Capítulo 5 – O Que Você Faz Com o Que Eu Sinto?

[ Clínica | Início da tarde]

Ethan estava na sala de repouso da clínica, sentado com um café já frio nas mãos. A cabeça longe. A cena da noite anterior com Kael repetia como um filme quebrado.

"Vai embora hoje. Só por hoje. Antes que eu me arrependa de não ter te beijado."

Desde que começou com Kael, Ethan sentia que estava cruzando linhas que passou a vida evitando. Não era só sobre ética. Era sobre sobrevivência. Porque Kael o fazia sentir — e sentir era perigoso.

— Você tá bem? — perguntou Carla, colega de trabalho, ao entrar na sala.

— Tô. Só cansado.

— Você sumiu esses dias. Tá atendendo alguém em domicílio?

— Um caso especial — respondeu, sem olhar.

Ela sorriu.

— Especial mesmo, hein?

Ethan ignorou a provocação, mas sentiu o rosto esquentar.

[Apartamento de Kael | Sexta sessão]

Kael estava quieto. Muito quieto.

Deitado no colchonete, camisa larga cobrindo os ombros. Olhava pro teto como se houvesse algo escrito lá.

— Dormiu melhor? — Ethan perguntou, iniciando os exercícios passivos.

— Não. Mas sonhei com você de novo.

Ethan hesitou por um segundo. Fingiu que não ouviu.

Kael não deixou passar.

— No sonho você me deixava tocar. E não corria.

— Não é assim que funciona, Kael.

— E como funciona?

— Eu te ajudo a recuperar seu corpo. Você cuida do resto.

— E se o resto já estiver morto?

Ethan parou o movimento, apoiou a mão sobre o peito de Kael para estabilizar o ombro. Sentiu a respiração dele mudar.

— Então talvez você precise começar de novo. E não dá pra começar se você só constrói muros.

Kael virou o rosto. Pela primeira vez, a voz saiu mais fraca.

— Eu não construí muro. Eu cavei um buraco. E fiquei nele. Sozinho.

Ethan ficou em silêncio por alguns segundos. Depois falou baixo:

— E eu fui enterrado vivo. Pela mentira de alguém.

Kael o encarou. Longamente.

— A acusação. Aquilo foi verdade?

— Não. — Ethan respondeu sem hesitar. — Mas isso não impediu o mundo de me julgar.

— Eu sei como é — Kael disse. — Falam de você como se você não estivesse mais ouvindo. Como se você fosse só... ruído.

[ Intervalo na sessão | Cozinha de Kael]

Kael abriu a geladeira e jogou uma garrafinha de água pra Ethan.

— Eu treinei ontem.

— Com autorização?

— Não. Sozinho. Só pra testar.

— E?

— Doeu. Mas doeu menos.

Ethan sorriu de leve.

— Tá melhorando.

Kael bebeu um gole d’água, depois encarou Ethan por cima da garrafa.

— Já teve alguém?

— Tive.

— Ele te deixou?

— Ela me traiu. E depois me apagou da vida dela como se eu nunca tivesse existido.

Kael assentiu devagar.

— E mesmo assim você ainda se importa com os outros.

— Eu não me importo com todo mundo.

Kael chegou mais perto. Olhos firmes.

— Mas se importa comigo?

Silêncio.

Ethan respirou fundo.

— Me importo. E isso me assusta pra caralho.

[Final da sessão]

Ethan arrumava os equipamentos. Kael o observava da porta.

— Você vai voltar segunda?

— Vou.

— Mesmo se eu pedir pra não vir?

Ethan parou, virou-se.

— Vai pedir?

— Não sei. Parte de mim quer manter você aqui. Parte de mim quer expulsar antes que eu me acostume com você.

Ethan sorriu, triste.

— O problema de se acostumar... é que quando a pessoa vai embora, parece que faltou ar.

Kael deu dois passos. Agora estavam perto. Muito perto.

— Eu sou tóxico, Ethan.

— Eu sou impulsivo.

— Isso dá errado.

— Ou dá certo de um jeito que ninguém entende.

Kael estendeu a mão, sem encostar. Mas deixou ali, no ar, entre eles.

— Se eu encostar, não tem volta.

