Capítulo 4 — O Sussurro Atrás da Porta
Helena acordou com um leve arrepio na nuca. O quarto estava mergulhado em sombras, mesmo com as cortinas entreabertas deixando entrar um fio de luz pálida da manhã. O relógio na parede piscava 6:06. Três dígitos que pareciam formar um aviso sutil, um código para algo que ela ainda não compreendia. Seu corpo ainda estava quente do sonho — ou seria lembrança? — que tivera. Mãos invisíveis, o toque de uma voz familiar, e o som abafado de algo batendo… uma porta?
A Porta Vermelha.
Ela não se lembrava de tê-la visto ontem, mas sentia como se algo a tivesse empurrado mais perto dela. Cada dia, mais próxima. Como se a casa respirasse com ela, como se estivesse viva.
Helena sentou-se na cama, os lençóis colando à pele suada. Seus dedos tremeram levemente quando tocaram o colar antigo pendurado em seu pescoço — presente de sua mãe, que dizia protegê-la. Proteção de quê, exatamente?
Levantou-se. A casa estava silenciosa, mas não em paz. Era um silêncio denso, como se alguém estivesse segurando a respiração do outro lado da parede.
Desceu as escadas descalça. O chão de madeira rangia sob seus pés, um som agudo que parecia ecoar demais para uma casa tão pequena. Parou no meio do corredor e sentiu o cheiro — algo doce, quase enjoativo. Flores mortas. Rosas, talvez. Era um aroma que vinha do andar de cima, embora ela tivesse certeza de que não havia flores ali.
Virou-se, e por um segundo, viu a sombra. Pequena, fugidia. Rastejando no canto da visão.
— Está me ouvindo? — ela sussurrou, sem saber a quem perguntava.
A casa não respondeu.
Mas a porta respondeu.
TOC.
A batida foi baixa, única, mas firme. Vinha da ala que ela evitava — o corredor de paredes mais escuras, onde o papel de parede parecia vivo, emoldurando a Porta Vermelha com um cuidado que beirava o obsessivo.
Ela não queria ir. Mas seus pés não a obedeciam mais.
Cada passo em direção à porta fazia sua pele se arrepiarem, como se algo dentro dela soubesse — não vá. Mas havia outra parte, mais antiga, que sussurrava com doçura: vá, você precisa lembrar.
A maçaneta fria em sua mão era como o toque de um cadáver. Quando a girou, nada aconteceu. Trancada. Claro que estaria.
Mas havia algo diferente hoje. Um papel, cuidadosamente dobrado, empurrado por debaixo da porta.
Ela o pegou com mãos trêmulas. Era fino, amarelado, e no centro, uma única frase escrita com uma letra curva e feminina:
“Você não está sozinha. Eu vi o que ele fez.”
Helena cambaleou para trás. O ar parecia ter sido arrancado do ambiente. Aquela letra… era dela mesma. Sua caligrafia.
Mas não lembrava de ter escrito aquilo.
— Helena?
A voz veio como um puxão de volta à realidade. Clara, suave, com uma nota de preocupação. Era Rafael. Ele estava na cozinha, com uma xícara nas mãos e os olhos semicerrados, como se tentasse esconder o quanto se importava.
— Você está bem? Está pálida.
Ela engoliu em seco e enfiou o bilhete no bolso do roupão.
— Não dormi bem — respondeu.
Rafael aproximou-se, seu olhar perscrutando os olhos dela com cuidado. Ele era o único que ousava tentar alcançá-la, mesmo quando ela estava cercada por muralhas invisíveis. Talvez porque carregasse seus próprios fantasmas. Talvez porque fosse teimoso o suficiente para não deixá-la afundar sozinha.
— Helena… — ele disse, baixinho, tocando seu pulso —, tem alguma coisa acontecendo, não é?
Ela quis dizer. Quis contar sobre os sussurros à noite, sobre os bilhetes, sobre o cheiro de flores mortas e o calor da porta, como se algo respirasse atrás dela.
Mas em vez disso, respondeu com um beijo.
Foi rápido, quase desesperado. Um gesto para calar perguntas que ela não sabia responder. Rafael retribuiu com surpresa, depois com uma intensidade contida, como se temesse quebrá-la.
— Não fuja de mim — ele murmurou contra os lábios dela.
Ela sorriu, mas era um sorriso falso, de espelhos rachados. Ele não sabia. Ninguém sabia.
Naquela noite, quando Rafael dormia, Helena voltou ao corredor. O papel agora estava queimado no cinzeiro — ela o queimou com a ponta de uma vela, temendo que alguém o visse.
Mas em seu lugar, outro surgiu.
“Ele está mais perto do que você pensa.”
O bilhete estava grudado na madeira da porta, como se pregado por unhas invisíveis.
Ela o encarou por longos minutos, o coração batendo como tambor de guerra. Pensou no passado, nas mãos que a forçaram, no olhar de quem devia protegê-la e não o fez. E sentiu uma presença ali. Observando. Esperando. Alimentando-se do silêncio.
Na penumbra, a porta vermelha parecia pulsar.
E pela primeira vez, ela teve certeza:
Alguém, ou algo, estava tentando acordar.
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Atualizado até capítulo 25
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