Entre Códigos e Ossos

Capítulo 4 – Entre Códigos e Ossos

Vicente

O mapa era rudimentar, feito à mão. Nicolai o desenhou em um guardanapo imundo enquanto tomavam café frio em uma padaria esquecida.

— Isso aqui... — apontou para o traço torto que atravessava uma ala subterrânea — é o velho canal de escoamento de vinho. Nos anos 50, os Mancini usavam pra contrabando de armas.

Vicente franziu o cenho.

— E agora?

— Agora é uma passagem fantasma direto para o depósito da mansão. Mas precisa de duas coisas: um código biométrico e um número de autenticação.

— O código biométrico é o DNA. O sangue.

— Exatamente. E você já tem o outro fator. Está no diário.

Vicente encarou o caderno preto de Lara. Uma das páginas estava coberta por números e datas embaralhadas — ele pensava que era um código sentimental. Um memorial. Mas agora...

— Um código de acesso?

Nicolai assentiu.

— Lara sabia. Ela descobriu muito mais do que devia.

Vicente se levantou.

— Então chegou a hora. Eu entro. Com ela.

— Acha mesmo que a garota vai seguir com você até o inferno?

Vicente olhou pela janela, onde a chuva voltava a cair com força.

— Ela já mora lá.

---

Estela

Na manhã seguinte, a mansão estava estranhamente silenciosa. Arturo havia viajado “a negócios” e levaria dois dias fora. Um dos poucos momentos em que os corredores não estavam cheios de olhos e ouvidos.

Estela aproveitou para agir.

Colocou um boné, óculos escuros e saiu pela garagem secundária dirigindo o carro antigo da família, um Mustang 1967 que quase ninguém usava.

Foi até o endereço que Vicente havia deixado num bilhete escondido dentro de um livro de T.S. Eliot. “Encontre-me onde o silêncio come os ossos.” Uma metáfora que ela reconheceu na hora. A antiga estação de trens, desativada desde 2008.

Ele estava lá.

Encostado na pilastra de ferro, as mãos nos bolsos, olhar cansado, barba por fazer.

Estela estacionou, desceu e parou a poucos metros dele.

— É perigoso estarmos aqui — disse ela.

— Perigoso é não fazermos nada.

Ela hesitou. Depois deu um passo à frente.

— Meu pai vai matar você.

— Que tente. Mas antes... ele vai perder tudo.

Ela o encarou, sentindo o coração bater de forma descompassada. Cada vez que o via, algo dentro dela se quebrava e se reconstruía com outra forma.

— Você está pronto pra isso, Vicente?

— Estou pronto pra morrer.

— Eu não.

Ele estendeu a mão.

— Então vive comigo. Nem que seja só por mais uma noite.

Ela segurou a mão dele.

E foi como saltar de um prédio.

---

À noite

O esconderijo de Vicente era frio, mas o calor entre os dois preenchia cada fresta da alma. Ela tirou o casaco, os sapatos, a armadura invisível. Ele a observava como se cada movimento dela fosse sagrado.

— Eu odeio o que sinto — sussurrou ela.

— Eu também. Mas não quero parar.

— Meu corpo já não é meu, Vicente. Está marcado pela guerra dos nossos pais.

Ele se aproximou, tocando o rosto dela.

— Então me deixa reescrever tua história com as mãos.

O beijo foi diferente. Não era pressa. Era desespero suave. Como se os dois estivessem tentando memorizar um ao outro antes que o mundo acabasse.

As roupas caíram em silêncio. Os corpos se encontraram como promessas esquecidas. Não havia pressa. Só entrega. Só dor em forma de toque.

— Você é um incêndio — disse ele, ofegante.

— E você... é o fósforo.

Depois, deitados no colchão fino, ela tocou seu peito.

— O que acontece depois?

— A gente entra. Pegamos o que precisamos. E saímos.

— E se não der certo?

Ele a encarou.

— Então pelo menos morremos sabendo que fomos reais.

---

Mais tarde

Vicente mostrou a ela o mapa. Explicou os acessos. Os horários de troca dos vigias. O código numérico. Ela memorizou tudo com precisão de quem foi criada entre códigos e punições.

— E o sangue? — perguntou.

Ele olhou pra ela, sério.

— Vai doer.

Ela estendeu o braço.

— Já estou acostumada.

Vicente enfiou a agulha sem tremer. Retirou 5ml de sangue, armazenou em uma ampola refrigerada. Em seguida, selou e guardou.

— Você confia mesmo em mim? — ele perguntou.

Estela o olhou fundo nos olhos.

— Confiança é um luxo. Mas entre você e meu pai? Eu prefiro cair contigo.

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Arturo – Interlúdio

O homem trajado de cinza entrou em seu escritório com expressão tensa.

— Senhor. Rastreamos um dos aparelhos de vigilância que foi desativado.

Arturo cruzou os dedos.

— Onde?

— Na estufa. Ontem à noite. A senhorita Estela desenterrou algo ali.

Arturo sorriu, lento.

— A curiosidade é um vírus. E minha filha está infectada.

— Ordem, senhor?

— Não. Ainda não. Vamos deixá-la cavar mais fundo.

Pausa.

— E quando ela chegar ao fundo... enterramos viva.

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