Capítulo 2

A porta se fechou atrás de mim com um clique suave, mas o som ecoou na minha mente como um disparo. Sozinha de novo no corredor, com o crachá recém-impresso pendurado no pescoço e o nome “Letícia Duarte” cintilando sob a luz artificial, senti minha pele formigar. Como se algo tivesse sido despertado. Como se aquela troca de olhares tivesse me marcado de um jeito que eu não sabia nomear.

Voltei à antessala, tentando organizar meus pensamentos — e minha respiração. A recepcionista me lançou um olhar curioso, mas educadamente indiferente, como quem já tinha visto muita gente entrar com olhos brilhando e sair quebrada.

Mas eu não era “muita gente”.

Nos dias seguintes, mergulhei na rotina como quem entra em campo de batalha. Luiz Ricardo era exigente, meticuloso, imprevisível. Ele gostava de horários cumpridos ao segundo, reuniões secretas organizadas com precisão cirúrgica, cafés fortes e anotações detalhadas. E, o mais curioso: ele testava. Cada vez que eu entregava algo, ele perguntava “tem certeza?” ou “é isso mesmo que você acha?”. Como se quisesse ver até onde eu aguentava sem hesitar.

E eu? Eu aguentava. Às vezes mordia o lábio até quase sangrar, mas aguentava.

O que me desconcertava não era o trabalho — era ele.

A maneira como, em meio a uma conferência por vídeo, ele deixava os olhos escorregarem até mim por meio segundo. A forma como sua voz ganhava uma nota mais baixa quando dizia meu nome. Como, numa sexta-feira qualquer, passou por mim no corredor e deixou sua mão tocar levemente a minha. Rápido demais pra ser visto. Lento o suficiente pra me incendiar.

Luiz Ricardo era uma tempestade silenciosa. E eu estava dançando na beira do raio.

Naquela quinta-feira, tudo mudou.

Eu estava organizando os contratos no final do expediente, o escritório quase vazio, quando ele apareceu na porta da minha salinha. Sem terno. Camisa com dois botões abertos. Manga dobrada. Olhar carregado.

— Venha até minha sala — disse simplesmente.

Engoli seco e segui atrás dele. A tensão era palpável, mas eu me recusei a abaixar a guarda.

— Algum problema com o contrato da Amstel? — perguntei ao entrar.

Ele se virou, encostando-se na mesa. Seus braços cruzados. Sua expressão impassível, mas os olhos… ah, os olhos diziam outra coisa.

— Não. Você fez tudo certo.

Fiquei de pé, imóvel, tentando entender por que eu estava ali, então.

— Achei que queria discutir algo — falei, mantendo o tom neutro.

Ele me olhou. De verdade. De um jeito que atravessava a pele.

— Quero — disse. — Você.

O ar sumiu dos meus pulmões.

O silêncio explodiu entre nós como um trovão abafado. Tentei me recompor, abrir a boca, dizer alguma coisa sarcástica, forte, que mostrasse que eu não era só mais uma garota deslumbrada.

Mas ele deu um passo na minha direção. E depois outro.

— Eu não costumo misturar as coisas. Você sabe disso. Eu sou... racional.

— E o que mudou? — perguntei, com a voz firme, embora meu coração estivesse martelando no peito.

— Você — ele respondeu. Simples assim.

A respiração presa nos meus pulmões escapou com força. Ele estava perto agora. Perto o suficiente para eu sentir o cheiro amadeirado do perfume caro que ele usava. Perto o suficiente para o ar entre nós carregar eletricidade.

— Você me provoca — ele continuou, a voz baixa. — Com esse jeito de falar, de andar. Com essa coragem inconsciente que parece querer me desafiar o tempo todo. Você está me enlouquecendo, Letícia.

— E se eu disser que não tenho medo? — desafiei, encarando-o de frente.

Ele sorriu. Um sorriso lento, quase perigoso.

— Então o problema é meu — murmurou.

Mas antes que qualquer um de nós fizesse algo que quebrasse todas as regras da empresa — e da razão —, ele deu um passo atrás. Seus olhos ainda nos meus. O controle voltando aos poucos para aquele rosto de pedra.

— Mas isso aqui — disse, apontando entre nós — não pode acontecer aqui dentro.

— Por que não? — perguntei, sem piscar.

Ele virou-se, apoiando as mãos na mesa, como se estivesse controlando um impulso.

— Porque se eu começar… não vou conseguir parar.

Saí da sala com as pernas bambas, mas com a cabeça erguida. Não era uma vitória. Não ainda. Era um empate perigoso.

Mas eu sabia de uma coisa: o jogo estava longe de terminar.

E se ele achava que podia resistir, estava subestimando a força do próprio desejo

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Amélia Rabelo

Amélia Rabelo

oh comédia

2025-04-24

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