A manhã chegou como uma brisa suave, mas o ar de Florença estava pesado. Na cobertura do Valente, Enzo permanecia diante de uma tela com o brasão da família Marcelli projetado. Três espadas cruzadas sobre um fundo escuro. Era um símbolo que representava poder, guerra e sangue.
Marco entrou sem bater. O tom de urgência nos olhos denunciava que havia novidades.
— Enzo. Temos algo. Um informante de Siena disse que uma mulher com traços semelhantes aos da pequena Aurora foi levada de lá com documentos falsos, ainda criança. Criada por uma freira afastada da igreja. E... ela chamava a garota de Luna.
Enzo girou lentamente a cadeira.
— Acha que é ela?
— Cada vez mais provável. E se for...
— Eu sei o que preciso fazer. — Enzo interrompeu, mas sua voz soava menos firme do que deveria. — Ainda assim... não agora.
Marco arqueou a sobrancelha.
— Está hesitando?
— Não. — Enzo desviou o olhar. — Estou observando.
Luna passou o dia inquieta. As palavras de Enzo na noite anterior se repetiam como um eco insistente. “Talvez porque me importe.” Ninguém nunca dissse aquilo pra ela. Ninguém nunca a escolheu. Era sempre ela tentando pertencer, tentando agradar, tentando caber em algum lugar que a aceitasse.
Ela então decidiu sair mais cedo para caminhar até a biblioteca. Havia algo que não a deixava em paz: o brasão desenhado no caderno. Parecia real demais para ser imaginação infantil. Ao chegar, foi direto à seção de heráldica. Passou os dedos por capas empoeiradas até encontrar um livro grosso e antigo: Símbolos Nobres da Itália. Abriu com cuidado, folheando até que parou de súbito.
Lá estava. O mesmo brasão. Três espadas cruzadas sobre fundo negro. Família Marcelli. “Extinta após guerra entre clãs mafiosos. Última herdeira desaparecida aos cinco anos de idade.”
O sangue gelou.
Aurora.
O nome pulsou dentro dela com uma força que nunca havia sentido. Era como se alguma parte esquecida estivesse acordando.
— Você está bem? — perguntou a bibliotecária.
Luna fechou o livro devagar.
— Não sei... mas talvez esteja começando a descobrir.
Naquela noite, ela não voltou direto para casa. Em vez disso, caminhou até o restaurante, mesmo sem estar escalada. Precisava vê-lo. Precisava de respostas.
Encontrou Enzo no escritório, sozinho, com uma garrafa de vinho meio vazia ao lado.
— Achei que não vinha hoje. — ele disse, ao vê-la entrar.
— Eu precisava... entender.
— Entender o quê?
Ela o encarou.
— Quem sou.
O silêncio caiu entre os dois como uma cortina pesada. Enzo se levantou devagar, caminhando até ela.
— E descobriu?
— Parte. — ela abriu a bolsa e tirou o caderno azul. — Lembra quando me perguntou se eu tinha lembranças?
Ele assentiu.
— Isso estava comigo no orfanato. — Luna abriu na página do brasão. — Eu o vi hoje num livro. Pertence a uma família. Os Marcelli.
Enzo não respondeu.
— Dizem que a herdeira sumiu. Dizem que foi levada, que tinha cinco anos... — ela passou a mão nos cabelos. — E que se chamava Aurora.
— Você acha que é ela?
— Eu não sei o que acho. Só sei que quando você me olha... sinto como se estivesse perto de algo que perdi. Como se parte da resposta estivesse em você.
Enzo respirou fundo. Sentia o peso do momento. Aquilo que viera buscando por toda a vida... estava diante dele. Mas nada era como imaginou.
— E se for verdade? — perguntou ele. — Se você for mesmo a herdeira de uma das famílias mais poderosas da máfia italiana?
— Então talvez eu nunca tenha sido Luna. Talvez eu seja apenas o rastro de um passado roubado.
— Não. — Enzo se aproximou mais. — Você é quem decide quem quer ser. O sangue pode dizer de onde você veio, mas não define quem você vai ser.
Ela ficou em silêncio. Então perguntou, com a voz quase trêmula:
— Quem é você, Enzo?
Ele demorou a responder.
— Um homem que deveria ser seu inimigo. — disse, por fim. — Mas que não consegue deixar de olhar pra você como se tudo o que acreditava tivesse mudado.
— Você sabia?
— Suspeitava. Mas... cada vez que se sentava diante de mim, cada vez que sorria, eu me esquecia do porquê havia começado tudo isso.
Ela respirou fundo.
— E por que começou?
Ele não respondeu. Não podia. Não ainda.
Em vez disso, aproximou-se mais, quase encostando o rosto no dela.
— Você me desarma. E isso me assusta mais do que qualquer arma que já empunhei.
Luna fechou os olhos por um instante.
— Então estamos os dois com medo. Porque você também me faz querer descobrir quem eu era... e esquecer ao mesmo tempo.
Enzo tocou de leve o rosto dela, como se temesse que qualquer gesto mais brusco a quebrasse.
— Me promete uma coisa. — disse ele.
— O quê?
— Que, quando a verdade vier... você não vai me odiar por completo.
Ela ficou em silêncio, mas os olhos dela disseram mais do que palavras. Uma promessa silenciosa de que talvez... só talvez... houvesse espaço para perdão entre as ruínas de seus passados.
Do lado de fora, Marco observava a cena através da câmera de segurança do corredor. Seu rosto estava sombrio. Pegou o telefone e ligou para alguém.
— Está acontecendo. Ele se envolveu. A garota é mesmo a herdeira. Temos um problema!
A voz do outro lado respondeu algo que o fez suspirar com raiva.
— Sim. Vou cuidar disso.
Mas Marco sabia... aquilo não acabaria com ordens frias. Estavam lidando com algo que nem o sangue nem o poder conseguiam controlar: a paixão
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Atualizado até capítulo 46
Comments
Kelly Sartorio
lindos
2025-04-30
0
Guillotine
Maravilhoso! ❤️
2025-04-24
1