Atravessamos um corredor apertado, com chão de madeira rangente e paredes forradas por velhas missões já cumpridas. O cheiro de tinta, fumaça e suor pairava no ar. Finalmente, o homem empurrou uma porta para uma salinha nos fundos, iluminada apenas por uma pequena lanterna mágica suspensa no teto. Havia uma mesa no centro, duas cadeiras e um armário trancado por correntes.
Ele fez sinal para que eu me sentasse e, depois de um momento de silêncio, perguntou:
— Você disse que tem dinheiro. Não costuma ser uma frase comum vindo de alguém... do seu tamanho.
Abri minha bolsinha de couro com cuidado. Lá dentro, apenas algumas moedas douradas, uma ou duas prateadas. Não era uma fortuna — muito longe disso. Mas o suficiente para chamar atenção. Empurrei para ele sem hesitar.
— Isso é tudo o que tenho. Juntei com pequenos trabalhos nos últimos meses: lavando armaduras, entregando cartas e ajudando na limpeza do templo principal. — Respirei fundo. — Era pra comprar um presente de aniversário pra minha mãe.
Ele parou por um instante, olhando para mim com um brilho curioso nos olhos.
— E por que gastaria isso aqui? Em informações?
Desviei o olhar, sentindo aquele nó familiar no estômago. A memória voltou sem ser convidada: o embrulho bonito, os olhos esperançosos, o sorriso falso da minha mãe ao aceitar o presente... e horas depois, ver o embrulho amassado no lixo, intacto, sem nem ter sido aberto.
— Se quer tanto saber, eu o digo por três moedas de ouro. — Minha voz saiu firme e sem emoção. — Quero saber o que o clã LeRouge tem feito pelas sombras, não me esconda nada.
O homem assobiou baixinho, impressionado e soltou uma risada.
— Você não é uma criança qualquer… Tá certo. Vamos ao que interessa.
Ele se recostou na cadeira, cruzando os braços.
— A Guilda Luminaris ouviu sussurros, nada concreto ainda, mas… o nome LeRouge tem aparecido com frequência entre nobres caídos e comerciantes falidos. Parece que o ducado está comprando territórios em nome de terceiros, usando empresas-fantasmas, e algumas rotas de escravidão no sul passaram a ter proteção extra de soldados com brasões “desconhecidos”... mas se olhar bem, são versões modificadas do símbolo LeRouge.
Meu coração apertou. Era cedo demais. Eu sabia que os crimes da família começariam por baixo, pelas sombras — mas já estarem se movimentando assim?
— E tem mais — ele continuou, olhando ao redor como se temesse ser ouvido. — Dizem que o filho mais velho, Darius, começou a frequentar templos ocultistas. Nada confirmado, claro… mas sumiços têm acontecido perto desses locais.
Meus dedos apertaram o tecido do vestido. Eu sabia. Aqueles malditos gêmeos. Darius e Damian eram a essência do mal desde pequenos.
— Obrigada — disse com firmeza. — Isso já me ajuda a começar.
O homem se levantou e caminhou até a porta.
— Um aviso, garotinha… — disse, olhando por sobre o ombro. — Se for cutucar a podridão de um ducado, esteja preparada para se sujar inteira.
— Eu nasci no meio da podridão. Me sujar mais do que já estou, é impossível. — retruquei, de pé.
Ele sorriu de canto, como se gostasse da resposta.
— Volte quando quiser. A Guilda Luminaris vai estar te observando. — Ele disse com um brilho misterioso no olhar, assenti com a cabeça.
E com isso, saí pela porta lateral da guilda, de volta às ruas escuras do império.
Agora, com certezas em mãos e sede de justiça no peito.
No caminho de volta para a academia, os sons da cidade iam se tornando distantes, abafados pelo barulho dos meus próprios pensamentos. Já era fim de tarde, o céu tingido por tons alaranjados enquanto o sol se despedia atrás das muralhas do império. Andava com passos firmes, mesmo cansada. Tinha muito no que pensar.
“Gastei uma pequena fortuna hoje...” — pensei, olhando para minha bolsa praticamente vazia. — “Mas valeu a pena. Informações são mais valiosas que ouro agora.”
Respirei fundo. Estava claro o que precisava fazer. Eu não podia atacar a família LeRouge tendo apenas doze anos, mal consigo erguer uma espada direito, vou precisar reunir provas o bastante para apresentar para o Imperador. Teria que reunir tudo aos poucos, como uma peça de xadrez posicionada com estratégia.
Plano número um: informações.
Sabia que boa parte das sujeiras da minha família passava despercebida aos olhos do império, mas sempre havia alguém que sabia demais. Comerciantes quebrados, nobres rebaixados, plebeus ignorados... Eu precisava me infiltrar nesses círculos. Aos poucos, com disfarces, com histórias convincentes. Talvez até voltar à guilda e conseguir um trabalho simples que me aproximasse de fontes confiáveis.
