Capítulo 3

Algumas semanas passaram-se, Luna criou mais intimidade com os colegas de trabalho e os sonhos estavam cada vez mais nítidos

O relógio marcava pouco mais de sete da noite quando Luna entrou no restaurante. A cada passo que dava sobre o piso de mármore polido, sentia o coração acelerar como se estivesse algo que ainda não compreendia. O ambiente do Valente estava mais tenso do que de costume naquela noite. Gianni parecia nervoso, os garçons estavam agitados, e até o aroma da cozinha, geralmente acolhedor, parecia carregado de uma tensão invisível.

— Luna — chamou Gianni, aproximando-se com a prancheta. — Troque o colete. O senhor Valente quer você na mesa particular dele hoje.

— Eu? Sozinha?

— Sim. Apenas você. Ele pediu. — Gianni abaixou o tom. — Seja cuidadosa. Quando ele fala pouco, é quando está mais perigoso... ou mais interessado.

Ela franziu o cenho, sem saber o que aquilo queria dizer. Mas assentiu e foi até o vestiário. Enquanto ajeitava o colete novo no espelho, algo dentro dela sussurrava que aquela noite mudaria tudo.

 

A mesa estava posicionada em um canto reservado, perto da parede de pedra, com vista para o jardim interno iluminado por tochas. Enzo já estava lá, sentado com a postura relaxada demais para alguém sempre tão rígido. Usava um terno cinza escuro sem gravata, e a luz quente realçava os traços do rosto sério. Ele girava uma taça de vinho com uma mão, pensativo.

— Boa noite, senhor Valente. — Luna se aproximou, a bandeja firme nas mãos.

— Boa noite, Luna. Sente-se.

Ela piscou, confusa.

— Eu? Sentar?

— É um jantar. E eu não gosto de comer sozinho.

Ela hesitou. — Achei que... eu fosse servir, não acompanhar o senhor no jantar fazendo companhia.

— Faça as duas coisas hoje. — ele ergueu uma sobrancelha. — A comida já está vindo.

Ela se sentou, ainda sem saber o que estava acontecendo. Nunca um funcionário sentava à mesa com o chefe. Muito menos com aquele chefe.

— Como foi seu dia? — ele perguntou, casualmente.

— Trabalhei. E... pensei. Um pouco demais, talvez.

— Sobre?

— Sobre mim. — Luna deu de ombros. — Sobre o que eu sou... ou deixei de ser.

Enzo a observou com atenção.

— Você sempre teve essa inquietação?

Ela assentiu. — Desde criança. Sempre achei que não pertencia aos lugares onde estive.

— E se descobrisse que pertence a um lugar que foi tirado de você?

Ela o olhou nos olhos. — Eu... não sei o que faria.

O prato principal chegou: massa fresca com trufas negras e filé ao molho de vinho. Luna observou o prato, surpresa. Não era o tipo de refeição comum para uma garçonete.

— Isso está além da minha posição nesse restaurante, é melhor eu ir senhor. — disse ela, com meio sorrindo se levantando.

— Você é uma exceção. — Enzo respondeu, calmo. — Não percebe?

Ela mordeu o lábio inferior, desconfiada.

— E por que sou uma exceção, exatamente?

Ele a encarou por um momento longo demais. Então disse:

— Porque tem olhos que carregam verdades que ainda não foram ditas.

Ela desviou o olhar, sem saber como reagir. Havia algo naquele homem que a atraía e a assustava na mesma medida. Ele era um enigma — elegante, perigoso, e... inexplicavelmente gentil com ela.

— Você sempre fala assim? — ela perguntou. — Como se cada palavra fosse um teste?

Ele riu de leve.

— Só com pessoas que não são o que aparentam ser.

Ela ficou em silêncio, absorvendo aquilo.

— Às vezes, eu me pergunto quem eu seria se tivesse crescido em outro lugar — confessou ela. — Se tivesse tido uma família.

— Você não lembra de nada?

Ela balançou a cabeça. — Algumas imagens soltas. Gritos. Uma voz masculina. O som de uma porta batendo. E uma mansão... grande. Mas não sei se é real ou só minha imaginação tentando preencher os buracos.

Enzo conteve a expressão. O que ela descrevia... era exatamente como nos relatos do sequestro de Aurora Marcelli. A mansão, a noite em que sumiu, os gritos.

— Talvez sejam lembranças reais — disse ele, em voz baixa.

— Você diz isso como se soubesse mais do que eu.

— Digamos que... conheço muitas histórias. E algumas delas cruzam o nosso caminho quando menos esperamos.

A tensão entre eles se tornava quase palpável. O silêncio não era desconfortável, mas cheio de perguntas não ditas.

— Senhor Valente — disse ela, por fim —, por que está me tratando assim?

— Assim como?

— Como se me conhecesse. Como se... importasse.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos.

— Talvez porque, de certa forma, eu te conheça. E talvez... porque me importe, sim.

Luna o olhou, surpresa. Aquela era a confissão mais direta que já ouvira dele. E, de algum modo, aquilo mexeu com algo dentro dela. Algo que ela não sabia que estava adormecido.

— Isso não é certo. — murmurou ela.

— Não. — ele concordou. — Não é mesmo.

 

Mais tarde, Luna estava de volta ao apartamento, o coração ainda acelerado. O jantar não havia sido apenas uma refeição. Havia sido o início de algo — uma aproximação impossível entre duas verdades que não podiam coexistir.

Ela abriu o caderno azul mais uma vez. Observou o desenho da mansão, o brasão. O traço era infantil, mas o símbolo... agora que o olhava com atenção, parecia um emblema real. Sentia que já o vira antes. Mas onde?

Enquanto isso, Enzo estava em seu escritório, encarando a mesma imagem. O brasão da família Marcelli. A imagem que o pai lhe mostrara quando fez o juramento: encontrar a herdeira e eliminá-la. Tomar o império para si.

Mas agora... se ela fosse mesmo a garota, tudo havia mudado.

Porque ele não podia negar o que sentia quando a olhava. A curiosidade havia virado atração. A atração, uma obsessão silenciosa.

E a obsessão... estava se transformando em algo mais perigoso.

Algo que ele prometeu nunca sentir.

 

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Kelly Sartorio

Kelly Sartorio

está apaixonando por ela

2025-04-30

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