Capítulo 3: A Comunidade Desconfia

Santo Antônio do Vale era uma cidade pequena, onde as novidades corriam mais rápido que o vento. A tranquilidade da rotina dos moradores era facilmente abalada por qualquer sinal de fofoca, e quando o assunto envolvia a igreja, a curiosidade se transformava em um fervor descontrolado. Dona Carmem, uma senhora de cabelos grisalhos e língua afiada, era conhecida por ser a principal fonte de rumores da cidade. Estava sempre de olho nos acontecimentos, pronta para espalhar qualquer notícia que pudesse causar alvoroço.

Nos últimos dias, Dona Carmem vinha observando Clara e Padre Henrique com um olhar cada vez mais atento. Ela notara os olhares trocados, os sorrisos contidos, e a frequência com que Clara estava na igreja. Para Carmem, isso só podia significar uma coisa: havia algo de errado. Movida pela necessidade de sempre ter algo para contar, ela começou a insinuar que a relação entre Clara e o padre ia além do que era apropriado.

— Vocês viram como a Clara está sempre na igreja ultimamente? E aquele padre... Parece que tem algo no ar que não é só cheiro de incenso — comentava Carmem em voz alta na padaria, atraindo a atenção das outras senhoras que se reuniam ali todas as manhãs.

— Imagine, Carmem, o padre é um homem de Deus — disse Dona Helena, embora seu tom de voz mostrasse que a dúvida já havia sido plantada.

— Pode até ser, mas quem nunca viu uma ovelha se perder do rebanho? — retrucou Carmem, com um sorriso malicioso.

As palavras de Carmem logo se espalharam como fogo em palha seca. O que começou como um murmúrio se transformou em um burburinho que dominava as conversas em todas as esquinas. As pessoas cochichavam durante as missas, olhavam torto para Clara quando ela passava, e os olhares julgadores começaram a pesar mais a cada dia. A cidade estava agitada, e os rumores se intensificavam com cada encontro de Clara e Henrique, por mais inocente que fosse.

Henrique também sentia o impacto da situação. Ele ouvia os cochichos e via os olhares de reprovação. Estava atormentado, dividido entre seu papel de líder espiritual e seus sentimentos cada vez mais profundos por Clara. Ele se perguntava se estava sendo fraco, se estava traindo seus votos e o compromisso que havia assumido com Deus. O peso da culpa o perseguia, mas, ao mesmo tempo, a ideia de se afastar de Clara era insuportável.

Certa tarde, após ouvir de um dos paroquianos sobre os rumores que circulavam, Henrique decidiu falar com Clara. Precisavam ser honestos um com o outro sobre o que estava acontecendo, tanto na cidade quanto entre eles. Ele a encontrou na igreja, limpando os bancos e organizando os panfletos para a próxima missa. Clara, que já estava ciente dos comentários, tinha um semblante cansado e triste.

— Clara, precisamos conversar — disse Henrique, aproximando-se dela com uma expressão séria.

Ela olhou para ele, sentindo o peso da situação em cada palavra não dita. Sabia que o que estava acontecendo entre eles era complicado, mas não tinha a intenção de prejudicar a reputação do padre, nem de se envolver em um escândalo.

— Eu sei o que estão dizendo por aí, padre... — respondeu Clara, tentando manter a voz firme, mas sentindo a insegurança por dentro. — Eu nunca quis causar problemas para o senhor. Talvez eu devesse me afastar...

Henrique a interrompeu, incapaz de deixar que ela assumisse a culpa sozinha.

— Não, Clara. A culpa não é sua. Não podemos controlar o que as pessoas pensam ou dizem. Mas precisamos ser honestos com nós mesmos. Eu... — ele hesitou, buscando as palavras certas. — Eu também estou confuso. Não posso negar o que sinto, mas não sei se posso seguir por esse caminho.

Clara sentiu um misto de alívio e tristeza. Era um alívio saber que Henrique compartilhava dos mesmos sentimentos, mas doloroso perceber que o caminho deles estava cheio de obstáculos intransponíveis. Ela queria abraçá-lo, dizer que tudo ficaria bem, mas sabia que a situação era muito mais complicada do que um simples consolo.

— Eu entendo, Henrique — disse ela, pela primeira vez usando seu nome em vez de chamá-lo de padre. — Eu não quero que o senhor se afaste de sua fé por minha causa. Talvez... talvez seja melhor se eu me distanciar por um tempo.

Henrique sentiu o impacto daquelas palavras como um golpe. Ele sabia que o mais sensato seria deixar Clara ir, mas o pensamento de não vê-la mais era devastador. Os dois ficaram em silêncio, sentindo o peso da escolha que precisariam fazer. A chuva fina que começava a cair lá fora parecia refletir o estado de seus corações: uma tempestade silenciosa, carregada de dúvidas e emoções reprimidas.

Enquanto Clara se afastava, Henrique voltou ao altar e se ajoelhou diante do crucifixo. Suas preces eram um pedido desesperado por orientação, por uma forma de conciliar o homem que era com o padre que deveria ser. Ele estava dividido entre dois mundos: o da fé e o do coração.

A cidade continuava a especular, e os olhares curiosos não diminuíam. A conexão entre Clara e Henrique, tão genuína e sincera, agora era alvo de julgamentos que nenhum dos dois sabia como enfrentar. Para eles, cada dia se tornava uma batalha silenciosa contra sentimentos que não podiam expressar abertamente.

No entanto, uma coisa era certa: o laço invisível que os unia se fortalecia a cada desafio, mesmo que isso significasse sacrificar algo de si mesmos. Clara e Henrique sabiam que não havia respostas fáceis, e o que viria a seguir seria uma prova de até onde estavam dispostos a ir para enfrentar o que sentiam — um amor proibido que, embora silencioso, falava mais alto que qualquer promessa ou voto.

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