O sábado amanheceu com um sol tímido, lutando para atravessar as nuvens que ainda pairavam sobre a cidade. Clarisse acordou cedo, o som da chuva da noite anterior ainda ecoando em sua memória enquanto se espreguiçava na cama. O encontro com Allan na porta do prédio tinha ficado na cabeça dela — o jeito como ele a olhou, a gentileza inesperada. Ela não sabia o que pensar dele, mas uma parte dela queria descobrir.
Na Rua das Flores, o apartamento 302 era um refúgio simples: paredes brancas, móveis de segunda mão, livros espalhados por aí. Clarisse estava na cozinha, descalça, vestindo um moletom cinza e leggings, quando a campainha tocou. Ela franziu a testa, surpresa. Não esperava ninguém. Caminhou até a porta, espiando pelo olho mágico, e seu coração deu um salto. Era Allan.
Ela abriu a porta, tentando esconder a confusão no rosto. Ele estava diferente hoje — nada do casaco preto ou da aura sombria que sempre o acompanhava. Vestia uma camiseta preta simples, jeans escuros e tênis, o cabelo levemente bagunçado pelo vento. Parecia quase... normal. Mas os olhos dele ainda carregavam aquele brilho intenso que a deixava sem ar.
— Allan? — perguntou ela, segurando a porta entreaberta. — O que você tá fazendo aqui?
Ele deu um sorriso pequeno, quase tímido, algo que ela nunca tinha visto antes. — Oi, Clarisse. Desculpa aparecer assim. Eu... só vim ver se você tá bem. Depois da chuva ontem, sei lá, fiquei preocupado.
Ela piscou, surpresa com a desculpa. — Preocupado comigo? Eu tô bem, Allan. Não precisava vir até aqui.
— Eu sei que não precisava — disse ele, enfiando as mãos nos bolsos, o tom casual, mas os olhos fixos nos dela. — Mas eu quis. Posso entrar um minutinho?
Clarisse hesitou, mas algo na expressão dele — uma mistura de cuidado e algo mais profundo — a fez abrir a porta. — Tá bom, entra. Mas não bagunça minha casa, hein?
Ele riu, um som baixo e genuíno, enquanto entrava no apartamento. — Prometo que me comporto.
Ela fechou a porta, apontando para o sofá. — Senta aí. Quer um café? Eu ia fazer um pra mim mesmo.
— Claro, aceito — respondeu ele, sentando-se com uma calma que parecia ensaiada. Ele observou o ambiente enquanto ela ia pra cozinha — os livros na mesinha, as plantas pequenas na janela, o cheiro leve de lavanda no ar. Era um mundo tão diferente do dele, tão puro, que quase doía estar ali.
Na cozinha, Clarisse ligou a cafeteira, o coração batendo um pouco mais rápido. — Você não parece o tipo que se preocupa com chuva, sabe? — gritou ela, tentando manter o tom leve.
Allan se levantou e foi até a porta da cozinha, encostando-se no batente com os braços cruzados. — Normalmente não. Mas você não é qualquer pessoa.
Ela virou pra ele, a colher na mão parando no ar. — O que você quer dizer com isso?
Ele deu um passo à frente, o espaço entre eles diminuindo. — Quero dizer que eu penso em você. Mais do que deveria, talvez.
Clarisse sentiu o rosto esquentar, mas disfarçou virando-se pra pegar as canecas. — Você é direto, hein? Não sei se isso é bom ou ruim.
— Depende de como você vê — respondeu ele, a voz baixa, quase um murmúrio. Ele estava perto agora, o calor dele contrastando com o frio da manhã.
Ela colocou as canecas na bancada, virando-se pra encará-lo. — Tá, Allan, me diz uma coisa: por que você tá aqui de verdade? Não é só a chuva, né?
Ele hesitou, algo raro pra ele. Então, com um sorriso torto, disse: — Tá bem, você me pegou. Eu queria te ver. E... achei que era uma boa hora pra pedir seu número. Não quero ficar aparecendo do nada o tempo todo.
Clarisse riu, surpresa com a honestidade. — Você é um stalker com boas intenções, é isso?
— Algo assim — respondeu ele, o sorriso se alargando. — E aí, me dá o número ou vou ter que continuar stalkeando?
Ela balançou a cabeça, pegando o celular na bancada. — Tá bom, mas só porque você pediu bonitinho. Me passa o seu que eu te mando uma mensagem.
Allan ditou o número, e ela enviou um simples "Oi, é a Clarisse". O celular dele vibrou no bolso, e ele olhou pra tela com uma satisfação que não escondeu. — Pronto. Agora eu sou oficialmente bem-vindo.
— Não exagera — retrucou ela, entregando a caneca de café pra ele. — Senta aí e toma seu café antes que eu mude de ideia.
Eles voltaram pro sofá, sentando-se lado a lado. O silêncio era confortável, mas carregado de algo que nenhum dos dois nomeava ainda. Clarisse tomou um gole do café, olhando pra ele por cima da caneca. — Você tá diferente hoje. Sem o casaco, quer dizer.
— Achei que era hora de parecer menos... misterioso — disse ele, brincando com o tom. — O que acha?
— Acho que você tá tentando me enganar — respondeu ela, rindo. — Mas tá funcionando um pouco.
Ele riu junto, mas por dentro, a máscara que ele usava tremia. Estar ali, com ela, era como pisar em terreno sagrado com botas sujas de sangue. Ele queria protegê-la daquele lado dele, mas também queria puxá-la pra dentro, torná-la parte do caos que ele chamava de vida.
— Sério, Allan — disse ela, o tom mais suave agora. — Você é um cara legal. Não sei por que, mas sinto que você não mostra isso pra muita gente.
Ele a olhou por um longo momento, o café esquecido na mão. — Talvez porque não muita gente merece ver.
Ela sorriu, sem saber o peso daquelas palavras. — Então eu sou especial, é?
— Mais do que você imagina — respondeu ele, a voz rouca, os olhos escurecendo por um instante.
O momento foi interrompido pelo som do celular dela vibrando na mesinha. Era uma mensagem de uma amiga, mas quebrou o encanto. Allan terminou o café e se levantou. — Melhor eu ir. Não quero abusar da sua hospitalidade.
— Tá tudo bem — disse ela, acompanhando-o até a porta. — Foi legal te ver assim... normal.
— Normal é relativo — respondeu ele, parando na porta com um olhar que a fez prender a respiração. — Te vejo por aí, Clarisse.
— Tchau, Allan — disse ela, fechando a porta com um sorriso que não saía do rosto.
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Do lado de fora, Allan caminhou até o carro, o ar fresco da manhã limpando a fachada que ele tinha usado. Ele pegou o celular e viu uma mensagem de Gustavo: *"Melissa tá atrás da garota. Ela sabe o endereço. Cuidado, chefe."*
O sorriso dele sumiu, substituído por uma frieza mortal. Ele ligou o carro, os pneus cantando no asfalto enquanto acelerava. Clarisse era dele. E se Melissa ousasse chegar perto, ele mostraria a ela o que acontecia com quem cruzava seu caminho. A máscara de cuidado caiu, e o verdadeiro Allan Kawa emergiu, pronto pra proteger o que já considerava seu — a qualquer custo.
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Atualizado até capítulo 26
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ciara_UwU
Quero mais agora!
2025-04-05
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