Capítulo 4 - A Trégua das Folhas

Capítulo 4 — A Trégua das Folhas

— Lioren, isso é uma armadilha? — Kael perguntou, encarando as folhas verdes, enroladas em pequenos pacotinhos sobre a mesa.

— Não — respondeu o elfo, pacientemente. — São embrulhos de cura. Aprendi com um druida de Iveran. Você vai ajudar a distribuir.

Kael ergueu uma sobrancelha. — Ajudar?

— Sim. Preciso levar esses até a clareira das raposas. Algumas criaturas se feriram na tempestade de ontem. Achei que você gostaria de sair do quarto hoje sem parecer um prisioneiro.

— Você é péssimo em dar ordens, sabia?

— Ótimo, porque não sou seu comandante. — Lioren sorriu e lhe entregou uma cesta. — Mas ainda assim, pegue.

Kael segurou o objeto como se fosse explodir.

— Tá... E se alguma dessas criaturas resolver me devorar?

— Não vão. Elas me conhecem. E você está comigo.

— Isso não me conforta.

— Finge que conforta.

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O caminho até a clareira era tranquilo, mas os olhos de Kael não paravam. Observava tudo — as folhas que se fechavam quando ele passava, os cristais naturais encrustados em troncos, a maneira como a luz filtrava entre os galhos.

— Essa floresta tem alma — ele comentou, após minutos em silêncio.

— Tem mesmo — respondeu Lioren. — E ela escuta tudo.

— Ela te contou algo sobre mim?

Lioren olhou para ele de lado, sorrindo de leve.

— Ela disse que você precisa parar de fingir que é pedra.

Kael bufou. — Essa floresta é intrometida.

Quando chegaram à clareira, o silêncio se quebrou por pequenos guinchos. Três raposas brancas, com olhos dourados e caudas brilhantes, se aproximaram. Uma delas mancava.

Kael parou no mesmo instante.

— Isso... isso não são raposas normais.

— São espirituais. Criaturas da antiga magia. — Lioren se ajoelhou com a cesta. — Venham, meninas.

As raposas se aproximaram com cuidado, farejando o ar. A menor pulou no colo de Lioren e começou a lamber sua mão. A ferida na pata já estava escura, infeccionada.

— Você vai aplicar isso — disse Lioren, entregando um dos embrulhos a Kael.

— Eu? Elas vão me morder.

— Confie em mim.

Kael hesitou. Se ajoelhou devagar, estendendo o embrulho como Lioren mostrava. A raposa mancando se aproximou. Farejou a mão dele... e se aninhou ao lado de sua perna.

Kael paralisou.

— Ela encostou em mim...

— Sim. Ela gostou de você.

— Criaturas mágicas não deviam gostar de híbridos amaldiçoados.

— Talvez você não seja uma maldição.

Kael não respondeu. Limpou a ferida da raposa com os dedos firmes. Os olhos da criatura se fecharam, em paz.

Lioren observava tudo em silêncio.

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Horas depois, os dois voltaram para casa com a cesta vazia.

Kael caminhava mais devagar.

— Por que confia tanto em mim, Lioren?

— Porque eu escuto além do que você diz.

— Isso não é resposta.

— É a melhor que posso dar.

Kael chutou uma pedra no caminho.

— Se eu dissesse que fui treinado pra matar elfos?

— Eu acreditaria.

— E ainda assim me deixaria dormir na sua casa?

— Sim.

Kael parou. Virou-se para ele.

— Por quê?

— Porque você não matou. E porque quem aprende também pode desaprender.

— Você é um idealista.

— E você é um sobrevivente. Eu acredito nos dois.

Kael baixou os olhos. Algo dentro dele estava se mexendo, e não era só o desconforto físico.

— Você devia tomar mais cuidado. Confiar assim é perigoso.

— Talvez. Mas hoje... valeu a pena.

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Naquela noite, Kael sentou-se do lado de fora, perto do pequeno lago ao lado da casa. Lioren trouxe chá.

— Já vi guerras acontecerem por bem menos do que o que estamos fazendo — Kael murmurou.

— A cura começa pequena. Com escolhas. Com paciência.

— Eu não sou paciente.

— Por isso estamos aprendendo juntos.

Kael bebeu o chá em silêncio. Depois de um tempo, falou:

— Eu vi uma criança elfa ser queimada viva quando era pequeno. Os humanos chamaram aquilo de purificação.

Lioren fechou os olhos.

— E eu vi uma vila humana inteira ser envenenada por vampiros. Disseram que era justiça.

— Então me diz... o que resta pra gente?

— A escolha de quebrar o ciclo.

Kael o olhou, com um peso cansado nos olhos.

— E se eu falhar?

— Então tentamos de novo. Mas você não vai tentar sozinho.

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Antes de dormir, Lioren escreveu:

"Hoje, ele fez uma criatura mágica confiar nele. E contou uma verdade que sangra. Talvez... talvez haja esperança nos espaços entre o que somos e o que podemos ser."

— L.

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