Ecos de um desejo

O silêncio preenchia o quarto como uma névoa densa. A luz fraca do abajur desenhava sombras no rosto de William Colcci, que encarava Bianca como se não a visse de verdade. Ela sorria, tentando se aproximar, buscando nele algo que talvez nunca existira para ela.

William não dizia nada.

Dentro dele, um nome ecoava, constante, inevitável: Sally.

Bianca deslizou os dedos por seu pescoço, subindo até seu rosto. Seus olhos imploravam por atenção, por validação. Mas William estava em outro lugar — em outro tempo.

O toque de Bianca era morno. O de Sally, quando ele ainda podia senti-lo, queimava.

Bianca se aproximou, e William a beijou. Seus lábios se encontraram, mas o beijo foi vazio, sem destino. Ele fechou os olhos — não para sentir Bianca, mas para vê-la. Ela. Sally. O grande amor que o mundo havia arrancado de seus braços.

Enquanto beijava Bianca, era o perfume de Sally que ele sentia. Enquanto Bianca o tocava, era Sally que ele desejava. Cada segundo era uma mentira bem ensaiada, uma encenação para fugir do vazio.

Naquele momento, Bianca era só um corpo, um disfarce. Uma sombra usada para enganar a dor.

Mas Sally... Sally era tudo.

Quando o beijo terminou, William abriu os olhos lentamente. Bianca sorria, inocente, sem saber que aquele momento não era dela. Ele não teve coragem de dizer a verdade — que o coração dele já não pertencia ao presente.

Pertencia à ausência.

 

Ele tomou o rosto de Bianca entre as mãos, os dedos frios em contraste com o calor da pele dela. Ela fechou os olhos, entregue, achando que havia ali verdade. Mas William não via Bianca — via Sally. A lembrança era tão viva que por um instante ele acreditou que, se se entregasse à fantasia, poderia trazê-la de volta.

Ele a beijou de novo, mais profundo, mais demorado. Não por desejo por Bianca, mas pela urgência de sentir, ainda que em ilusão, aquilo que havia perdido. Suas mãos deslizavam pelos contornos dela, mas em sua mente, era o corpo de Sally que ele tocava — o riso de Sally que ecoava, a alma de Sally que respondia.

Era uma mentira, e ele sabia.

Cada gesto, cada carícia, era uma tentativa de alcançar o inalcançável. E quanto mais se entregava à fantasia, mais distante Sally parecia. Como areia escorrendo pelos dedos, quanto mais ele tentava segurá-la, mais ela desaparecia.

Quando seus olhos se abriram, a realidade voltou como uma lâmina: Bianca, ofegante, sorria de um jeito que Sally nunca sorriu.

Ele recuou. A culpa pesou no peito.

Bianca não era Sally. Nunca seria. E tudo o que ele tinha feito… era apenas fugir do que jamais conseguiria recuperar.

 

William deixou que o beijo continuasse enquanto suas pernas o guiavam, quase sem consciência, até a borda da cama. Ele e Bianca caíram sobre os lençóis, entrelaçados, mas seu coração permanecia distante — sempre com Sally.

Ele não se separou do beijo, mas dentro dele algo se partia. Cada toque era um engano. Cada segundo prolongado naquele momento era um mergulho mais profundo na ilusão. A imagem de Sally dançava em sua mente como um sonho impossível de apagar. Era ela que ele via. Era ela que ele chamava em silêncio.

Bianca suspirava, entregue, sem saber que seu corpo era apenas uma tela onde William projetava o que perdeu. E isso o esmagava por dentro. Era injusto. Era cruel. Mas era real.

Naquele quarto, entre os lençóis e os enganos, William Colcci não fazia amor. Ele fugia — de si mesmo, da culpa, e do vazio que Sally havia deixado.

 

O toque do telefone cortou o quarto como uma sirene na madrugada. William congelou, os lábios ainda nos de Bianca, mas o momento havia sido destruído. O calor do corpo dela, o peso do passado, tudo se dissipou diante daquele som insistente.

