Padre Henrique não conseguia tirar Clara da cabeça. Desde a confissão, sua presença o assombrava, como se cada palavra dela ecoasse em sua mente. Ele se pegava pensando em seus olhos tristes, no tremor de sua voz e no jeito como parecia buscar algo que não sabia definir. A vida de sacerdote sempre fora um porto seguro para ele, um refúgio onde conseguia manter seus próprios demônios sob controle, mas Clara estava despertando algo que ele não podia ignorar.
Nos dias que se seguiram, Henrique tentou se concentrar em suas tarefas. Realizou missas, visitou doentes e aconselhou fiéis, mas mesmo nas atividades mais rotineiras, sua mente vagava até Clara. Ele se repreendia a cada pensamento, rezava em silêncio pedindo forças, mas a sensação de inquietação crescia. Não era apenas atração; era um desejo de proteger, de entender mais sobre aquela mulher que surgira inesperadamente em sua vida.
Clara, por sua vez, também se sentia estranhamente ligada ao padre. Ela passava pela igreja com frequência, sempre com a intenção de entrar, mas hesitava na última hora. Não queria que ele pensasse que estava ali por ele, mas, no fundo, sabia que a verdade era exatamente essa. A sensação de paz que sentiu ao falar com Henrique era algo que ela ansiava experimentar novamente, ainda que não soubesse como lidar com os sentimentos conflitantes que aquilo provocava.
Em uma manhã fria de quinta-feira, Clara decidiu ir até a igreja para acender uma vela. Não pretendia falar com Henrique, mas, ao entrar, encontrou o lugar vazio, exceto por ele, que arrumava alguns objetos no altar. A presença inesperada do padre fez seu coração acelerar, mas Clara tentou se controlar e agiu como se fosse apenas mais uma fiel.
— Clara, que bom vê-la novamente — disse Henrique, surpreendendo-se com o próprio entusiasmo.
Clara sorriu timidamente, tentando esconder o nervosismo.
— Eu só vim acender uma vela, padre. Não quero atrapalhar.
Henrique assentiu, mas não conseguia esconder a alegria em vê-la. Ele observou enquanto Clara se aproximava do altar, acendia uma vela e fazia uma prece silenciosa. Era um gesto simples, mas Henrique viu algo além: viu uma mulher buscando consolo, assim como ele mesmo já havia feito tantas vezes.
Enquanto Clara rezava, Henrique se aproximou, e uma conexão silenciosa se estabeleceu entre os dois. Não houve palavras, apenas um entendimento mútuo, um respeito pelo espaço do outro. Quando Clara terminou, os dois ficaram em silêncio por alguns instantes, sentindo o peso das emoções que carregavam.
— Às vezes, o silêncio fala mais do que qualquer palavra — disse Henrique, quebrando a tensão que pairava no ar.
Clara olhou para ele, e naquele momento, soube que estava diante de um homem que compreendia sua dor como ninguém. Ela queria agradecer, mas não encontrou palavras. Sua gratidão estava no olhar, na forma como permitia que sua vulnerabilidade fosse exposta diante dele.
Nos dias que se seguiram, Henrique e Clara começaram a se encontrar com mais frequência, mesmo que sem querer. Na padaria, nas ruas estreitas da cidade, e, claro, na igreja. Cada encontro era um misto de alegria e tormento. Para Henrique, era uma luta interna entre seus votos de celibato e os sentimentos que cresciam a cada conversa com Clara. Para ela, era o medo de estar se aproximando demais de um homem que deveria ser inacessível.
Os dois tentavam evitar contato, cientes do que aquela proximidade poderia significar. Henrique mergulhava em suas orações, pedindo forças para resistir ao que sentia, enquanto Clara se refugiava no trabalho voluntário que começou a fazer na igreja, ajudando na organização dos eventos e na arrecadação de alimentos para os necessitados. Mas quanto mais tentavam se afastar, mais o destino os colocava lado a lado.
Certa tarde, uma forte chuva desabou sobre Santo Antônio do Vale. Clara, que estava na igreja ajudando com os preparativos para uma festa comunitária, ficou presa lá, incapaz de voltar para a pensão. Henrique, que também havia sido surpreendido pela tempestade, encontrou-se sozinho com Clara, enquanto o som das gotas de chuva batia contra os vitrais.
— Parece que estamos presos aqui — disse Clara, tentando quebrar o clima tenso.
Henrique sorriu, mas o desconforto era palpável. Eles estavam sozinhos pela primeira vez, sem a presença de fiéis ou outras distrações. O silêncio, que tantas vezes fora reconfortante, agora parecia carregado de sentimentos não ditos.
— Talvez seja um sinal para desacelerarmos e refletirmos um pouco — respondeu Henrique, embora soubesse que refletir não aliviaria o turbilhão de emoções que sentia.
Enquanto conversavam, o clima informal e as risadas tímidas foram substituídos por uma seriedade que ambos tentavam evitar. Clara estava ciente de que seus sentimentos por Henrique iam além de uma simples amizade, e ele, por sua vez, sentia seu coração apertar a cada vez que olhava para ela.
Quando a chuva finalmente deu uma trégua, Henrique e Clara se despediram, mas o que ficou entre eles foi um entendimento silencioso e proibido, que aumentava a cada encontro. Era um amor que não poderia ser, mas que crescia, lentamente, no espaço de cada silêncio e cada olhar trocado. Eles tentavam se afastar, mas o que sentiam era como uma chama que, mesmo contida, nunca se apagava.
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Atualizado até capítulo 21
Comments
unapersonarandomxdd
O livro está incrível, mas já estou impaciente para a próxima atualização!
2025-04-24
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