Capítulo 3 e Capítulo 4

Capítulo 3 – Longe de Casa

Depois que minha mãe morreu, passei alguns dias numa casa de acolhimento. O quarto cheirava a desinfetante, e as paredes eram tão brancas que doíam os olhos. Eu não falava com ninguém. Só desenhava. Sempre os mesmos traços — uma mulher com os olhos cansados e um sorriso triste. Era a única forma de mantê-la viva.

Até que, numa manhã nublada, uma assistente social me chamou na sala dela.

— Kyum-Ju, encontramos um parente seu. Ele mora fora da Coreia, mas aceitou te receber. É seu tio, Pook-Ju.

Pook-Ju. Um nome que eu nunca tinha escutado. Minha mãe nunca falava da família. Agora, de repente, eu tinha um tio. E ele morava no exterior.

Sem muita escolha, fui colocado num avião com um passaporte provisório e uma mochila com meia dúzia de roupas. O destino? Um país frio, estranho, com um idioma que soava como música quebrada: Canadá.

Pook-Ju me esperava no aeroporto, com uma placa escrita "Kyum" — com o "J" faltando. Estava com um boné velho, uma jaqueta de couro rasgada e os olhos vermelhos, como se tivesse chorado ou… bebido.

Na verdade, era as duas coisas.

— E aí, garoto — ele disse, com a voz rouca. — Bem-vindo ao inferno gelado.

Não era exatamente o abraço caloroso que eu sonhei. Mas de alguma forma… parecia sincero.

O apartamento dele ficava num bairro afastado de Montreal. Era apertado, bagunçado, cheio de garrafas vazias e cinzeiros lotados. Mas tinha uma coisa que me pegou de surpresa: numa parede, havia uma foto da minha mãe. Jovem, sorridente. Ao lado dela, ele — Pook-Ju, mais novo, com os mesmos olhos que eu.

— Eu e sua mãe… éramos muito próximos — ele disse, quase sussurrando. — Mas eu estraguei tudo. Como sempre.

Naquela noite, dormi no sofá enquanto ele bebia e falava sozinho na varanda. Mesmo longe de casa, cercado de estranheza, senti um calor no peito. Como se talvez… só talvez… eu ainda tivesse uma chance de recomeçar.

Mesmo que fosse ao lado de um homem quebrado.

 

Capítulo 4 – A Casa que Não Era Lar

A casa do Pook-Ju tinha cheiro de cigarro velho, mofo e solidão. As paredes estavam descascando, a janela da sala vivia trincada, e o aquecedor só funcionava quando queria — ou seja, quase nunca. No banheiro, os azulejos eram manchados de ferrugem e a pia fazia um som estranho, como se tossisse.

Era como se a casa sentisse dor. Como se estivesse pedindo socorro, igual a mim.

Os dias começaram a passar lentos, repetitivos, sufocantes. Pook-Ju saía de manhã bem cedo, trabalhava num bar de quinta como segurança e voltava à noite com cheiro de álcool, olhos caídos e um saco de fast food que ele jogava na mesa e dizia:

— Se vira, moleque.

E eu me virava. Esquentava o que dava, comia frio o que sobrava. Lavava minhas próprias roupas na mão porque a máquina fazia um barulho esquisito que ele dizia ser "o demônio tentando sair".

A gente quase não se falava. Quando falava, era ruim.

— Você não ajuda em nada nessa casa! — ele gritava do nada, sem motivo.

— Eu só tenho 8 anos… — eu tentava dizer, com a voz baixa.

— E eu? Eu tive que virar homem com 12! Engole o choro e vai limpar essa porcaria de chão!

Ele nunca encostou a mão em mim — pelo menos, não nos primeiros dias. Mas os gritos batiam tão forte quanto tapas.

As paredes eram finas, mas ninguém parecia ouvir. Ou se ouviam, fingiam que não. Era como se eu tivesse sido jogado fora do mundo, pra viver ali, naquele lugar onde o tempo só passava pra piorar as coisas.

Às vezes ele chorava. De madrugada, eu escutava. Murmurava o nome da minha mãe. Dizia que sentia falta dela, que tudo era culpa dele. Outras vezes, falava comigo como se fosse com ela.

— Você também me abandonou, Mong-Ju… me deixou sozinho com ele.

Eu ficava quieto. Esperando. Contando os dias. Torcendo pra que aquilo mudasse. Mas a verdade é que aquela casa não era um lar. Era só um buraco com um telhado em cima.

E eu estava afundando.

 

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dzaky

dzaky

Muitas perguntas!

2025-04-21

3

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Capítulos
1 Capítulo 1 e capítulo 2
2 Capítulo 3 e Capítulo 4
3 Capítulo 5 - A Gota
4 Capítulo 6 - Marcas
5 Capítulo 7 – De Volta ao Começo (PARTE 1)
6 Capítulo 7 - PARTE 2
7 capítulo 7 - PARTE 3
8 Capítulo 8 – Irmãos Sem Sangue
9 Capítulo 9 – O Tempo Entre Nós
10 Capítulo 10 – Entre o Quebrado e o Quase
11 Capítulo 11 – Ecos do Futuro
12 Capítulo 12 – O Caderno Azul
13 Capítulo 13 – Entre Respirações e Confissões
14 Capítulo 14 – Silêncio entre as batidas
15 Capítulo 15 – Doce como um domingo de chuva
16 Capítulo 16 – Nosso primeiro encontro
17 Capítulo 17 – Coisas Que Não Foram Ditas
18 Capítulo 18 – O Que Você Chama de Amor
19 Capítulo 19 – Nosso Lugar no Mundo
20 Capítulo 20 – Coisas de Casa, Coisas de Nós
21 Capítulo 21 – Noite de Nós Dois
22 Capítulo 22 – Destino: Nós Dois
23 Capítulo 23 – Dias que Valem uma Vida
24 Capítulo 24 - Uma Nova Fase
25 Capítulo 25 – O Mistério da Casa 404
26 Capítulo 26 : "O espelho do andar 7"
27 Capítulo 27: Reencontro de Almas
28 Capítulo 28 – Visitantes Indesejados (e uma Pitada de Caos)
29 Capítulo 29 – O Chá, o Sal e a Nossa Casa
30 Capítulo 30 – Aventura em Dose Dupla
31 Capítulo 31 – Ecos do Inesperado
32 cap 32 vey
33 cap 33 - onde o amor vive
34 capítulo 34 - conhecendo a GMMTV
35 Entre dois mundos
36 DESENVOLVENDO
37 Luz , câmera, entre dois mundos
Capítulos

Atualizado até capítulo 37

1
Capítulo 1 e capítulo 2
2
Capítulo 3 e Capítulo 4
3
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4
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5
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8
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