O dia seguinte amanheceu mais cinza do que o normal, com nuvens pesadas cobrindo São Paulo como um cobertor maldoso. A cidade parecia conter a respiração — e eu também.
Entrei no prédio às sete e meia da manhã, como de costume, e segui direto para o último andar. Já sabia o caminho de olhos fechados: elevador 3, botão 28, virar à esquerda, passar pela recepção gelada, cruzar a porta de vidro com a logo metálica “LR S/A”.
A diferença? Meu coração estava batendo no pescoço.
Luiz Ricardo não disse mais nenhuma palavra depois daquela noite. Nem uma mensagem. Nem um bilhete. Mas também não precisava.
O silêncio dele dizia tudo. E pior: deixava espaço demais para a minha imaginação.
A recepcionista me cumprimentou com um “bom dia” arrastado, enquanto mastigava alguma coisa crocante atrás do computador. Eu apenas acenei, indo direto para minha salinha ao lado do escritório dele. Sentei, abri o notebook e fingi concentração.
Mas então ouvi. A voz dele.
— Letícia.
Virei automaticamente. Ele estava parado à porta, com a mesma postura calma e olhos de quem sabe exatamente o que está fazendo com você.
— Pode vir aqui um instante?
Levantei com o coração já acelerado. Entrei na sala dele — ampla, silenciosa, com as paredes de vidro refletindo o cinza do céu. O aroma amadeirado que eu já associava a ele estava mais forte hoje. Ou talvez eu estivesse mais sensível.
Ele estava de pé, próximo à janela, com uma xícara de café na mão e as mangas da camisa dobradas com perfeição. Não era justo alguém ser assim. Meticuloso até na casualidade.
— A reunião com o grupo Vinhedo foi antecipada. Preciso que prepare a nova apresentação com as alterações da proposta de investimento — disse, sem me olhar.
— Entendido. Você quer que eu insira os dados de projeção da última semana?
— Sim. E traga aqui quando terminar. Mas antes... — Ele se virou, e por um segundo, o tempo parou. — Sente-se.
Engoli em seco. Havia duas cadeiras diante da mesa dele, mas ele apontou para o sofá de couro escuro, próximo à prateleira com livros de capa dura e vinhos envelhecidos. Eu hesitei por um segundo, depois fui.
Ele se aproximou devagar, sentando-se na outra extremidade do sofá. Largou a xícara sobre a mesa de centro. Estávamos a menos de um metro um do outro. Distância suficiente para o calor aumentar.
— Ontem eu fui longe demais — ele disse, finalmente.
— Foi sincero — rebati.
— Sinceridade não justifica tudo.
Cruzei as pernas, mantendo a postura ereta. Olhei para ele, desafiando.
— Está arrependido?
Ele me estudou por um instante longo demais.
— Estou tentando me manter no controle — respondeu, com honestidade crua.
— E está conseguindo?
Ele riu, um som baixo, quase perigoso. Depois inclinou o corpo levemente para frente, os cotovelos nos joelhos, os olhos fixos nos meus.
— Você não é como as outras. Não age como elas, não fala como elas. Você desafia. E eu... eu odeio perder o controle, Letícia.
— Talvez você precise aprender a perder — falei, a voz mais baixa agora.
Silêncio.
O ar entre nós parecia vibrar.
Ele se aproximou mais um centímetro. Só um. Mas foi o suficiente para meu corpo inteiro reagir. Sua mão roçou levemente o encosto do sofá, como se estivesse considerando me tocar.
— Se eu te beijar agora... você vai fugir?
— Não.
Outro silêncio. Mais denso.
Ele se inclinou mais um pouco. O rosto agora a centímetros do meu. Eu podia sentir a respiração dele. O calor. A tensão. Minha pele queimava.
— E se eu não parar?
— Então você vai cruzar uma linha — sussurrei.
— E você?
— Eu já cruzei faz tempo.
Foi então que aconteceu.
O beijo não veio como nos filmes — lento, poético. Não. Ele veio como uma explosão silenciosa, como um segredo rasgado entre dois corpos que não aguentavam mais manter distância.
Ele me puxou pela nuca, e nossos lábios se encontraram com fome. Fome acumulada. Fome proibida. Minhas mãos foram parar nos ombros dele, depois em seu peito, sentindo o calor que transbordava pela camisa. A língua dele deslizou contra a minha com precisão. Ele sabia exatamente o que fazer. Como dominar sem sufocar. Como incendiar sem pressa.
Quando nos afastamos, ambos sem fôlego, os olhos dele estavam diferentes. Escuros. Selvagens.
— Isso não devia ter acontecido — murmurou.
— Mas aconteceu.
Ele se levantou, andou até a janela, virou-se de costas. Eu ainda sentia o gosto dele nos lábios.
— A partir de agora, tudo muda, Letícia. Não tem mais volta.
— Eu nunca quis volta.
Ele se virou de novo, os olhos mais intensos do que nunca.
— Então que Deus nos ajude.
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Atualizado até capítulo 26
Comments
Arilene Vicente
Agora vai ficar boa a história 😊
2025-05-03
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Amélia Rabelo
eita que a história é boa
2025-04-24
0
Taly🌻
Amando❤️
2025-04-27
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