Ethan olhou pra mão. Depois pro rosto dele. Depois pra porta.

— Ainda não. Mas um dia... talvez eu não consiga dizer não.

E saiu. Sem olhar pra trás. De novo.

Mas dessa vez, Kael não sorriu. Ele apenas fechou a porta devagar, como quem sente que, por mais que tente, já está sendo tocado por dentro.

Capítulos
1 Capítulo 1 – O Corpo Quebra, o Orgulho Não
2 Capítulo 2 – Ninguém Toca Sem Deixar Marca
3 Capítulo 3 – Rachaduras no Silêncio
4 Capítulo 4 – Se Eu Me Entregar, Você Me Derruba
5 Capítulo 5 – O Que Você Faz Com o Que Eu Sinto?
6 Capítulo 6 – Eu Não Queria Precisar de Você, Mas Preciso
7 Capítulo 7 – Se Você Me Tocar Agora, Eu Não Vou Fugir
8 Capítulo 8 – Me Deixa Ficar, Mesmo Que Eu Não Saiba Como
9 Capítulo 9 – Me Desarma Devagar, Mas Não Para
10 Capítulo 10 – E Se Você For Embora Quando Eu Já Tiver Ficado?
11 Capítulo 11 – Quando Vira Real, Vira Risco
12 Capítulo 12 – Eu Sobrevivi, Mas Nunca Escapei
13 Capítulo 13 – Quando Te Ver Vira Arma Pro Mundo
14 Capítulo 14 – Se For Pra Afundar, Que a Gente Respire Antes
15 Capítulo 15 – Se o Mundo Vai Invadir, Que Veja Tudo
16 Capítulo 16 – Vejo Você Mesmo Nos Dias Que Você Não Aguenta Se Olhar
17 Capítulo 17 – A Verdade é Bonita, Mas Machuca Quando Cai no Mundo
18 Capítulo 18 – O Tiro Veio de Dentro
19 Capítulo 19 – Que Eu Suba no Ringue Sem Esquecer Quem Me Levantou
20 Capítulo 20 – O Peso do Silêncio Antes do Primeiro Golpe
21 Capítulo 21 – Eu Quase Caí, Mas Lembrei Quem Me Esperava no Canto
22 Capítulo 22 – O Silêncio Depois da Tempestade
23 Capítulo 23 – O Amor Mora Onde Ninguém Filma
24 Capítulo 24 – Me Toca Como Quem Não Tem Medo de Ficar
25 Capítulo 25 – Quando o Mundo Encosta na Porta Mas a Gente Não Abre de Cara
26 Capítulo 26 – Quando o Mundo Bate Forte e Eu Só Quero Que Você Segure Minha Mão
27 Capítulo 27 – Se For Pra Mostrar, Que Seja de Mãos Dadas
28 Capítulo 28 – Às Vezes Não É o Passado Que Volta, É a Dor Que Nunca Foi Embora
29 Capítulo 29 – Quando as Palavras Saem da Nossa Boca e Entram na Boca do Mundo
30 Capítulo 30 – Eu Também Tenho Dias em Que Eu Não Sei Me Carregar
31 Capítulo 31 – Quando a Dor Vira Documento e a Voz Ganha Forma
32 Capítulo 32 – Se For Pra Falar, Que Seja Pela Nossa Voz
33 Capítulo 33 – Quando a Data Chega, E o Silêncio Também
34 Capítulo 34 – Quando o Corpo Vai Antes da Voz
35 Capítulo 35 – Quando Eu Falo, Eu Não Tô Voltando, Eu Estou Me Libertando.
36 Capítulo 36 – Depois da Tempestade, a Paz Não Faz Barulho
37 Capítulo 37 – Nem Toda Porta Precisa Ser Aberta
38 Capítulo 38 – A Voz Começa Onde o Grito Acabou
39 Capítulo 39 – A Dor Que Vem de Outro Corpo, Mas Que Já Morou no Seu
40 Capítulo 40 – Quando a História de Outro Parece Ter Saído do Seu Corpo
41 Capítulo 41 – Crescer Também é Ser Visto Por Quem Você Queria Esquecer
42 Capítulo 42 – Vozes que Escutam, Vozes que Sabem
43 Capítulo 43 – Quando o Silêncio Revida
44 Capítulo 44 – Voz que Quebra Correntes
45 Capítulo 45 – A Pele Começa a Queimar
Capítulos

