Algumas semanas passaram-se, Luna criou mais intimidade com os colegas de trabalho e os sonhos estavam cada vez mais nítidos
O relógio marcava pouco mais de sete da noite quando Luna entrou no restaurante. A cada passo que dava sobre o piso de mármore polido, sentia o coração acelerar como se estivesse algo que ainda não compreendia. O ambiente do Valente estava mais tenso do que de costume naquela noite. Gianni parecia nervoso, os garçons estavam agitados, e até o aroma da cozinha, geralmente acolhedor, parecia carregado de uma tensão invisível.
— Luna — chamou Gianni, aproximando-se com a prancheta. — Troque o colete. O senhor Valente quer você na mesa particular dele hoje.
— Eu? Sozinha?
— Sim. Apenas você. Ele pediu. — Gianni abaixou o tom. — Seja cuidadosa. Quando ele fala pouco, é quando está mais perigoso... ou mais interessado.
Ela franziu o cenho, sem saber o que aquilo queria dizer. Mas assentiu e foi até o vestiário. Enquanto ajeitava o colete novo no espelho, algo dentro dela sussurrava que aquela noite mudaria tudo.
A mesa estava posicionada em um canto reservado, perto da parede de pedra, com vista para o jardim interno iluminado por tochas. Enzo já estava lá, sentado com a postura relaxada demais para alguém sempre tão rígido. Usava um terno cinza escuro sem gravata, e a luz quente realçava os traços do rosto sério. Ele girava uma taça de vinho com uma mão, pensativo.
— Boa noite, senhor Valente. — Luna se aproximou, a bandeja firme nas mãos.
— Boa noite, Luna. Sente-se.
Ela piscou, confusa.
— Eu? Sentar?
— É um jantar. E eu não gosto de comer sozinho.
Ela hesitou. — Achei que... eu fosse servir, não acompanhar o senhor no jantar fazendo companhia.
— Faça as duas coisas hoje. — ele ergueu uma sobrancelha. — A comida já está vindo.
Ela se sentou, ainda sem saber o que estava acontecendo. Nunca um funcionário sentava à mesa com o chefe. Muito menos com aquele chefe.
— Como foi seu dia? — ele perguntou, casualmente.
— Trabalhei. E... pensei. Um pouco demais, talvez.
— Sobre?
— Sobre mim. — Luna deu de ombros. — Sobre o que eu sou... ou deixei de ser.
Enzo a observou com atenção.
— Você sempre teve essa inquietação?
Ela assentiu. — Desde criança. Sempre achei que não pertencia aos lugares onde estive.
— E se descobrisse que pertence a um lugar que foi tirado de você?
Ela o olhou nos olhos. — Eu... não sei o que faria.
O prato principal chegou: massa fresca com trufas negras e filé ao molho de vinho. Luna observou o prato, surpresa. Não era o tipo de refeição comum para uma garçonete.
— Isso está além da minha posição nesse restaurante, é melhor eu ir senhor. — disse ela, com meio sorrindo se levantando.
— Você é uma exceção. — Enzo respondeu, calmo. — Não percebe?
Ela mordeu o lábio inferior, desconfiada.
— E por que sou uma exceção, exatamente?
Ele a encarou por um momento longo demais. Então disse:
— Porque tem olhos que carregam verdades que ainda não foram ditas.
Ela desviou o olhar, sem saber como reagir. Havia algo naquele homem que a atraía e a assustava na mesma medida. Ele era um enigma — elegante, perigoso, e... inexplicavelmente gentil com ela.
— Você sempre fala assim? — ela perguntou. — Como se cada palavra fosse um teste?
Ele riu de leve.
— Só com pessoas que não são o que aparentam ser.
Ela ficou em silêncio, absorvendo aquilo.
— Às vezes, eu me pergunto quem eu seria se tivesse crescido em outro lugar — confessou ela. — Se tivesse tido uma família.
— Você não lembra de nada?
Ela balançou a cabeça. — Algumas imagens soltas. Gritos. Uma voz masculina. O som de uma porta batendo. E uma mansão... grande. Mas não sei se é real ou só minha imaginação tentando preencher os buracos.
Enzo conteve a expressão. O que ela descrevia... era exatamente como nos relatos do sequestro de Aurora Marcelli. A mansão, a noite em que sumiu, os gritos.
— Talvez sejam lembranças reais — disse ele, em voz baixa.
— Você diz isso como se soubesse mais do que eu.
— Digamos que... conheço muitas histórias. E algumas delas cruzam o nosso caminho quando menos esperamos.
A tensão entre eles se tornava quase palpável. O silêncio não era desconfortável, mas cheio de perguntas não ditas.
— Senhor Valente — disse ela, por fim —, por que está me tratando assim?
— Assim como?
— Como se me conhecesse. Como se... importasse.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos.
— Talvez porque, de certa forma, eu te conheça. E talvez... porque me importe, sim.
Luna o olhou, surpresa. Aquela era a confissão mais direta que já ouvira dele. E, de algum modo, aquilo mexeu com algo dentro dela. Algo que ela não sabia que estava adormecido.
— Isso não é certo. — murmurou ela.
— Não. — ele concordou. — Não é mesmo.
Mais tarde, Luna estava de volta ao apartamento, o coração ainda acelerado. O jantar não havia sido apenas uma refeição. Havia sido o início de algo — uma aproximação impossível entre duas verdades que não podiam coexistir.
Ela abriu o caderno azul mais uma vez. Observou o desenho da mansão, o brasão. O traço era infantil, mas o símbolo... agora que o olhava com atenção, parecia um emblema real. Sentia que já o vira antes. Mas onde?
Enquanto isso, Enzo estava em seu escritório, encarando a mesma imagem. O brasão da família Marcelli. A imagem que o pai lhe mostrara quando fez o juramento: encontrar a herdeira e eliminá-la. Tomar o império para si.
Mas agora... se ela fosse mesmo a garota, tudo havia mudado.
Porque ele não podia negar o que sentia quando a olhava. A curiosidade havia virado atração. A atração, uma obsessão silenciosa.
E a obsessão... estava se transformando em algo mais perigoso.
Algo que ele prometeu nunca sentir.
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Atualizado até capítulo 46
Comments
Kelly Sartorio
está apaixonando por ela
2025-04-30
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