Ele se afastou lentamente, o peito subindo e descendo com uma ansiedade súbita. Pegou o celular. Na tela: Ana Júlia.

O nome trouxe um calafrio que nem mesmo o quarto abafado conseguiu conter.

Atendeu.

— Alô?

A voz dela veio direta, fria como aço:

— William. Você precisa ir ao Departamento de Polícia. Ainda hoje.

Ele ficou em silêncio por um instante, engolindo em seco.

— Agora?

— Sim — disse ela, sem hesitação. — Dominik vai estar presente na sala de interrogatório.

O nome soou como um veredito. Dominik não se envolvia em qualquer caso — só nos que importavam. E, se ele estaria lá... William sabia o que isso significava.

Ana Júlia fez uma pausa, então soltou a sentença:

— Eles acham que você tem ligação com o assassinato do chefe de polícia. Com o Jack.

O mundo girou. O quarto parecia se fechar ao redor. Bianca o observava da cama, ainda tentando entender o que estava acontecendo. Mas para William, tudo se tornava cristalino: os olhares estranhos, os sussurros, os passos calculados.

Estavam atrás dele.

E talvez… eles tivessem razão para isso.

 

William permaneceu parado com o telefone ainda colado ao ouvido, mesmo após a ligação já ter terminado. A respiração pesada, os olhos fixos em nada. A voz de Ana Júlia ainda ecoava dentro de sua cabeça, mas ele já estava longe dali — mergulhado em pensamentos sombrios e secretos.

Murmurou para si mesmo, como se confessasse a uma sombra:

— O que eu não faço por você, Sally...

O nome saiu com uma reverência doentia, carregado de amor e possessão. Ele passou a mão pelo rosto, tentando conter o turbilhão que fervia por dentro. Caminhou até a janela, encarando a cidade como se ela fosse sua inimiga.

— Jack... — sussurrou. — Não foi só por meu pai. Não só por obediência. Foi por você.

Fechou os olhos por um instante.

— Ele queria se aproximar. De você. Tentando proteger... ou se envolver. Não importa. Eu não podia permitir isso. Nunca.

Um sorriso seco, quase amargo, surgiu em seus lábios.

— E Dominik... ele também anda demais ao seu redor. Olhares demais. Curiosidade demais. Ele não sabe ainda, mas está entrando onde não deve.

Seu tom ficou mais baixo, mais denso.

— Você é minha, Sally. Mesmo que você não saiba. Sempre foi.

Do outro lado do quarto, Bianca observava em silêncio, enrolada nos lençóis, sem entender a transformação no olhar dele — agora sombrio, distante, perigoso.

William sabia que a ida ao departamento de polícia seria um jogo de sobrevivência. Mas uma coisa era certa: ele protegeria a lembrança de Sally a qualquer custo. Mesmo que o custo fosse mais sangue.

Naquela manhã silenciosa, a campainha soou com uma urgência incomum, e ao abrir a porta, lá estava ela: a intimação oficial para depor no centro policial — exatamente como Ana Júlia havia me avisado que aconteceria. Respirei fundo, ciente de que cada passo a partir dali teria que ser calculado. Liguei imediatamente para meu advogado, repassando os detalhes e reforçando nosso plano. Meu álibi estava perfeitamente montado: no exato momento em que o "pobre Jack" fora assassinado, eu estaria, supostamente, em estado de choque, reconhecendo o “cadáver de meu pai” no necrotério. Para isso, paguei generosamente alguns médicos legistas, garantindo que todos os registros oficiais e testemunhos sustentassem essa versão convincente.

Com tudo pronto e o plano em pleno funcionamento, segui rumo à delegacia com a cabeça erguida, embora cada passo ecoasse como um tambor no meu peito. Ao chegar, avistei Domínik encostado na parede do saguão, os braços cruzados e um olhar indecifrável, ao lado de um homem que eu não conhecia — alto, de feições duras, provavelmente um investigador designado para o caso. Fui recebido com formalidade, como alguém que eles já esperavam com grande interesse. Meu advogado caminhava ao meu lado, com a pasta firme nas mãos e a confiança de quem sabia exatamente o que fazer. Eu apenas respirei fundo e segui adiante, pronto para sustentar até o fim a história que havíamos construído.