Atualizado até capítulo 45

1
Capítulo 1 – O Corpo Quebra, o Orgulho Não
2
Capítulo 2 – Ninguém Toca Sem Deixar Marca
3
Capítulo 3 – Rachaduras no Silêncio
4
Capítulo 4 – Se Eu Me Entregar, Você Me Derruba
5
Capítulo 5 – O Que Você Faz Com o Que Eu Sinto?
6
Capítulo 6 – Eu Não Queria Precisar de Você, Mas Preciso
7
Capítulo 7 – Se Você Me Tocar Agora, Eu Não Vou Fugir
8
Capítulo 8 – Me Deixa Ficar, Mesmo Que Eu Não Saiba Como
9
Capítulo 9 – Me Desarma Devagar, Mas Não Para
10
Capítulo 10 – E Se Você For Embora Quando Eu Já Tiver Ficado?
11
Capítulo 11 – Quando Vira Real, Vira Risco
12
Capítulo 12 – Eu Sobrevivi, Mas Nunca Escapei
13
Capítulo 13 – Quando Te Ver Vira Arma Pro Mundo
14
Capítulo 14 – Se For Pra Afundar, Que a Gente Respire Antes
15
Capítulo 15 – Se o Mundo Vai Invadir, Que Veja Tudo
16
Capítulo 16 – Vejo Você Mesmo Nos Dias Que Você Não Aguenta Se Olhar
17
Capítulo 17 – A Verdade é Bonita, Mas Machuca Quando Cai no Mundo
18
Capítulo 18 – O Tiro Veio de Dentro
19
Capítulo 19 – Que Eu Suba no Ringue Sem Esquecer Quem Me Levantou
20
Capítulo 20 – O Peso do Silêncio Antes do Primeiro Golpe
21
Capítulo 21 – Eu Quase Caí, Mas Lembrei Quem Me Esperava no Canto
22
Capítulo 22 – O Silêncio Depois da Tempestade
23
Capítulo 23 – O Amor Mora Onde Ninguém Filma
24
Capítulo 24 – Me Toca Como Quem Não Tem Medo de Ficar
25
Capítulo 25 – Quando o Mundo Encosta na Porta Mas a Gente Não Abre de Cara
26
Capítulo 26 – Quando o Mundo Bate Forte e Eu Só Quero Que Você Segure Minha Mão
27
Capítulo 27 – Se For Pra Mostrar, Que Seja de Mãos Dadas
28
Capítulo 28 – Às Vezes Não É o Passado Que Volta, É a Dor Que Nunca Foi Embora
29
Capítulo 29 – Quando as Palavras Saem da Nossa Boca e Entram na Boca do Mundo
30
Capítulo 30 – Eu Também Tenho Dias em Que Eu Não Sei Me Carregar
31
Capítulo 31 – Quando a Dor Vira Documento e a Voz Ganha Forma
32
Capítulo 32 – Se For Pra Falar, Que Seja Pela Nossa Voz
33
Capítulo 33 – Quando a Data Chega, E o Silêncio Também
34
Capítulo 34 – Quando o Corpo Vai Antes da Voz
35
Capítulo 35 – Quando Eu Falo, Eu Não Tô Voltando, Eu Estou Me Libertando.
36
Capítulo 36 – Depois da Tempestade, a Paz Não Faz Barulho
37
Capítulo 37 – Nem Toda Porta Precisa Ser Aberta
38
Capítulo 38 – A Voz Começa Onde o Grito Acabou
39
Capítulo 39 – A Dor Que Vem de Outro Corpo, Mas Que Já Morou no Seu
40
Capítulo 40 – Quando a História de Outro Parece Ter Saído do Seu Corpo
41
Capítulo 41 – Crescer Também é Ser Visto Por Quem Você Queria Esquecer
42
Capítulo 42 – Vozes que Escutam, Vozes que Sabem
43
Capítulo 43 – Quando o Silêncio Revida
44
Capítulo 44 – Voz que Quebra Correntes
45
Capítulo 45 – A Pele Começa a Queimar

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