Sam
Passei a noite revivendo aquela cena.
A neblina, o cheiro úmido das árvores, os olhos dele fixos em mim. Por mais que eu tentasse focar em outra coisa — nas aulas, nas mensagens da Anna, no jantar com meus pais — tudo voltava para aquele momento. Como se algo em mim tivesse sido ativado. Ou talvez, despertado.
Eu deveria estar assustada.
Mas não estava. Confusa? Sim. Curiosa? Mais do que nunca. Mas havia algo naquele garoto — naquele estranho — que não se encaixava na ideia de perigo.
Era como se ele já fizesse parte da paisagem do bosque. Como uma figura ancestral, pertencente àquele espaço mais do que eu jamais pertenceria. E ainda assim... ele me olhou como se me conhecesse. Como se me esperasse.
Hoje, a neblina voltou mais espessa. Meus pais estavam distraídos, então não fiz muito esforço para avisar que ia sair. Peguei o moletom de novo. Mesmo lugar. Mesmo horário. Mesmo bosque.
Dessa vez, levei um caderno.
Não costumo escrever. Mas precisava dar forma ao que estava sentindo. Como se colocar as palavras no papel fosse me ajudar a entender. Ou pelo menos me manter ancorada.
Desci o mesmo caminho, marcando os passos como se cada folha sob meus pés fosse parte de um ritual silencioso. Estava tudo igual — mas também diferente. A névoa parecia mais viva. Como se se movesse comigo. E o silêncio... ele não era vazio. Era carregado. Esperando algo.
Ele estaria lá?
Queria que estivesse.
Me peguei olhando entre as árvores, procurando por sombras que tivessem formato humano. Mas tudo que encontrei foram vultos passageiros, dissolvidos na bruma. A mesma sensação de antes cresceu no peito: alguém me observava.
Só que dessa vez... eu não perguntei.
Apenas parei. Respirei fundo. Abri o caderno.
“O bosque tem olhos.
O bosque tem um nome que ainda não ouvi.
Mas ele me viu.
E agora, eu o vejo também.”
Escrevi isso sem pensar. E quando terminei, ouvi passos. Leves, calculados. A poucos metros atrás de mim.
Meu coração acelerou, mas me mantive firme. Virei devagar. Os passos cessaram.
Nada.
Mas eu sabia.
— Você está aí — falei, desta vez sem tom de acusação.
A brisa soprou, carregando meu cabelo por um instante. Me concentrei. Olhos varrendo a neblina.
E então, ele surgiu. Entre duas árvores, como se tivesse sido esculpido pela própria névoa. Mesmas roupas escuras. Mesma imobilidade inquietante. Mas havia algo novo em seu olhar. Algo mais suave.
Dessa vez, ele estava mais perto. Pude ver seu rosto com mais clareza: traços definidos, pele pálida, uma cicatriz fina abaixo do olho esquerdo. E aqueles olhos... escuros como a noite, mas com algo dentro deles. Algo antigo.
— Quem é você? — perguntei, com voz baixa.
Ele hesitou. Os lábios se entreabriram, como se fosse dizer algo. Mas então fechou os olhos por um segundo. Quando os abriu novamente, deu um passo à frente.
Meu corpo inteiro reagiu. Cada músculo tenso. Cada pensamento embaralhado.
Mas não me afastei.
— Eu te vi ontem — continuei. — E... tenho a sensação de que já tinha te visto antes, mesmo sem perceber.
Ele inclinou levemente a cabeça. Quase como se estivesse admirando a forma como eu pensava.
— Você sempre esteve aqui?
Outro passo. Agora ele estava a uns cinco metros de mim. Próximo o bastante para eu perceber que ele respirava de forma estranhamente calma, como se tivesse todo o tempo do mundo.
— Não vai responder?
Silêncio.
E então, ele falou. Uma única palavra:
— Edward.
A voz dele era baixa, rouca, quase um sussurro. Mas me atingiu como uma onda. Era o nome dele. O primeiro pedaço concreto que eu tinha. Edward.
Sorri, sem saber por quê.
— Sam — respondi. — Mas acho que você já sabia.
Algo em seu rosto se moveu. Quase um sorriso. Quase.
— Você me segue?
Dessa vez, ele pareceu hesitar de novo. Como se lutasse com a verdade e a necessidade de escondê-la.
— Eu te observo — disse, finalmente.
Foi como um trovão mudo.
Não tive medo. E isso, de certa forma, me assustou mais do que qualquer coisa.
— Por quê?
Edward desviou os olhos por um instante. Depois voltou a me encarar com uma intensidade que me fez prender a respiração.
— Porque você é real. E eu... não sei se sou.
Aquela frase... me desarmou. Nunca alguém tinha falado comigo daquele jeito. Como se eu fosse âncora e espelho ao mesmo tempo. Como se, de alguma forma, eu existisse para manter alguém inteiro.
Antes que eu pudesse responder, ele deu um passo atrás. Como se o instante estivesse se desfazendo. Como se ele soubesse que não podia ficar mais.
— Vai embora?
Ele assentiu, lentamente.
— Vai voltar?
Ele hesitou. Depois disse, baixo:
— Sempre volto.
E então, assim como antes, virou-se e desapareceu entre as árvores. Como se nunca tivesse estado ali.
Mas ele esteve.
E agora, mais do que nunca, eu precisava entender.
Quem é Edward?
Por que me observa?
E por que... mesmo com todas essas perguntas, eu quero vê-lo de novo?
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Atualizado até capítulo 57
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