PARTE I • Capítulo 03 • Elena Franco

Quatro anos depois...

Estou sentada no canto da cama, com o rosto escondido entre os joelhos, esforçando-me para conter as lágrimas que insistem em rolar pelo meu rosto. O traje que usei no concurso que participei hoje ainda está espalhado na cadeira, porém a coroa que minha mãe me obrigou a usar reluz no canto da estante, servindo como um lembrete do que não posso evitar.

Conquistei mais um concurso hoje, mas tudo que sinto é fadiga física e mental. Às vezes, tenho vontade de abandonar tudo, me perder no mundo sem que ninguém me encontre, mas reconheço que isso é inalcançável.

O fardo de ser constantemente a mais perfeita, a boneca perfeita, como minha mãe me chama, esmaga a minha alma e, aos poucos, está me consumindo.

Soluço suavemente, na esperança de que ela não me escute. Não desejo mais ouvir um sermão. Na realidade, nada do que ela diz faz sentido para mim. Ela jamais compreenderia o que estou experimentando. Para minha mãe, o que estou experimentando, a minha invencibilidade, representa o ponto alto da sua existência.

Para ela, o que realmente importa é vencer. Nada relacionado à minha saúde mental e aos meus desejos pessoais deve me preocupar, apenas devo ser bela, elegante e impecável. Mas o que se passa com a garota que está por trás da maquiagem? O que se passa com Elena? Se for verdadeira, nem mesmo eu tenho mais certeza.

Ouço um som delicado no vidro da janela, uma pequena pedra estala chamando a minha curiosidade. O meu coração acelera e, por um instante, perco a noção do vasto mundo ao meu redor.

Tenho certeza de quem é. A única pessoa capaz de me compreender, de estar ao meu lado, frequentemente em silêncio, nos momentos mais críticos. Enrico. Ele veio novamente por mim.

Rapidamente me levanto e corro em direção à janela. O meu quarto está praticamente sem luz. A única fonte de luz é o luar que clareia a rua e um modesto abajur.

Ao abrir a janela, vejo Enrico com um sorriso sereno no semblante. Ele sobe pela moldura da janela com a rapidez de quem já realizou essa tarefa inúmeras vezes. Ele está mais alto, mais robusto e percebo uma maturidade em seu rosto que não era perceptível há alguns anos.

Meu amigo, ele não é mais o mesmo garoto. Enrico, aos quinze anos, inicia o processo de se tornar um homem.

- Olá - ele murmura\, já no interior do quarto\, fechando a cortina atrás de si e\, em seguida\, olha para o meu corpo de cima para baixo.

Às vezes fico em dúvida se ele está à procura de um ferimento ou simplesmente admirando o meu corpo, que já começou a se transformar, perdendo suas características infantis.

- Olá - respondo\, tentando secar a face com as palmas das mãos\, para que ele não note que estava em prantos. Estou tentando sorrir\, mas tenho consciência de que ele nota minhas lágrimas. Ele sempre nota.

- Tudo bem? - Ele avança um passo e o aroma familiar de terra e madeira invade o ambiente. Enrico sempre carrega o aroma do trabalho na carpintaria do pai\, algo que me tranquiliza.

Estou sem palavras. Não consigo enganar ele, mas também não desejo que ele perceba o meu estado de ruína. Possivelmente, hoje, estou mais feliz do que em todas as outras ocasiões em que cheguei após mais um triunfo em concurso de beleza.

- Você ganhou novamente\, não é? - Ele aponta para a coroa que está no canto do quarto e solta um sorriso sutil\, que não alcança os olhos.

Eu assumo, mas não expresso nada. Enrico se aproxima da prateleira onde mantenho algumas coisas pessoais e vasculha alguns itens descuidadamente, como se estivesse à procura de algo que nunca encontrará. Ele costuma agir assim quando está ansioso ou quando deseja me dar espaço para falar.

- Enrico... - minha voz falha e ele para de caminhar\, me encarando com aqueles olhos cinza que parecem ver além do que desejo expressar - estou exausto - admito e desabo em lágrimas.

Ele solta um suspiro e se acomoda no chão, colado à minha cama. Ao invés de se expressar, ele estende a mão para mim e, sem hesitar, sento-me ao seu lado e me aconchego contra ele, apreciando o valor do seu corpo contra o meu.

- Elena\, você sabe que não tem que lidar com tudo isso sozinha. – A voz de Enrico é suave e delicada\, e seus braços me envolvem com delicadeza. - Eu estou aqui. Sempre estive e continuarei a estar.

Antes, estar com ele me proporcionava um conforto semelhante ao de um irmão, mas agora... é diferente. Com a sua promessa de permanecer para sempre em minha vida, o calor que sinto ao seu lado é algo inédito para mim.

