Capítulo 3 – Rachaduras no Silêncio

[ Apartamento de Kael | Segunda Sessão – Tarde]

Ethan chegou no horário. Kael não respondeu a campainha, então ele bateu na porta com mais força.

— Tá aberto — gritou lá de dentro.

Entrou. O cheiro de álcool de farmácia e suor velho ainda dominava o ambiente. Kael estava no mesmo sofá, sem camisa, com um pano gelado no ombro.

— Achei que tinha esquecido de mim — disse Kael, sem tirar os olhos da TV, que estava ligada em uma luta antiga.

— Eu nunca esqueço dos meus pacientes — respondeu Ethan. — Só dos que não colaboram.

Kael riu, seco.

— Tenta não gostar tanto de mim. Pode ser perigoso.

Ethan ignorou o comentário, colocou as luvas e se ajoelhou ao lado do colchonete no chão.

— Preciso avaliar a resposta do seu ombro à última sessão. Deita aqui.

Kael foi, sem resistência. Mas enquanto deitava, falou baixo, quase em tom de provocação:

— Sabe, tem gente que pagaria pra ter você tão perto assim. Tocando desse jeito.

— E você? — Ethan disse, começando a trabalhar os pontos de tensão. — Paga pra não sentir nada?

Kael ficou em silêncio por alguns segundos.

— Pago pra não pensar. Só isso.

[Durante a sessão]

Ethan apertava os músculos do trapézio e do deltóide, sentindo o corpo tenso demais sob as mãos. O ombro estava duro, inflamado, mas algo além da carne parecia travado ali.

— Você precisa relaxar.

— Relaxar não é o que me mantém vivo.

— Então vai continuar quebrando, pedaço por pedaço.

Kael abriu os olhos.

— E o que você sabe sobre estar quebrado, hein?

Ethan parou o movimento por um segundo.

— Mais do que gostaria.

Kael virou o rosto para o lado, como se isso o atingisse. Mas logo disfarçou com uma pergunta.

— Você acredita em redenção?

Ethan respondeu rápido demais:

— Não.

— E amor?

Silêncio.

Kael sorriu, quase satisfeito.

— É. Você tem mais rachaduras do que parece.

— E você esconde as suas atrás de músculos e piadinhas — Ethan devolveu, levantando-se. — Mas não me importo com o que você acredita. Só estou aqui pra consertar o ombro.

Kael se sentou, encarando-o com os olhos meio abaixados.

— Conserta o ombro, Ethan. Mas cuidado… às vezes, quando a gente mexe muito em uma ferida, ela volta a sangrar.

[No carro, depois da sessão]

Ethan ficou alguns minutos parado antes de ligar o motor. Sentia a tensão nos dedos, no pescoço. Mas era outra coisa que pesava mais.

A maneira como Kael o olhava.

Não como um paciente vê um terapeuta. Mas como alguém que vê fraqueza… e também se reconhece nela.

Lembrou da noite em que tudo começou a desmoronar. A paciente, o mal-entendido, os olhares de desconfiança. E depois, o silêncio. O abandono.

“Você tem mais rachaduras do que parece.”

Kael disse aquilo como se tivesse visto através dele.

E aquilo incomodava.

[Dois dias depois]

Kael estava mais calado que o normal. Sentou-se direto no colchonete, sem falar nada.

— Dormiu bem? — Ethan tentou puxar conversa.

— Mal. Mas sonhei com você.

Ethan parou de ajeitar os equipamentos por um segundo.

— Que tipo de sonho?

Kael deu um sorrisinho.

— Daqueles que não se conta. Principalmente pro terapeuta.

— Então guarda pra si.

— Pena. Você ficaria vermelho.

Ethan suspirou.

— Preciso de você virado de lado hoje. Vamos trabalhar mobilidade de rotação.

Kael obedeceu, deitado com o braço pra frente.

— Sabe por que eu aceito isso? — perguntou, olhando pro chão.

— Isso o quê?

— Você me tocando.

Ethan parou, surpreso com a pergunta.

— Por que?

— Porque você é o único que não parece com medo de mim. Mas também não tenta me consertar por dentro.

— Eu não vim aqui pra curar sua alma, Kael.

— Ótimo. Porque ela não tem salvação.

[Final da sessão]

Kael estava sentado, suando. O ombro mais solto, mas o rosto mais tenso.

