal, os braços envolvendo o corpo magro, tentando reter qualquer resquício de calor.
Foi então que ela sentiu: o primeiro verdadeiro medo.
Não o medo de soldados ou de espadas.
Mas o medo do desconhecido. Da fome. Da solidão.
Aeryn mordeu o lábio até sentir sangue, lutando contra o pânico crescente.
Ela precisava ser racional.
O que faria seu pai?
O que faria Daren?
Respirou fundo, fechando os olhos, lembrando-se das histórias sussurradas na forja sobre antigos viajantes.
Se sobrevivera ao fogo, sobreviveria à noite.
Aeryn deslizou a mão pela cintura e retirou uma pequena bolsa de couro que carregava amarrada ao corpo. Dentro, alguns restos de pão duro, uma pedra de amolar e uma faca curta — todos bens salvos às pressas da destruição da vila.
Ela mordeu um pedaço seco do pão, sentindo as migalhas arranharem sua garganta seca. Bebeu goles curtos de água de um cantil quase vazio, forçando-se a economizar.
O martelo, ao seu lado, parecia pulsar uma presença silenciosa.
Não estou sozinha.
Eu tenho minha força.
Repetiu para si mesma como um mantra, até que o tremor dos músculos relaxou um pouco e a mente permitiu algum descanso.
Aeryn acordou com um som estranho.
Um arrastar... algo roçando contra a pedra.
Ergueu-se de um salto, o martelo nas mãos.
O coração batia forte demais, ensurdecendo seus próprios ouvidos. Espiou para fora da fenda.
Nada.
O vento? Um animal pequeno? Ou... algo pior?
Não podia arriscar.
Precisava sair dali antes do amanhecer.
Com movimentos rápidos, amarrou o martelo nas costas outra vez e se lançou de volta à trilha, agora iluminada apenas por uma tênue luz azulada da lua cheia. O ar estava denso, quase sólido, e cada som parecia amplificado.
Ela precisava encontrar uma vila. Um abrigo. Talvez até aliados — se é que ainda existiam pessoas que não serviam ao Duque.
Cada passo era uma escolha: parar e morrer, ou seguir e viver.
O martelo parecia mais leve agora, como se aprovasse o novo peso que Aeryn carregava: a decisão de lutar até o fim.
Sem mapa, sem guia e sem garantias, ela subiu ainda mais alto, desaparecendo entre as sombras azuladas da madrugada.
Naquela noite, Aeryn não era apenas uma ferreira órfã.
Era uma centelha à beira de se tornar chama.
Uma chama de ferro.
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Atualizado até capítulo 67
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