Ecos de um nome esquecido

Capítulo 5 — Ecos de um Nome Esquecido

Naquela noite, o vento parecia diferente. Ele sussurrava entre as frestas da casa como uma língua antiga, carregando memórias que não eram só de Helena. A vela acesa em seu quarto tremulava inquieta, lançando sombras que dançavam nas paredes, formando silhuetas distorcidas de mãos, rostos, olhos — ou a ilusão de tudo isso.

Helena estava sentada na cama, os joelhos dobrados contra o peito, segurando o bilhete novo que encontrara colado na Porta Vermelha.

“Ele está mais perto do que você pensa.”

As palavras pareciam vibrar em sua pele. A casa inteira parecia em suspense, como se respirasse com ela, esperando que ela decidisse: abrir ou fugir. Mas foi o som da campainha que a fez saltar da cama.

Ding-dong.

Tarde demais para visitas. Quase duas da manhã. Ela desceu as escadas devagar, o coração batendo contra a garganta. Quando abriu a porta da frente, o vento cortante invadiu o hall com força — e junto dele, uma figura familiar.

— Helena...

Era Luna.

Molhada pela chuva fina, os cabelos colados ao rosto, os olhos arregalados, mas sem chorar. O vestido preto que usava estava amarrotado e rasgado em uma das mangas, como se tivesse sido puxada por alguma coisa. Havia sujeira em seus joelhos e um pequeno corte no lábio.

Helena a encarou, sem reação por alguns segundos.

— Luna? O que você... Onde você esteve?

A amiga caiu em seus braços sem responder. O corpo dela tremia, mas não de frio. Era algo mais profundo. Um tremor de quem havia visto algo que não devia.

— Ele sabe, Helena — sussurrou Luna. — Ele acordou. Ele me viu.

Helena a levou para dentro, trancando a porta atrás de si com dedos que não obedeciam direito. A sala agora parecia mais escura, mesmo com todas as luzes acesas. Como se a presença de Luna tivesse trazido algo com ela. Ou revelado algo que sempre estivera ali.

— Quem viu você? — Helena perguntou. — Do que você está falando?

Luna a olhou, os olhos marejados de algo que não era só medo. Era culpa. E cansaço.

— A porta. Eu entrei. Quando você saiu da casa, naquela semana... Eu fiquei. Sozinha. Curiosa. Eu ouvi os sussurros também. Eu senti o cheiro de rosas mortas. E... eu abri. Por um segundo. Só um segundo...

Helena estremeceu.

— E o que você viu?

— Nada. E tudo. — Luna passou a mão no cabelo molhado, a respiração entrecortada. — Eu não consigo explicar. Era escuro, mas era vivo. Era como estar dentro da pele de outra pessoa. Eu ouvi risos. Gritos. E seu nome... ele sussurrava o seu nome, Helena. Como se te conhecesse desde antes de você nascer.

O silêncio entre elas ficou denso. Helena se sentou no sofá ao lado dela, olhando a amiga com uma mistura de raiva, medo e alívio.

— Por que você nunca me contou isso?

— Porque eu achei que era coisa da minha cabeça. Até começar a ver... coisas. Ouvir minha própria voz me chamando quando estou sozinha. Sentir mãos em mim no meio da noite. E então, ontem, eu sonhei com você. Presa atrás da porta. Você gritava, mas sua boca não se mexia. E ele estava atrás de você. Ele... sussurrava que você era dele.

Helena sentiu um gosto metálico na boca. Sangue? Medo?

Ou desejo?

Por um instante, sua mente foi invadida pela imagem: ela deitada em um quarto escuro, o corpo arrepiado, mãos invisíveis explorando sua pele, uma respiração quente em seu ouvido... e a voz. Aquela voz que ela não conseguia definir como masculina ou feminina, apenas antiga, profunda.

“Você sempre foi minha, Helena.”

— Luna — ela disse, engolindo em seco —, o que você viu lá dentro... tem a ver com meu passado? Com... ele?

Luna não respondeu de imediato. Depois, assentiu lentamente.

— Sim. A coisa por trás da porta... ela sabe o que ele fez com você. Ela se alimenta disso. Do silêncio. Do trauma. Mas também quer libertar. Ou talvez destruir. Eu não sei mais o que é o quê.

Helena ficou de pé, andando pela sala com passos curtos, frenéticos. Sentia o sangue pulsar nas têmporas.

— E Rafael?

— Ele está envolvido — disse Luna, rápido demais. — Não sei como, mas está. Eu vi algo. Um reflexo. Uma lembrança talvez... Você nos dois, no mesmo lugar. Mas não como agora. Mais novos. Mais... marcados.

Helena virou-se com os olhos fixos nela.

— Isso não faz sentido. Eu conheci Rafael depois de tudo. Depois do...

Ela parou. O nome. Ela não dizia aquele nome há anos. Não se permitia.

Mas a presença de Luna ali, ensopada, trêmula e com os olhos arregalados como de quem vislumbrou o inferno, fazia tudo parecer... inevitável.

— Você tem certeza de que entrou na porta?

— Não só entrei — disse Luna, com a voz embargando —. Eu voltei. E não sei se fui eu que saí.

As palavras ficaram no ar como uma névoa pesada.

Helena se aproximou devagar, tocando o rosto da amiga. Luna fechou os olhos, inclinando-se ao toque. Por um momento, o mundo parou. Duas almas quebradas, tentando encontrar alguma solidez em meio ao colapso.

— Eu estou com medo, Luna — sussurrou. — Medo de mim mesma. Do que eu posso ser, ou já fui.

Luna abriu os olhos e segurou sua mão.

— Não tenha. A porta quer que você tenha medo. É assim que ela cresce. Mas talvez... talvez o que está lá dentro também tenha sido ferido. Como você.

O silêncio entre elas foi preenchido pelo som de passos no andar de cima.

Helena congelou.

— Não tem ninguém aqui além de nós duas.

— Então ele chegou — disse Luna, se levantando.

Helena subiu correndo, sem pensar. O corredor estava escuro, a lâmpada da frente havia queimado. Mas ela sentia a presença. Forte. Quente. Viva.

A Porta Vermelha estava entreaberta.

Luna apareceu atrás dela, mas não disse nada. Só olhava.

Helena estendeu a mão, a respiração pesada, a pele úmida.

E então, uma voz. Dentro da sua mente.

“Você já está do outro lado, Helena. Só ainda não percebeu.”

Ela tocou a maçaneta.

E sorriu.

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