Duelo.

Entre os espectadores que começavam a se reunir no pátio da academia, um jovem observava em silêncio. Vestia o uniforme impecável da Casa Valemont, uma das linhagens mais respeitadas entre os nobres. Seus olhos cinzentos varriam o ambiente com calma, até que pararam nela.

Amaya LeRouge.

Enquanto os risos e deboches ecoavam em volta dela, Adrian apenas observava. Não havia arrogância em seu olhar, apenas uma curiosidade sincera... e uma fagulha de admiração. A forma como ela sustentava a postura, o queixo erguido mesmo diante do escárnio, fez algo dentro dele se mexer.

Quando o líder do grupo desafiou Amaya, Adrian deu um passo à frente, mas parou.

Ela não precisava de defesa.

Ela era a tempestade que se formava antes mesmo do primeiro movimento com a espada.

— Interessante... — murmurou para si, cruzando os braços enquanto o duelo se aproximava. — Quem é você de verdade, Amaya LeRouge?

Na véspera do duelo...

Ainda era cedo quando me levantei naquela quinta. O sol mal havia tocado as janelas do dormitório, mas eu já estava de pé, mexendo na minha espada como se fosse uma extensão do meu próprio braço.

— Então é amanhã... — murmurei para mim mesma, girando a lâmina no ar, sentindo o peso, o equilíbrio, a precisão.

Vesti algo simples, prendi o cabelo e fui treinar. Ninguém precisava ver. Ser subestimada era a minha arma mais afiada. Treinei sozinha por horas. Estocadas, giros, bloqueios. Cada golpe era milimetricamente calculado. E quando meu corpo começou a suar, eu sorri. Isso era só o aquecimento.

No dia seguinte, fim de tarde...

Eu caminhava tranquilamente pelos corredores da academia, a mochila pendurada num ombro, quando ouvi passos atrás de mim — rápidos, determinados. Antes que pudesse me virar, fui cercada.

— Vocês têm certeza que isso não vai dar errado? — perguntei com tédio, olhando de um para o outro.

— Cala a boca, LeRouge — um deles rosnou. — O Armand quer você agora.

Não resisti. Por quê? Porque isso fazia parte do show.

Eles me arrastaram para o campo atrás do estábulo da academia, um lugar isolado, onde duelos não autorizados aconteciam com certa frequência... e convenientemente ignorados pelos professores.

Lá estava ele: Armand. Orgulhoso, como sempre, vestido como se fosse para um baile, e não para um combate.

— Que pontual, LeRouge — ele debochou.

— Que previsível, Armand — retruquei com um sorriso.

Puxei minha espada com leveza e caminhei para o centro do círculo formado pelos outros covardes que o acompanhavam.

— Vamos acabar logo com isso — ele disse, avançando.

O som das espadas ecoou no campo. Armand era rápido, admito. Mas força bruta e movimentos ensaiados nunca superariam leitura de combate.

Desviei de seus primeiros ataques como se estivesse brincando. Fiz questão de deixar que parecesse difícil. Comecei a ofegar, deixei os ombros caírem, e até escorreguei propositalmente um dos pés na terra.

— Já está cansada? — ele zombou, rindo alto.

— Um pouquinho... — murmurei, com um sorriso malicioso. — Mas não do que você pensa.

Então me movi.

Três passos rápidos, uma finta, a lâmina do meu florete deslizou perigosamente próxima ao seu pescoço. Ele recuou, surpreso.

Agora era a minha vez.

Eu o deixei me atacar de novo, mas dessa vez, quando ele veio, bloqueei com força, torci o punho dele e o empurrei para trás com um chute certeiro no estômago. Ele caiu, engasgando.

— Tá tudo bem, Armand? — provoquei, andando em círculos ao redor dele.

Ele se levantou aos tropeços e avançou de novo.

Foi aí que me cansei da brincadeira.

Com um giro rápido, desviei de seu golpe e acertei-lhe uma estocada certeira na clavícula — não letal, mas dolorosa o suficiente para que ele gritasse e largasse a espada. E antes que pudesse pensar em qualquer reação, meu punho acertou seu queixo.

Ele caiu. Nocauteado. Silêncio.

— Espero que tenha valido a vergonha, Viscondinho — falei, sacudindo a poeira da minha roupa e guardando a espada.

E sem esperar pelos murmúrios, olhares espantados ou possíveis ameaças vazias, saí do campo com a cabeça erguida.

Aquilo tinha sido divertido. Mas seria a última vez que faria algo do tipo, não posso mais me dar ao luxo de chamar atenção indesejada, preciso continuar agindo como a vergonha dos LeRouge.

Voltei pro dormitório com os passos tranquilos, analisando quais seriam meus próximos passos, mas era impossível, pois sempre pensava na minha vitória . O corpo pedia descanso, mas a mente ainda vibrava com a emoção do duelo. Passei pelos corredores sem pressa, ignorando os olhares curiosos e os cochichos — eu sabia que os rumores já estavam se espalhando como fogo em campo seco.

Entrei no meu quarto e tranquei a porta com um estalo. Me joguei na cama, olhando o teto por um momento, pensando em como tudo estava diferente... e ainda assim tão familiar. Viver de novo tinha suas vantagens — e eu pretendia usá-las até a última gota.

— Amanhã eu tenho trabalho na Guilda... — murmurei, antes de fechar os olhos.

No dia seguinte, logo cedo...

O céu ainda era de um azul claro pálido quando deixei os muros da academia. Vestida com roupas simples, mas firmes, amarrei o cabelo em um rabo de cavalo prático e segui para o distrito central.

As ruas começavam a encher com feirantes, guardas e nobres apressados. Eu já conhecia bem aquele caminho — a Guilda Luminaris ficava numa esquina charmosa, com sua placa de madeira entalhada com o símbolo de uma tocha em chamas.

Assim que entrei, fui recebida com o calor de sempre.

— Olha só quem chegou cedo! — disse Elvar, o anão que cuidava da parte de forja e manutenção de armas da guilda. — Tá parecendo uma mini guerreira hoje, hein?

— Ela é uma guerreira, só ainda não sabem disso — retrucou uma mulher alta, de cabelos escuros trançados até a cintura, jogando um pano de prato no ombro. Era Mireya, a cozinheira da guilda.

Todos me trataram com um carinho que ainda era estranho pra mim. Era... natural demais. Carinhoso demais. Quase desconfortável — mas no bom sentido.

O próprio chefe da guilda, Mestre Tolen, desceu das escadas sorrindo ao me ver.

— Bom dia, minha estrela. Dormiu bem? — ele perguntou, com aquele olhar firme, mas caloroso. A barba, já começando a ficar grisalha, dele sempre me lembrava um urso velho e protetor.

Assenti com um leve sorriso.

— Dormi sim. Hoje posso ajudar no que precisarem.

— Você vai comigo pro estoque, vamos fazer a contagem das poções e registrar tudo. E depois... bem, talvez eu tenha uma missão leve pra você observar. Que tal?

— Perfeito — respondi, já me sentindo parte daquilo tudo.

Era estranho.

Ali... eu não era tratada como inútil, ou como uma vergonha para a família. Eu era simplesmente Amaya. E por algum motivo, todos pareciam me ver com olhos gentis — como se enxergassem um valor que, em outra vida, nunca reconheceram.

E naquele momento, pela primeira vez em muito tempo... eu sorri de verdade.

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Codigo cereza

Codigo cereza

Me fez sorrir já.

2025-04-17

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