— Vai voltar amanhã? — perguntou, sem encarar.

— Se você continuar aparecendo, sim.

Kael se aproximou devagar, mais perto do que o necessário.

— Cuidado, Ethan. Tem uma parte de mim que funciona melhor quando tudo ao redor está em ruínas.

Ethan olhou firme, sem recuar.

— Então talvez seja por isso que você sente vontade de me destruir.

— Talvez — Kael disse. — Ou talvez… eu só esteja cansado de me sentir sozinho na dor.

Capítulos
1 Capítulo 1 – O Corpo Quebra, o Orgulho Não
2 Capítulo 2 – Ninguém Toca Sem Deixar Marca
3 Capítulo 3 – Rachaduras no Silêncio
4 Capítulo 4 – Se Eu Me Entregar, Você Me Derruba
5 Capítulo 5 – O Que Você Faz Com o Que Eu Sinto?
6 Capítulo 6 – Eu Não Queria Precisar de Você, Mas Preciso
7 Capítulo 7 – Se Você Me Tocar Agora, Eu Não Vou Fugir
8 Capítulo 8 – Me Deixa Ficar, Mesmo Que Eu Não Saiba Como
9 Capítulo 9 – Me Desarma Devagar, Mas Não Para
10 Capítulo 10 – E Se Você For Embora Quando Eu Já Tiver Ficado?
11 Capítulo 11 – Quando Vira Real, Vira Risco
12 Capítulo 12 – Eu Sobrevivi, Mas Nunca Escapei
13 Capítulo 13 – Quando Te Ver Vira Arma Pro Mundo
14 Capítulo 14 – Se For Pra Afundar, Que a Gente Respire Antes
15 Capítulo 15 – Se o Mundo Vai Invadir, Que Veja Tudo
16 Capítulo 16 – Vejo Você Mesmo Nos Dias Que Você Não Aguenta Se Olhar
17 Capítulo 17 – A Verdade é Bonita, Mas Machuca Quando Cai no Mundo
18 Capítulo 18 – O Tiro Veio de Dentro
19 Capítulo 19 – Que Eu Suba no Ringue Sem Esquecer Quem Me Levantou
20 Capítulo 20 – O Peso do Silêncio Antes do Primeiro Golpe
21 Capítulo 21 – Eu Quase Caí, Mas Lembrei Quem Me Esperava no Canto
22 Capítulo 22 – O Silêncio Depois da Tempestade
23 Capítulo 23 – O Amor Mora Onde Ninguém Filma
24 Capítulo 24 – Me Toca Como Quem Não Tem Medo de Ficar
25 Capítulo 25 – Quando o Mundo Encosta na Porta Mas a Gente Não Abre de Cara
26 Capítulo 26 – Quando o Mundo Bate Forte e Eu Só Quero Que Você Segure Minha Mão
27 Capítulo 27 – Se For Pra Mostrar, Que Seja de Mãos Dadas
28 Capítulo 28 – Às Vezes Não É o Passado Que Volta, É a Dor Que Nunca Foi Embora
29 Capítulo 29 – Quando as Palavras Saem da Nossa Boca e Entram na Boca do Mundo
30 Capítulo 30 – Eu Também Tenho Dias em Que Eu Não Sei Me Carregar
31 Capítulo 31 – Quando a Dor Vira Documento e a Voz Ganha Forma
32 Capítulo 32 – Se For Pra Falar, Que Seja Pela Nossa Voz
33 Capítulo 33 – Quando a Data Chega, E o Silêncio Também
34 Capítulo 34 – Quando o Corpo Vai Antes da Voz
35 Capítulo 35 – Quando Eu Falo, Eu Não Tô Voltando, Eu Estou Me Libertando.
36 Capítulo 36 – Depois da Tempestade, a Paz Não Faz Barulho
37 Capítulo 37 – Nem Toda Porta Precisa Ser Aberta
38 Capítulo 38 – A Voz Começa Onde o Grito Acabou
39 Capítulo 39 – A Dor Que Vem de Outro Corpo, Mas Que Já Morou no Seu
40 Capítulo 40 – Quando a História de Outro Parece Ter Saído do Seu Corpo
41 Capítulo 41 – Crescer Também é Ser Visto Por Quem Você Queria Esquecer
42 Capítulo 42 – Vozes que Escutam, Vozes que Sabem
43 Capítulo 43 – Quando o Silêncio Revida
44 Capítulo 44 – Voz que Quebra Correntes
45 Capítulo 45 – A Pele Começa a Queimar
Capítulos

