Já havia se passado um mês desde que eu retornei, treino com a espada diariamente e também treino o meu físico, pode se dizer que eu tive uma melhora bem significativa. O que eu aprendi em dois anos, na minha vida passada, eu levei duas semanas aqui. Também voltei a guilda e perguntei se não podia trabalhar lá nos fins de semana e, por incrível que pareça, eles me aceitaram. Agora eu sou a varredora oficial da Luminaris.
O dia amanheceu cinzento, o céu coberto por nuvens que deixavam a luz difusa e melancólica. Após mais algumas horas de estudo, desci ao jardim interno da academia durante o recreio, onde a maioria dos alunos aproveitava para descansar ou exibir suas habilidades em duelos públicos.
Sentei num banco de pedra ao lado de uma fonte, abrindo um dos livros que havia pegado cedo na biblioteca — "Dinâmicas de poder nas casas nobres do Império". Uma leitura estratégica, claro. Mas minha atenção não durou muito.
— H-Hey... posso me sentar aqui? — uma voz suave me tirou do foco.
Levantei os olhos e dei de cara com um garoto franzino, mais ou menos da minha idade — talvez um ou dois anos mais velho — com cabelos castanhos bagunçados e olhos verdes que não se sustentavam nos meus. Ele segurava um pão pela metade e trazia uma expressão hesitante no rosto.
— Pode — respondi com um aceno de cabeça, voltando os olhos para o livro.
Ele se sentou devagar, tentando não fazer barulho. Seu jeito retraído chamou minha atenção. Quando olhei de relance, notei algumas marcas roxas em seu braço, visíveis pelas mangas ligeiramente arregaçadas. Hematomas.
Minha sobrancelha arqueou.
— Você treina esgrima também? — perguntei, mantendo o tom casual.
— Treino... um pouco — disse sem muita firmeza, olhando para frente como se evitasse minha curiosidade.
— Isso não parece ‘só treino’. — Comentei, observando as marcas.
Ele puxou as mangas rapidamente e ficou visivelmente desconfortável. Um silêncio curto se instalou, até que ele murmurou:
— Me chamo Bruce D’Arment.
— Amaya LeRouge. — respondi, ainda o observando, notei que ele arregalou seus olhos levemente e desviou o olhar.
Bruce D’Arment... Um nome que eu conhecia. Na minha vida passada, ele se tornaria o capitão da guarda imperial. Uma figura séria, firme, admirada por todos... Mas aqui estava ele, um garoto tímido, visivelmente marcado e calado demais para alguém com tanto potencial.
— Essas marcas... — comecei, sem rodeios. — Não foram da sua família, foram?
Ele balançou a cabeça, mas permaneceu em silêncio. O olhar dele vacilou, caindo para as próprias mãos. Aquilo foi resposta suficiente.
— Os filhos da nobreza não sabem brincar — acrescentei, com um leve veneno na voz.
Vi sua expressão se fechar, o maxilar se apertando.
— Não quero causar confusão... — murmurou.
— Eles já causaram por você — rebati, seca. — E pelo visto, por mim também. — Mostrei discretamente um arranhão no braço, resultado de um "acidente" na aula prática de esgrima na semana passada.
Bruce pareceu surpreso, depois triste. Mas não disse nada. Ficamos em silêncio por alguns segundos, o som da fonte preenchendo o vazio entre nós.
— Obrigado por... não insistir — disse, finalmente. Agradecimento sincero, mesmo sem dizer muita coisa.
— Não vou insistir. Mas se quiser treinar, estudar ou só ficar quieto em paz, pode me procurar.
Ele assentiu, com um meio sorriso tímido. Pela primeira vez, parecia respirar com um pouco menos de tensão.
Bruce e eu conversávamos sobre os diferentes estilos de esgrima praticados no império — ele conhecia alguns nomes famosos e eu fingia estar conhecendo tudo pela primeira vez, mesmo que por dentro já soubesse como cada um deles morreria nas guerras do futuro. Ainda assim, a conversa era leve, agradável, e pela primeira vez em dias, me senti… normal.