Enquanto o interrogatório prosseguia, as perguntas tornavam-se cada vez mais específicas, tentando expor contradições ou brechas no meu depoimento. Mas eu mantinha a calma, cada resposta calculada e perfeitamente alinhada com o álibi fabricado. Quando colocaram as fotos de Jack sobre a mesa — uma tirada em algum momento alegre da vida, a outra revelando a brutalidade de sua morte —, deixei o impacto tomar meu rosto, estremeci, afastei o olhar e murmurei com a voz falha que aquilo era mais do que eu podia suportar. O tenente Dimitri, agora também presente, postou-se ao lado de Domínik, ambos em silêncio, analisando não apenas o que eu dizia, mas cada respiração, cada batida de pálpebras, cada inflexão da minha voz. Eu os sentia me dissecando com os olhos, tentando decifrar se aquele pavor era real ou apenas uma encenação. Mal sabiam eles que eu era treinado para isso — para mentir com a alma, para chorar sem dor, para ser convincente até quando o sangue não era meu.

Domínik entrou na sala como uma tempestade, os passos firmes denunciando a fúria contida, e sem cerimônia atirou uma pasta espessa sobre a mesa diante de mim. Ela se abriu com o impacto, revelando dezenas de documentos, fotos e relatórios. “Mais de cem assassinatos, todos com alguma ligação a você,” disse ele, os olhos cravados nos meus, exigindo respostas. Fingindo indignação, respirei fundo e neguei com convicção: “Isso é um absurdo. Eu sou inocente.” Por dentro, porém, um frio prazer percorreu minha espinha — Domínik mal arranhara a superfície. Aqueles cem nomes eram apenas uma fração dos rostos que realmente tinham caído sob minhas mãos.

Mantive a expressão firme, os olhos ligeiramente arregalados como se estivesse chocado com tamanha acusação, a voz serena e o tom quase ofendido. “Você está me acusando sem provas concretas, Domínik. Isso tudo é uma armadilha,” declarei, sustentando o olhar dele sem vacilar. Ele se inclinou para frente, o rosto rubro de raiva, as veias do pescoço saltadas, e começou a lançar novas acusações, apontando cada evidência como se fossem facas. Mas eu permaneci imóvel, quase sereno. Por dentro, porém, ria. Ria da raiva cega de Domínik, da confiança dele naquelas provas frágeis, ria porque, no fim, eu sempre ganhava. Era uma regra não dita do jogo — e esse jogo era meu.

Domínik folheou a pasta com pressa, puxando uma foto marcada por anotações e datas, e a jogou diante de mim. “E isso aqui? Por que partiu tão rapidamente para Hong Kong logo após o assassinato dos gêmeos M’coll? Dois garotos de dezoito anos, mortos com crueldade, e você embarca no dia seguinte?” A acusação soou como um golpe, mas mantive o semblante calmo, apenas franzindo a testa como se aquilo fosse um absurdo qualquer. Inclinei levemente a cabeça e respondi, com uma pitada de tristeza na voz: “Meu falecido pai já havia me matriculado em uma escola em Hong Kong. Era o sonho dele que eu estudasse lá. Ele queria que eu me adaptasse à cidade antes do semestre começar. Foi uma coincidência infeliz, só isso.” Internamente, no entanto, o riso crescia, silencioso e satisfeito. Mesmo com todas as peças na mesa, Domínik ainda estava jogando um jogo em que eu já conhecia o final.

