- Bonequinha\, levante-se\, hoje é um dia especial! – A voz da minha mãe interrompe a brisa leve do amanhecer que penetrava pela janela do meu quarto. Há algum tempo que estou acordada\, mas optei por fingir que ainda estava adormecida ao invés de encarar o dia de hoje.
Dia de competição. Dia de mais um pesadelo na minha existência.
O tom de voz da minha mãe ao comentar sobre os concursos em que estou envolvida costuma ser empolgado, no entanto, nos dias de competição, seus olhos brilham com uma intensidade distinta. A convicção da vitória a controla.
Eu dormi com a consciência de que essa manhã seria distinta. E, tal como nas outras ocasiões, não me escondi ou tentei fugir do destino que ele havia planejado para mim. Em contrapartida, estava me preparando mentalmente para mais um desafio, não contra as outras participantes do concurso, mas um que travo comigo mesma.
Os concursos de beleza são como campos de batalha para minha mãe e eu, sua pequena general que, apesar de relutar, era levada para o campo de batalha. Ela tinha consciência de que, em poucos segundos, estaria pronta para a batalha, vestida com vestidos deslumbrantes, cabelos impecáveis e um sorriso treinado.
Arrastando meus pés pelo chão, acompanhei minha mãe até a sala de casa, que, como de costume, se transformou num cenário improvisado, com vestidos pendurados em todos os cantos e maquiagens cuidadosamente organizadas sobre a mesa.
Minha mãe, desempenhando o papel de diretora, observando cada pormenor, supervisionando o trabalho das mulheres contratadas para me arrumar em ocasiões como esta, pois é evidente que ela não abriria mão de ter profissionais responsáveis por me tornar ainda mais impecável. Melhorar o trabalho que ela já realizava diariamente.
No entanto, mesmo sob a supervisão de especialistas, ela não deixa de expressar sua opinião, observando-as agarrar cada fio de cabelo e pintar meu rosto com um olhar crítico.
- Elena\, desfaça essa cara emburrada – repreende-me\, olhando-me no espelho. – Você deveria estar contente por hoje\, por não ser apenas mais uma menina\, mas sim o retrato da Itália\, o futuro da nossa família e do nosso país.
Não dou respostas nem altero o meu semblante. As suas palavras têm mais valor do que o vestido de brilho que ela carrega nas mãos e que em breve cairá sobre a minha cabeça.
Posteriormente, ela assume a responsabilidade de me vestir. Cada modificação no vestido rodado, cada alfinete que ela insere no tecido, me faz perceber que ela está tentando moldar não somente o tecido sobre a minha pele, mas também a minha essência.
- Elena\, não se mova tanto. Precisamos garantir que este cabelo esteja impecável. - Sua voz é doce como mel quando está diante de outras pessoas\, mas suas mãos em meu cabelo são firmes e inflexíveis\, evidenciando a raiva que carrega.
- Estou com fome - digo\, aproveitando a companhia das duas mulheres\, pois sei que ela prefere que eu apenas tome água durante os dias de competição. Apesar de ser criança\, tenho que manter o corpo em forma para atender aos seus padrões.
Ela responde entredentes: - Depois, Elena.
- Mas mãe\, acabei de acordar\, estou com fome - insisto\, sentindo a ponta do alfinete me perfurar. Solto um grito pequeno - Ai - e meus olhos se enchem de lágrimas.
- Não consegue parar\, bonequinha\, peço desculpas por ter te machucado sem querer. - Sua voz é firme\, mas sei que é falsa. Ela agiu intencionalmente. Trata-se de um aviso para eu me calar e evitar pedir mais comida.
À medida que ela escova e enrola partes do meu cabelo, como se estivesse aprimorando o trabalho da profissional contratada, eu me vejo refletida no espelho, sendo gradualmente transformada na boneca que ela tanto ama. A boneca que detesto ser obrigada a ser.
- Você entende por que fazemos isso\, não entende? - Ela olha para mim quando as mulheres deixam nossa casa\, seus olhos procurando algo além do que permito que veja.
- Para ganhar - murmuro\, a resposta instintiva que ela implementou em mim desde que me lembro.