— Você lê bem rápido — comentou Bruce, olhando para o livro que eu havia trazido.
— Costume — respondi, sorrindo de lado. — Na minha... antiga casa, não havia muito o que fazer além de estudar.
Ele assentiu, e por um instante o silêncio foi confortável.
Mas como toda paz é temporária, especialmente em um lugar lotado de filhotes de nobres arrogantes, logo ouvi o som de passos apressados, risadinhas maldosas e tons debochados ecoando pelo jardim. Não precisei olhar para saber o que vinha por aí.
— Ora, ora… Se não é a aberração LeRouge e seu cachorrinho de estimação — disse uma voz melosa e odiosa.
Virei o rosto devagar e vi o grupo se aproximando. Filhos de condes, viscondes e um ou outro marquês. Eram cinco ao todo, três garotos e duas garotas, todos vestidos com os uniformes impecáveis da academia e olhares carregados de superioridade. No centro, sorrindo como se já tivesse ganho alguma batalha, estava Armand Valorian, o filho mais velho de um visconde influente e, claro, o líder da matilha.
— Ignora — murmurou Bruce, encolhendo-se.
Mas eu não estava com humor pra isso.
— Sabe, Armand, você fala tanto que às vezes fico preocupada com o tanto de ar que falta ao seu cérebro — rebati, erguendo o queixo com desdém.
As risadas cessaram por um instante. Armand arqueou uma sobrancelha.
— E ainda tem língua afiada, mesmo sendo uma sombra do que sua família já foi. Deve ser genético.
— Ah, você entende de genética agora? Esperava menos vindo de alguém que repete o primeiro ano há dois ciclos — retruquei com um sorrisinho cínico.
Antes que a coisa escalasse, uma figura se aproximou com passos determinados. Era um garoto que eu ainda não conhecia — aparentemente novato. Tinha olhos sérios, cabelos brancos curtos e usava o uniforme sem nenhum adorno ou joia, o que o destacava entre os outros filhos de nobre.
— Já chega — disse ele, parando entre mim e Armand. — Isso aqui é uma academia, não um teatro para egos inflados. Por que não crescem um pouco?
O grupo riu, debochado. Armand cruzou os braços.
— E você é quem, exatamente? Um plebeu que se perdeu no caminho da cozinha?
— Sou Adrian, filho do Conde Valemont. — O garoto manteve a postura. — E diferente de vocês, eu não me escondo atrás do nome da minha família.
Amaya cruzou os braços e observou, surpresa com a ousadia do novato. Ele não só interveio — ele peitou os valentões.
— Que gracinha — zombou uma das garotas, se encostando em Armand. — Tá tentando impressionar a aberração?
— Não preciso impressionar ninguém — disse Adrian, firme. — Só tenho nojo de covardes.
Armand cerrou os punhos. Depois virou-se para mim com um sorriso gelado.
— Muito bem, LeRouge. Já que você adora falar, que tal provar que ainda tem algo da “nobre linhagem” que tanto se orgulha? Eu te desafio para um duelo. Amanhã. Arena secundária. Meio-dia.
Bruce arregalou os olhos. Adrian olhou pra mim, preocupado.
Eu, no entanto, sorri. Um sorriso frio, perigoso. Mesmo sem estar no meu auge, aquilo poderia ser útil.
— Aceito — respondi. — Mas não vá se arrepender de lutar com alguém que já nasceu preparada para o inferno.
Armand riu e se afastou com o grupo, jogando mais provocações no ar, que ignorei por completo.
Bruce parecia aflito. Adrian me observava com uma mistura de respeito e surpresa.
— Tem certeza disso? — ele perguntou.
— Não. Mas quem disse que precisamos ter certeza pra fazer o certo?
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Atualizado até capítulo 25
Comments
Celty Sturluson
Essa história me prendeu 🤩
2025-04-17
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