Atualizado até capítulo 45

1
Capítulo 1 – O Corpo Quebra, o Orgulho Não
2
Capítulo 2 – Ninguém Toca Sem Deixar Marca
3
Capítulo 3 – Rachaduras no Silêncio
4
Capítulo 4 – Se Eu Me Entregar, Você Me Derruba
5
Capítulo 5 – O Que Você Faz Com o Que Eu Sinto?
6
Capítulo 6 – Eu Não Queria Precisar de Você, Mas Preciso
7
Capítulo 7 – Se Você Me Tocar Agora, Eu Não Vou Fugir
8
Capítulo 8 – Me Deixa Ficar, Mesmo Que Eu Não Saiba Como
9
Capítulo 9 – Me Desarma Devagar, Mas Não Para
10
Capítulo 10 – E Se Você For Embora Quando Eu Já Tiver Ficado?
11
Capítulo 11 – Quando Vira Real, Vira Risco
12
Capítulo 12 – Eu Sobrevivi, Mas Nunca Escapei
13
Capítulo 13 – Quando Te Ver Vira Arma Pro Mundo
14
Capítulo 14 – Se For Pra Afundar, Que a Gente Respire Antes
15
Capítulo 15 – Se o Mundo Vai Invadir, Que Veja Tudo
16
Capítulo 16 – Vejo Você Mesmo Nos Dias Que Você Não Aguenta Se Olhar
17
Capítulo 17 – A Verdade é Bonita, Mas Machuca Quando Cai no Mundo
18
Capítulo 18 – O Tiro Veio de Dentro
19
Capítulo 19 – Que Eu Suba no Ringue Sem Esquecer Quem Me Levantou
20
Capítulo 20 – O Peso do Silêncio Antes do Primeiro Golpe
21
Capítulo 21 – Eu Quase Caí, Mas Lembrei Quem Me Esperava no Canto
22
Capítulo 22 – O Silêncio Depois da Tempestade
23
Capítulo 23 – O Amor Mora Onde Ninguém Filma
24
Capítulo 24 – Me Toca Como Quem Não Tem Medo de Ficar
25
Capítulo 25 – Quando o Mundo Encosta na Porta Mas a Gente Não Abre de Cara
26
Capítulo 26 – Quando o Mundo Bate Forte e Eu Só Quero Que Você Segure Minha Mão
27
Capítulo 27 – Se For Pra Mostrar, Que Seja de Mãos Dadas
28
Capítulo 28 – Às Vezes Não É o Passado Que Volta, É a Dor Que Nunca Foi Embora
29
Capítulo 29 – Quando as Palavras Saem da Nossa Boca e Entram na Boca do Mundo
30
Capítulo 30 – Eu Também Tenho Dias em Que Eu Não Sei Me Carregar
31
Capítulo 31 – Quando a Dor Vira Documento e a Voz Ganha Forma
32
Capítulo 32 – Se For Pra Falar, Que Seja Pela Nossa Voz
33
Capítulo 33 – Quando a Data Chega, E o Silêncio Também
34
Capítulo 34 – Quando o Corpo Vai Antes da Voz
35
Capítulo 35 – Quando Eu Falo, Eu Não Tô Voltando, Eu Estou Me Libertando.
36
Capítulo 36 – Depois da Tempestade, a Paz Não Faz Barulho
37
Capítulo 37 – Nem Toda Porta Precisa Ser Aberta
38
Capítulo 38 – A Voz Começa Onde o Grito Acabou
39
Capítulo 39 – A Dor Que Vem de Outro Corpo, Mas Que Já Morou no Seu
40
Capítulo 40 – Quando a História de Outro Parece Ter Saído do Seu Corpo
41
Capítulo 41 – Crescer Também é Ser Visto Por Quem Você Queria Esquecer
42
Capítulo 42 – Vozes que Escutam, Vozes que Sabem
43
Capítulo 43 – Quando o Silêncio Revida
44
Capítulo 44 – Voz que Quebra Correntes
45
Capítulo 45 – A Pele Começa a Queimar

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