Não se trata apenas de amizade, mas também do afeto de infância que dividi com ele e Antonio. Em relação ao seu irmão, continuo amando da mesma forma que antes. Quando estou perto de Antonio, meu coração não acelera como quando estou com Enrico, meu corpo não fica arrepiado nem minhas bochechas ardem, é apenas com ele.

Ao refletir sobre tudo o que Enrico provoca em mim, sinto-me segura e simultaneamente vulnerável. É como se somente ele pudesse enxergar a verdade sobre mim, ao mesmo tempo que não posso depositar todas as minhas expectativas e expectativas nele. Afinal, assim como eu, ele ainda é uma criança, na verdade, um adolescente.

Encosto a cabeça em seu ombro e fecho os olhos. O silêncio entre nós é tranquilizador e o prazer de estar perto dele ameniza a solidão sufocante que experimentava minutos atrás. Permanecemos nessa posição por algum tempo, apenas escutando nossas respirações e o ruído distante das árvores ao redor.

- Enrico... - começo\, minha voz soando como um sussurro leve.

- Hm? – ele questiona sem pressa\, sem interromper a conversa\, proporcionando o tempo necessário para começar a desabafar.

- Eu desejava o fim de tudo isso. – As palavras escapam antes que eu consiga controlá-las. - Desejava poder ser apenas Elena novamente. Desejava poder andar pelas ruas com você e Antonio sem que minha mãe me obrigasse a retornar a essa prisão.

Sinto seu corpo se contrair por um momento, mas logo se acalma.

- Eu sei e posso te auxiliar\, já disse isso antes - ele declara serenamente\, com a mesma delicadeza habitual\, porém\, há algo distinto em sua voz hoje. Algo mais sério\, como se ele tivesse consciência de que a vida está se transformando.

- Você não é culpado\, apenas estou desabafando - digo para aliviar o fardo da responsabilidade que você carrega.

- Estou arquitetando algo\, Elena - ele conclui\, voltando o olhar para mim. Os nossos olhos se cruzam e\, por um instante\, o mundo lá fora e as minhas preocupações temporariamente se dissolvem. Concentre-se somente nele. - Estou arquitetando algo que pode te tirar deste lugar. Isso tudo.

Estou tensa nos seus braços, meu coração palpita rapidamente. Ele sempre nos falou sobre fugir, desde a infância, mas hoje existe algo distinto em seu olhar. Uma resolução e uma convicção que nunca presenciei antes.

- Enrico\, o que você quer dizer com isso? – Aproximo-me um pouco para observar melhor seu rosto e percebo sua hesitação\, como se estivesse avaliando suas palavras.

- Ainda não tenho todas as informações\, mas... estou a caminho. Estou próximo de alcançar. Elena\, eu vou te libertar deste lugar. Prometi isso há muitos anos e reafirmo agora: vou te resgatar deste inferno. - Seu tom é sério e\, pela primeira vez\, percebo que ele não está apenas tentando me consolar apenas. Ele realmente tem fé de que é capaz.

- Mas\, como? – questiono\, com a ansiedade se intensificando em meu interior. - Você pretende fugir? Vai me levar com você?

- Apenas acredite em mim\, ok? Eu farei o que for necessário. - Ele não responde imediatamente\, analisa cuidadosamente cada palavra antes de me revelar o plano\, depois passa a mão pelos cabelos\, refletindo.

Eu quero acreditar nele, com todas as minhas forças. Desejo agarrar-me à esperança que ele proporciona, porém, uma parte de mim sabe que o mundo além dessas paredes pode ser arriscado. Entendo que a família dele não possui muitas posses e, a não ser que se envolva em atividades ilegais, ele não seria capaz de me expulsar dessa casa.

A máfia, Riccardo... as histórias que escuto nos sussurros dos adultos não são meras histórias. Se ele for preso, sofrer ou morrer por minha culpa, eu nunca conseguirei me redimir.

- Enrico\, você não pode tomar nenhuma atitude que te coloque em risco - murmuro\, minha voz baixa\, quase imperceptível. - Eu não conseguiria...

Ele se volta para mim, com um sorriso suave enquanto afaga a minha face.

- Elena - suspira - Não peça para que eu te conte agora o que farei. Independentemente das consequências\, desde que eu consiga te salvar\, já comecei o que preciso fazer. Não há como voltar atrás agora. – Seus olhos se contraem\, como se estivesse em uma batalha consigo mesmo. – Mas eu prometo que vou te resguardar. Eu faria de tudo para te ver livre desta existência.