- Elena\, não apenas para ganhar. Realizamos isso com o objetivo de transformar nossas vidas. Para te proporcionar um futuro que nunca tive. - Sua voz se torna mais suave por um instante. Entendo que é para que eu não derrame lágrimas e estrague a maquiagem. Estamos a poucos minutos de sair de casa e ela não terá tempo para refazer tudo.
Neste instante, ela não é minha mãe, o que percebo é apenas a planejadora da minha trajetória em concursos.
O veículo nos conduz ao local da competição e, a cada quilômetro percorrido, sinto-me mais afastada de mim mesma. Enrico e Antonio sumiram do meu pensamento. Em breve, eles serão trocados por juízes severos e competidores com olhares tão vazios quanto o meu próprio reflexo no vidro.
- Elena\, quando subir ao palco\, quero que você se lembre de quem é e do que está representando. Não é só você que está ali. Cada menina aspira a ser mais. - A determinação expressada pela minha mãe é perceptível. Cada palavra carregada com o peso de suas próprias expectativas e sonhos não concretizados. - Há grandes investidores apostando em você\, não me decepcione nem me force a te entregar a pessoas más.
Assinto, pois tenho consciência de que, se pronunciar uma palavra, nem começarei a chorar. Meu coração palpita em um ritmo de batalha à medida que nos aproximamos.
Saímos do carro e as portas do teatro onde ocorrerá o concurso se abrem para mim, inundando-me com luzes cintilantes e aplausos estrondosos. No entanto, dentro de mim, tudo o que desejava era fugir para as ruas sujas de San Lucca, onde risos e exclamações de felicidade não eram encenados.
Não comi ao longo do dia todo. Ela apenas me forneceu duas barrinhas de proteína e água. Em um momento, quase desmaiei, mas ela conseguiu reverter a situação. Como todos os outros, o concurso se desfez como uma nuvem. Foram chamados números, sorrisos e passos no palco que resplandecia sob os holofotes incansáveis de indivíduos que, como ela, perseguem a perfeição.
Minha mãe, posicionada na primeira fila do auditório, manteve seus olhos fixos em mim, cada gesto meu espelhando suas ansiosas expectativas. Observei cada sorriso que ele esboçou quando atendia a cada requisito que seria rigorosamente avaliado.
Ao término das fases e o meu número foi chamado para a decisão, um suspiro coletivo de alívio e expectativa invadiu o ambiente. Minha mãe está agora ao meu lado, é evidente que ela não deixaria passar a chance de aparecer, suas mãos tremem ao ajustar minha tiara e estreitam o olhar num aviso silencioso.
- Elena\, você está quase lá. Quase lá. - Suas palavras funcionam como um mantra\, para mim e para ela.
Entrei no palco, deslizei com precisão calculada, soltei sorrisos forçados, disse piadas divertidas que treinei inúmeras vezes, me tornei tudo o que ela esperava que eu fosse, menos eu mesmo.
O anúncio dos resultados ressoou longe no meu pensamento. Para mim, o resultado era irrelevante, mas para ela, era a sua fonte oculta de existência.
- E a ganhadora é... Elena Franco! - Em meio a aplausos e gritos\, só consigo escutar o som da minha liberdade se desintegrando progressivamente.
Cada vez que ganho um novo concurso, perco um pouco mais da minha essência. Minha mãe me envolve, lágrimas de felicidade e alívio escorrendo pelo seu rosto, enquanto o meu permanece vazio.
- Minha querida\, você fez isso. Você venceu mais uma competição. Em breve você transformará nossas vidas.
Para corresponder às expectativas dela, dou um sorriso sutil, um sorriso que não alcança os olhos, ao segurar o troféu luminoso que me é entregue após a colocação da faixa em meu corpo.
Ao observar a multidão, percebo que essa conquista não é minha, mas da minha mãe. Enquanto ela festeja com entusiasmo, questiono-me se um dia conseguiria retornar à minha essência, à menina que ocasionalmente corre com Enrico e Antonio, sem as amarras de expectativas e tiaras pesadas.
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Atualizado até capítulo 56
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