Capítulo 2 – Entre Olhares e Espinhos

O sol se infiltrava por entre os vitrais altos do salão de leitura, lançando cores sobre as prateleiras antigas e os tapetes macios. Elira passava os dedos pelas lombadas dos livros com distração, como se buscasse um refúgio que nenhum título podia realmente oferecer.

Desde o encontro com Auren na estufa, seus pensamentos haviam se tornado um campo de batalha silencioso. A presença dele rondava como um perfume persistente. Era impossível ignorá-lo.

Lia entrou no salão com uma reverência suave, trazendo consigo um pequeno bilhete sobre uma bandeja de prata.

— Chegou esta manhã, Majestade.

Elira abriu o pergaminho com delicadeza. A caligrafia era firme, elegante, sem excessos — masculina.

“Descobri que há rosas brancas nos jardins do lado norte, mas dizem que só florescem sob olhos atentos. Permita-me apreciá-las com a senhora?”

Não havia assinatura. Não precisava.

Elira segurou o bilhete por um tempo. Depois o dobrou cuidadosamente e o guardou no decote do vestido, como se fosse uma confidência roubada.

No final da tarde, ela caminhou até o jardim norte, o mais escondido de todos os que cercavam o palácio. Era o mesmo onde os servos raramente iam, e onde as rosas brancas cresciam entre espinhos altos e silêncios perfumados.

Auren já estava lá.

De costas, ele observava uma das flores com a concentração de um artista diante da tela. Seu manto escuro contrastava com a palidez das pétalas, e seus cabelos dourados brilhavam sob o último raio de sol.

Elira se aproximou devagar, sem anunciar sua chegada. Mas ele não se assustou.

— Pensei que não viria — disse ele, sem virar-se.

— Pensei que não devia.

Ele se voltou para ela, os olhos âmbar acesos como se tivessem guardado o próprio crepúsculo.

— O dever pode ser a mais cruel das correntes.

Elira deu um passo mais perto, mas manteve a distância de segurança. Sempre essa distância.

— Por que me procura, príncipe?

— Porque, entre todos os rostos desse castelo, o seu é o único que não mente.

Ela ergueu o queixo, como quem quer parecer impenetrável. Mas os olhos dela já traíam algo mais.

— Vossa Alteza é um homem ousado.

— Ousado ou apenas honesto?

Ele estendeu a mão para uma das rosas, e um espinho cortou-lhe o dedo. Uma gota de sangue rubra manchou a flor branca.

Elira se aproximou instintivamente e segurou a mão dele com delicadeza.

— Precisa tomar mais cuidado.

— É curioso como, mesmo nos espinhos, há beleza.

Ela pegou um lenço de seda do cinto e envolveu seu dedo ferido, os olhos fixos no gesto. As mãos se tocaram. A pele dele era quente. Firme. E ela sentiu o mundo inclinar levemente.

Quando ergueu os olhos, os rostos estavam mais próximos do que deveriam.

Auren sorriu, um sorriso carregado de promessas não ditas.

— A rainha está cuidando de um príncipe rival. Isso seria escandaloso em qualquer outro reino.

— Talvez. Mas escandaloso é ignorar a dor — disse ela, soltando sua mão com um toque final suave demais para ser puramente cuidadoso.

— Ou ignorar o que é verdadeiro — sussurrou ele.

Elira deu um passo para trás, quebrando o encantamento.

— Preciso voltar antes que notem minha ausência.

Auren inclinou a cabeça com um gesto de respeito, mas os olhos dele a seguiram como uma carícia silenciosa.

Ela caminhou de volta sentindo o coração martelar contra o peito. Como se a cada olhar de Auren, mais uma parte dela acordasse da anestesia que havia sido o casamento com Kael.

Os dias seguintes foram preenchidos com encontros velados. Palavras trocadas nos corredores, olhares que se cruzavam nos banquetes, sorrisos roubados quando o rei estava de costas.

Em uma manhã chuvosa, Elira foi até a biblioteca apenas para encontrá-lo casualmente sentado na janela, um livro nas mãos.