Plano número dois: treinamento.
Preciso manter meu corpo em forma, pois quando a família cair, não poderei mais ficar no império e vou precisar saber-me defender, na minha vida passada consegui chegar até o nível de especialista da espada e não consegui passar disso. Nessa vida eu vou ultrapassar esse limite, não importa o que eu tenha que fazer!
Assim que entrei no dormitório da academia, me tranquei no pequeno quarto e encarei meu reflexo no espelho. Era estranho ver aquele rosto jovem novamente, os olhos ainda não tão marcados pela dor. Mas o que importava agora era o fogo que queimava dentro de mim.
Só o que me pegava um pouco é o fato de eu ter que passar pela puberdade pela segunda vez!
Lacrimejando, ajoelhei ao lado da cama, puxando uma caixa debaixo do estrado. Lá dentro, minha velha espada de treino que eu havia ganhado do mordomo da minha casa, se meu pai soubesse que eu tenho uma, o senhor Jhon perderia a cabeça. A espada era mal equilibrada, com a lâmina levemente torta… mas era o suficiente para começar.
Empunhei a espada com ambas as mãos e me posicionei no centro do quarto. Estava apertado, mas não importava. Executei os movimentos básicos: corte horizontal, estocada, recuo, defesa. Um suor frio já começava a escorrer pela minha nuca. Meu corpo de doze anos não tinha a mesma resistência de antes, e isso só aumentava minha frustração.
— Droga... — murmurei, parando para recuperar o fôlego. — Se quero derrotá-los, vou precisar de muito mais que força.
Suspirei e me sentei no chão, cruzando as pernas. Puxei um caderno velho do baú — um caderno que todo estudante de esgrima recebe assim que entra na academia.
Plano número três: aprender com os erros. Se na outra vida fui fraca demais para enfrentar minha família, desta vez, cada passo seria calculado. Eu me tornaria melhor do que todos eles. Não apenas na espada, mas em inteligência, estratégia e resistência.
Fechei os olhos por um instante. Sentia meu sangue fervendo de ódio e vontade.
— A queda dos LeRouge começa por mim — sussurrei, enquanto o dia finalmente dava lugar à noite.
E com a espada repousando sobre minhas pernas, fiz a promessa silenciosa: a vingança viria. E seria humilhante, cruel e perfeita, eu só vou acalmar meu coração quando eu ver a cabeça de todos eles rolarem.
Após revisar mentalmente meus planos e treinar até meus braços não responderem mais, decidi que era hora de um banho. Meu corpo suava, meu cabelo grudava na testa e até minha roupa parecia ter absorvido parte da frustração do dia.
Segui pelos corredores da academia em direção aos banhos compartilhados, torcendo para não cruzar com ninguém conhecido. Por sorte, o local estava vazio. A água morna que escorria pelo meu corpo trouxe um breve alívio, quase como se lavasse parte do peso da alma junto. Fechei os olhos por alguns minutos, apenas deixando a água cair, tentando acalmar meus pensamentos.
— Ainda não é o suficiente... — murmurei, com o rosto virado para o jato. — Mas vai ser.
Ao retornar para meu quarto, secando os cabelos com uma toalha, quase tropecei na pequena pilha de caixas empilhadas perto da porta. Franzi o cenho, olhando ao redor.
Abri a primeira caixa e sorri de lado: o vestido azul-acinzentado que havia comprado pela manhã, simples mas elegante, feito com tecido fino. Na segunda, havia alguns livros antigos sobre alquimia e história mágica. Já na terceira, os pequenos mimos que havia comprado como presente — sim, aquele mesmo que minha mãe rejeitaria novamente, se eu ainda o desse nesta linha do tempo.
— Entregaram tudo… até que fui tratada como uma verdadeira dama do ducado hoje — ironizei, me agachando para organizar as caixas.
Mesmo vestida apenas com a camisola da academia, não pude deixar de sentir uma pontinha de orgulho. Era um passo pequeno, quase insignificante para quem desejava destruir um ducado inteiro... mas ainda assim, era um passo.
Coloquei o presente bem guardado no fundo de uma gaveta, longe dos olhos curiosos. Ele não seria entregue — não desta vez. Era apenas uma lembrança do quanto as pessoas podem fingir... e do quanto eu precisava manter meu coração blindado.
Me sentei na cama, olhando os objetos ao meu redor. Cada um deles agora tinha um novo significado: ferramentas para o meu renascimento. Para a queda dos LeRouge.
E amanhã... amanhã eu pensaria em uma maneira de conseguir mais informações sobre o passado LeRouge.
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Atualizado até capítulo 25
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