As lágrimas começam a voltar à minha garganta. Eu detesto a dependência dele, a necessidade dele para manter alguma forma de esperança acesa dentro de mim. Simultaneamente, aprecio cada vez mais essa sensação de segurança que somente ele me proporciona.

- Enrico\, eu confio em você. – Sem hesitar\, coloco a mão sobre a dele\, apertando-a vigorosamente\, e\, em seguida\, prendo seu rosto contra o meu\, colando nossas testas. - Eu sempre confiei. - Minha voz sai mais robusta do que eu esperava\, sinto um tremor ao sentir nossas respirações se entrelaçando.

- Elena\, você é especial para mim. Portanto\, eu asseguro que vou te retirar deste lugar. Não permitirei que viva dessa forma para sempre - ele sorri\, porém existe um aspecto de melancolia em seu rosto.

O silêncio entre nós retorna a ser um fardo, porém, desta vez, é distinto. Não é o vazio sufocante de outrora. Trata-se de um compromisso silencioso, um acordo firmado sem palavras. Existe uma transformação em mim e nele. A fronteira delicada entre a amizade entre irmãos e algo mais está se desfazendo e ambos estamos nos dando conta disso.

Sinto meu corpo se acalmar ao seu lado, minha cabeça apoiada em seu peito no momento. O seu braço me envolve e, por alguns instantes, deixo-me sonhar com um futuro alternativo. Que, talvez, juntos, possamos escapar.

No entanto, reconheço que a realidade é dura e que o que ele está arquitetando, mesmo sem a minha presença, pode ser extremamente arriscado. Contudo, opto por acreditar. Porque, no final das contas, Enrico é tudo que possuo.

A noite se aproxima e, mesmo que o mundo ao redor continue hostil, aqui, neste pequeno refúgio que construímos, sinto-me, ao menos temporariamente, protegida. Enrico está aqui e, enquanto estiver ao meu lado, talvez eu consiga escapar desse destino que minha mãe insiste em impor a mim.

Encosto a cabeça, escutando o som cadenciado da respiração de Enrico. Ele é o meu porto seguro em um oceano de incertezas. Embora o mundo à nossa volta esteja se fechando, ainda existe um resquício de esperança.

Se há alguém que pode me resgatar, essa pessoa é Enrico.

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Comments

Dulce Gama

Dulce Gama

autora querida parabéns é a primeira vez que estou lendo seu livro 📕 ainda não li o começo que vc diz que tem mas dóis primeiro que começa a história mas estou gostando achei muito interessante a Elena contando como eles eram na adolescência estou amando muito parabéns 👍👍👍👍👍🎁🎁🎁🎁🎁🌹🌹🌹🌹🌹❤️❤️❤️❤️❤️

2025-04-08

2

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Capítulos
1 Introdução
2 Prólogo • Enrico Palladino
3 PARTE I • Capítulo 01 • Elena Franco
4 PARTE I • Capítulo 02 • Elena Franco
5 PARTE I • Capítulo 03 • Elena Franco
6 PARTE I • Capítulo 04 • Enrico Palladino
7 PARTE I • Capítulo 05 • Enrico Palladino
8 PARTE I • Capítulo 06 • Enrico Palladino
9 PARTE I • Capítulo 07 • Enrico Palladino
10 PARTE I • Capítulo 08 • Elena Franco
11 PARTE I • Capítulo 09 • Enrico Palladino
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17 PARTE I • Capítulo 15 • Antonio Palladino
18 PARTE I • Capítulo 16 • Elena Franco
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22 PARTE I • Capítulo 20 • Enrico Palladino
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27 PARTE II • Capítulo 25 • Enrico Palladino
28 PARTE II • Capítulo 26 • Elena Franco
29 PARTE II • Capítulo 27 • Enrico Palladino
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48 PARTE II • Capítulo 46 • Elena Franco
49 PARTE II • Capítulo 47 • Enrico Palladino
50 PARTE II • Capítulo 48 • Enrico Palladino
51 PARTE II • Capítulo 49 • Elena Franco
52 PARTE II • Capítulo 50 • Elena Franco
53 PARTE II • Capítulo 51 • Enrico Palladino
54 PARTE II • Capítulo 52 • Elena Franco
55 Epílogo 01 • Enrico Palladino
56 Epílogo 02 • Lucca Baroni
Capítulos

Atualizado até capítulo 56

1
Introdução
2
Prólogo • Enrico Palladino
3
PARTE I • Capítulo 01 • Elena Franco
4
PARTE I • Capítulo 02 • Elena Franco
5
PARTE I • Capítulo 03 • Elena Franco
6
PARTE I • Capítulo 04 • Enrico Palladino
7
PARTE I • Capítulo 05 • Enrico Palladino
8
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