— Está se tornando um hábito, Alteza — ela disse, disfarçando o sorriso.

— A leitura ou a sua presença?

Ela riu, algo raro. Algo precioso.

— Os dois parecem igualmente perigosos.

— Ah, mas é o perigo que nos torna vivos, Majestade.

Auren fechou o livro e se levantou. Caminhou em direção a ela com calma, como quem conhece o efeito de cada passo. Parou tão perto que Elira podia sentir o cheiro de couro molhado, tabaco leve e um toque de especiarias.

— Diga-me uma coisa — murmurou ele. — Você sente falta de ser tocada?

A pergunta foi tão inesperada quanto cortante.

Elira desviou os olhos, mas não recuou.

— Isso não é apropriado.

— Apropriado é uma palavra que aprisiona. Eu prefiro as que libertam. Desejo. Sede. Verdade.

Ela engoliu em seco. Auren não tentou tocá-la. Mas a ausência do toque era, por si só, uma provocação.

— O que pretende com tudo isso?

— Não pretendo, Elira. Sinto. E o que sinto é que você está tão viva quanto eu... mas se convenceu de que deve viver em silêncio.

— E o que mudaria isso?

— Um beijo?

Ela o encarou, os olhos cheios de tempestades contidas.

— Não ainda.

Auren sorriu, satisfeito. Como se tivesse acabado de vencer um jogo que ainda estava no início.

— Quando for a hora... você saberá.

A cada dia, Elira percebia a diferença gritante entre os dois homens que ocupavam seu mundo.

Kael havia se tornado um rei ausente, preocupado apenas com guerras, alianças e concubinas. Frio ao toque, vazio nas palavras.

Auren, por outro lado, era tudo que Kael não era: presente. Atento. Incansável em sua curiosidade por ela. Ele a escutava como se cada palavra que ela dissesse fosse um segredo precioso.

E, com o tempo, ela começou a contar mais do que devia.

Sobre sua infância em Loryen. Sobre as noites em que sonhava com o mar. Sobre o medo que sentia quando o rei batia a porta de seus aposentos — não por desejo, mas por ódio.

Auren escutava. E, quando falava, sua voz era um sussurro que tocava a alma.

— Você não foi feita para obedecer ordens, Elira. Você nasceu para inspirar rebeliões.

Na noite do festival da Lua, o povo se reuniu nas praças do reino. Fogos, danças, luzes. Mas no castelo, o clima era tenso. O rei havia sido contrariado pelo conselho real e, em sua fúria, recusou-se a participar das celebrações.

Elira desceu até os jardins iluminados por tochas. Mas não demorou para que um certo príncipe surgisse entre os corredores de buxo aparado.

— Achei que não viria — ela disse, com um sorriso contido.

— Eu jamais perderia uma chance de vê-la sob a luz da lua.

Auren se aproximou e, desta vez, ofereceu o braço.

Elira hesitou. Depois, com um leve gesto, segurou-o.

Caminharam entre as lanternas, em silêncio, até que chegaram a uma parte afastada do jardim. A música da festa se tornava distante, um eco no vento.

— Você está se apaixonando por mim, Elira? — ele perguntou, com a voz baixa, quase um sussurro no pescoço dela.

Ela o olhou nos olhos. Profundamente.

— Não sei ainda.

— Eu saberei por você, então.

Ele ergueu sua mão e a beijou na parte interna do pulso, lentamente. A pele dela se arrepiou.

— Isso... é loucura — ela murmurou.

— Talvez. Mas e se a loucura for o único caminho para a liberdade?

Ela recuou um passo, o coração batendo descompassado.

— Você quer me perder, Auren?

— Eu quero que você se encontre.

Naquela noite, Elira não dormiu.

O toque nos dedos. O olhar demorado. O calor do corpo dele. Tudo ardia sob sua pele como fogo escondido.

Ela ainda não sabia o que aconteceria. Ainda havia muralhas demais entre eles.

Mas pela primeira vez em sua vida, ela ansiava queimar.

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