Domínik estreitou os olhos, inclinando-se mais uma vez sobre a mesa, como se quisesse arrancar a verdade pela força do olhar. “Eu investiguei mais a fundo,” rosnou. “Descobri que os gêmeos M’coll te perseguiam na escola. Praticavam bullying, humilhavam você na frente de todos. E então, poucos dias depois da última briga registrada, os dois aparecem mortos. Não acha coincidência demais?” Sua voz tremia de raiva, como se já tivesse decidido que eu era culpado. Dei de ombros, mantendo o tom calmo e controlado. “Sim, eles me atormentavam… Mas isso acontece em muitas escolas, não é? Não significa que eu os matei. E francamente, Domínik, transformar vítimas de bullying em potenciais assassinos é uma narrativa perigosa.” Internamente, meu desprezo crescia. Ele achava que estava perto da verdade, mas ainda tropeçava em suposições. Eu já estava várias jogadas à frente — como sempre.

Domínik cerrou os punhos sobre a mesa, o rosto ainda mais vermelho, os olhos ardendo como brasas prestes a consumir tudo. Ele parecia à beira de explodir, o maxilar trincado, respirando pesadamente. “Você acha que pode enganar todo mundo com essa cara de santo, mas eu vou provar quem você é de verdade!” gritou, a voz transbordando frustração. Nesse momento, Dimitri — que até então observava em silêncio no canto da sala — levantou-se com firmeza. “Domínik, chega. Saia da sala. Agora. Vai se acalmar,” ordenou, a voz baixa mas cortante. Domínik se virou bruscamente, os olhos ainda fixos em mim como se me devorassem, mas obedeceu, saindo com passos duros que ecoaram no chão de cimento frio. O silêncio que se seguiu foi delicioso. Internamente, um sorriso se formava, triunfante e silencioso, mas por fora, baixei a cabeça, deixei os ombros tremerem levemente e soltei um soluço contido. “Nem mesmo consegui enterrar meu pai,” murmurei, a voz embargada. “E agora estou aqui, sendo acusado de assassinato. Isso... isso é cruel demais.”

As lágrimas começaram a escorrer ininterruptamente, um choro aparentemente incontrolável que fazia minha voz falhar a cada tentativa de responder. Meus ombros tremiam, o rosto escondido entre as mãos. Dimitri suspirou, passando a mão pelo rosto com cansaço, e se aproximou. “Tudo bem, chega por hoje,” disse em tom mais brando. “Assim que você estiver melhor, será chamado novamente para depor.” Assenti entre soluços, como se estivesse profundamente abalado, incapaz de articular qualquer palavra. Meu advogado, que até então permanecera em silêncio ao meu lado, me envolveu num abraço protetor, sussurrando palavras de conforto enquanto me conduzia para fora da sala. Assim que a porta se abriu e cruzamos o corredor, avistei Domínik, andando de um lado para o outro como um animal enjaulado, tomado pela frustração. Ao me ver, parou de súbito, os olhos cravados em mim com ódio fervente, os punhos se fechando com tanta força que os nós dos dedos empalideceram. E então, sem conter o impulso, lancei-lhe um sorriso cínico — breve, sutil, mas cruel o suficiente para alimentar ainda mais sua fúria. O jogo continuava, e eu estava vencendo.

Enquanto meu advogado me conduzia pelo corredor, senti o peso da tensão nos ombros de Domínik cravar-se no ambiente como uma lâmina suspensa. Seu olhar ardia com a promessa de não desistir, e naquele instante, enquanto sustentava seu ódio com meu sorriso cínico, percebi algo que fez meu peito vibrar de excitação contida. Domínik era diferente. Ao contrário dos outros — os fracos, os vaidosos, os cegos pela própria arrogância — ele não cairia facilmente aos meus pés. Não se deixaria enganar por aparências ou manipulações sutis. Não. Ele lutaria. Lutaria até o fim para descobrir a verdade. E isso... isso me fascinava. Pela primeira vez, eu via diante de mim um adversário à minha altura. Um caçador digno. E, no fundo, eu amava isso.

 

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Comments

Jeon Jungkook

Jeon Jungkook

que falso

2025-05-19

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