uma camiseta com a cara de um gato julgador

Quando eu finalmente entrei em casa, parecia que um caminhão tinha passado por cima de mim. Suor grudado, maquiagem borrada, o ombro latejando por causa da porrada com a porta do elevador, e uma mancha suspeita de café no joelho. E o mais engraçado? Eu tava sorrindo.

Fui direto pro quarto, jogando a bolsa em cima da cama como se ela tivesse me traído. Tirei a roupa como se ela tivesse culpa de tudo, joguei tudo no cesto (que já tava explodindo), e fui pro banho com a dignidade de uma vitoriosa. A água quente parecia estar me batizando de novo, lavando a vergonha, a dor no corpo e o cheiro de elevador luxuoso misturado com o meu desodorante vencido.

Saí enrolada na toalha, parecendo uma mistura de mendiga de spa e rainha da zona leste. Coloquei meu pijama favorito — um short com estampa de abacate e uma camiseta com a cara de um gato julgador. Porque sim. Porque esse era o mood.

Fui pra sala e lá estavam elas: minha irmã Júlia e minha vó, Dona Dolores a guardiã da bengala e das verdades que ninguém quer ouvir.

— Oi. — soltei, com a voz mansa, me arrastando até a cadeira como uma sobrevivente de reality show.

— Oi nada! — Julia levantou a cabeça do prato, os olhos brilhando de expectativa — Senta aqui e me conta tudo. Detalhes. Eu quero saber até a cor da cueca do teu chefe!

Minha vó deu uma fungada.

— Aposto que fez merda. Tá com cara de quem fez merda.

— Ai, vocês não têm ideia... — suspirei, colocando arroz no prato e mentalmente me preparando pra reviver o trauma.

E eu contei. Tudo. Do começo. Do salto afundando no asfalto, da entrada triunfal, da porta do elevador me dando um soco no ombro, da queda em cima do CEO (com o peito colado no peito dele, detalhe que Mariana fez questão de repetir três vezes entre gargalhadas), do silêncio tenso, da entrevista improvisada, da papelada assinada e da saída triunfal onde ele me disse, sem emoção nenhuma: “Nos vemos amanhã”.

Minha vó deu uma batidinha com a colher na mesa:

— Pelo menos conseguiu o emprego. Milagre. Achei que ia voltar com a polícia atrás.

— Obrigada pela fé, vó. De verdade.

Julia não conseguia parar de rir.

— E ele é bonito? Fala sério.

— Ele é... bonito. E frio. Parece um iceberg. Se me chamar de “Rose” amanhã, eu me jogo do navio.

Terminamos o jantar assim, entre gargalhadas, julgamentos e a certeza de que, mais uma vez, eu fui eu mesma. Do jeito mais caótico possível.

O despertador tocou às cinco da manhã. Cinco. Da. Manhã. Eu quis morrer, mas lembrei que tinha um emprego novo pra ir, e uma reputação pra salvar. Levantei com o cabelo parecendo uma juba de leão atropelado e fui direto escolher a roupa.

Escolhi a melhor que eu tinha. Na minha cabeça, era a melhor. Na prática? Um vestido vermelho justo, com decote ousado e estampa de flores que gritava “estou aqui, olhe para mim”. Era chamativa? Era. Mas eu me senti poderosa. E lembrei do detalhe: o chefe olhou pros meus peitos. Pronto. Vai ter decote sim. E se ele achar ruim, que vire a cara.

Saí de casa igual uma celebridade atrasada: cabelo solto, batom vermelho, salto nos pés e um medo danado de tropeçar no meio da rua. Peguei o metrô me equilibrando que nem equilibrista bêbada, e cheguei na empresa como quem chega num tapete vermelho invisível.

Já na recepção, fui recebida por Camilla Rocha, 32 anos, sorriso afiado e olho que brilha por fofoca.

— Você deve ser a Joyce. A menina do elevador?

— A própria.

— Eu sabia que era você! A história já tá correndo aqui.

— Meu Deus, não vai dar nem tempo de pedir um café?

Segundo contato: Henrique Oliveira, 28 anos, analista financeiro, óculos fundo de garrafa, cara de quem lê contrato por diversão.

— Oi, tudo bem? Você é nova?

— Sim. E você é sempre assim nervoso ou fui eu que te deixei sem graça?

Ele ficou vermelho. Quase engasgou com o ar.

Adorei.

Depois reencontrei Tati do RH, trinta anos de beleza, poder e carisma.

— Joyce, eu sabia que tinha feito a escolha certa.

— Tati, você é um anjo. Me adota.

Ela riu. Me abraçou. Já amo.

Por último, conheci o famoso Murilo Vasconcelos, 35 anos, vice-presidente da empresa e claramente a alma sociável do lugar.

— Então você é a protagonista da saga do elevador?

— Infelizmente, sim.

— Adorei. Leonardo precisa de gente assim aqui.

— Ele precisa de um pouco de terapia, talvez.

— Isso também.

E finalmente... chegou a hora. Respirei fundo, passei um gloss (mesmo tremendo), e entrei.

A sala do chefe era a cara dele: limpa, organizada, sem uma alma viva de cor. Tudo no lugar. Até o relógio parecia mais sério ali dentro. Um museu de formalidade. Senti que meu vestido vermelho berrava ali dentro.

Ele me olhou. De cima a baixo. Rápido. E falou:

— Teremos uma reunião externa hoje. Me acompanhe.

E virou de costas.

Só isso.

Nem bom dia.

Nem "gostei da roupa".

Nem "você parece uma bandeira do Brasil estilizada".

E eu? Dei um sorrisinho, virei o ombro e fui atrás dele.

Na minha cabeça?

“Se ele acha que vai me ignorar vestida assim, ele tá é lascado.”

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Paloma Sousa

Paloma Sousa

Vamos ser mais preservados

2025-05-03

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