cap 4

A chuva caía fina e insistente, tamborilando nas janelas da livraria enquanto Clarisse terminava de fechar o caixa. Era uma sexta-feira à noite, e ela estava ansiosa por um fim de semana tranquilo — talvez um banho quente, um livro novo e uma taça de vinho. Allan tinha aparecido nos últimos dias com uma frequência que ela não esperava, sempre com um pretexto: um café, uma pergunta sobre o livro, ou só para "passar o tempo". E, embora ela gostasse da companhia dele, algo no fundo da mente a alertava para não se deixar levar tão fácil. Ele era charmoso, sim, mas havia uma escuridão nele que ela não conseguia ignorar.

Ela pegou o guarda-chuva e abriu a porta da livraria, o sino tilintando atrás dela. Foi então que o viu: Allan, encostado no poste do outro lado da rua, o casaco preto molhado pela chuva, os olhos fixos nela como se ele soubesse exatamente a hora em que ela sairia. O coração dela acelerou, mas ela sorriu, atravessando a rua com passos rápidos.

— Você tá me stalkeando agora? — brincou ela, parando sob o guarda-chuva a poucos centímetros dele.

Allan deu um meio-sorriso, o tipo que fazia os olhos dele parecerem menos frios. — Quem sabe? Talvez eu só goste da vista daqui.

Ela riu, balançando a cabeça. — Tá, vou fingir que acredito. O que você tá fazendo aqui, de verdade?

— Vim te buscar — disse ele, a voz firme, mas com um toque de suavidade que a desarmou. — Tá chovendo, e eu não queria que você fosse pro ponto de ônibus sozinha.

Clarisse hesitou, surpresa com o gesto. — Não precisava, sabe? Eu me viro bem.

— Eu sei que você se vira — retrucou ele, dando um passo mais perto, o cheiro de chuva e colônia misturando-se no ar entre eles. — Mas eu quis vir.

Ela sentiu o rosto esquentar, mesmo com o frio da chuva. — Tá bom, você venceu. Mas só porque eu não quero discutir na chuva.

Ele riu baixo, um som raro que ecoou dentro dela. — Vem, meu carro tá logo ali.

---

No carro, o silêncio era confortável, quebrado apenas pelo som dos limpadores de para-brisa. Allan dirigia com uma calma que contrastava com a intensidade que ela já tinha visto nele. Clarisse olhava pela janela, as luzes da cidade borradas pela chuva, até que resolveu falar.

— Você não fala muito de você, né? — perguntou ela, virando-se para ele. — Tipo, o que você faz, de onde veio...

Allan manteve os olhos na estrada, mas um músculo em seu maxilar se contraiu. — Não tem muito pra contar. Trabalho com... negócios. Coisas chatas.

— Negócios, sei — disse ela, o tom leve, mas curioso. — Você parece mais um cara de ação do que de escritório.

Ele a olhou de lado, um brilho perigoso nos olhos. — Talvez eu seja os dois. Mas prefiro te ouvir falar. Sua vida é mais interessante.

Ela riu, balançando a cabeça. — Minha vida é um tédio. Trabalho, casa, livros. Não tem nada de emocionante aí.

— Pra mim, parece perfeita — disse ele, a voz baixa, quase como se falasse consigo mesmo. Clarisse franziu a testa, mas antes que pudesse perguntar mais, ele estacionou em frente ao prédio dela.

— Chegamos — anunciou ele, desligando o motor. Ele saiu do carro e abriu a porta pra ela, segurando o guarda-chuva enquanto a acompanhava até a entrada.

— Obrigada, Allan. De verdade — disse ela, parando na porta. — Você não precisava.

— Eu quis — respondeu ele, os olhos dela refletidos nos dele sob a luz fraca do corredor. Por um segundo, ela achou que ele ia se aproximar mais, mas ele apenas deu um passo atrás. — Boa noite, Clarisse.

— Boa noite — murmurou ela, entrando no prédio com o coração batendo mais rápido do que gostaria.

---

Allan ficou ali por um momento, vendo-a desaparecer no elevador. Só então voltou ao carro, o rosto endurecendo. Ele pegou o celular e ligou para Gustavo. — Cadê você?

— No galpão, chefe — respondeu Gustavo, o som de metal ao fundo. — O carregamento da Bruna tá aqui. Quer que eu comece?

— Sim. E avisa os caras: ninguém toca no que é meu — disse Allan, o tom cortante. — Eu chego em vinte minutos.

Ele desligou, os dedos apertando o volante. A adrenalina do que estava por vir misturava-se com o calor que Clarisse deixava nele. Ele precisava dela — mais do que admitia. E isso o tornava perigoso, até pra si mesmo.

---

Enquanto isso, Melissa estava em um beco escuro, o salto alto ecoando no chão molhado. À sua frente, um homem magro e nervoso segurava uma faca trêmula. Era um dos vigias de Bruna, capturado por ela naquela noite.

— Me diz onde ela tá — ordenou Melissa, a voz fria como o aço da lâmina que ela girava na mão. — Ou eu corto você pedaço por pedaço.

— Eu... eu não sei! — gaguejou ele, o suor misturando-se à chuva no rosto. — Ela sumiu depois do último ataque do Kawa!

Melissa sorriu, mas não havia calor no gesto. — Então você é inútil pra mim. — Num movimento rápido, ela cravou a faca no ombro dele, o grito ecoando no beco. — Próxima pergunta: quem é Clarisse?

O homem arregalou os olhos, confuso. — Clarisse? Eu... eu não sei de nenhuma Clarisse!

— Claro que não — murmurou ela, puxando a faca e limpando o sangue na jaqueta dele. — Mas alguém sabe. E eu vou descobrir.

Ela virou as costas, deixando-o gemendo no chão. Melissa sabia que Allan estava escondendo algo — ou alguém. E ela não descansaria até arrancar Clarisse da vida dele, nem que fosse com as próprias mãos.

---

No galpão, Allan chegou sob a chuva, o casaco pingando enquanto caminhava até Gustavo. O lugar estava um caos: caixas rasgadas, homens armados, o cheiro de pólvora no ar. O carregamento de Bruna estava nas mãos dele agora, mas a vitória parecia vazia. Ele pensava nela. Sempre nela.

— Tudo certo, chefe — disse Gustavo, entregando-lhe uma pistola. — Mas tem um problema. Melissa tá atrás de você. E ela tá perguntando coisas.

Allan congelou, os olhos estreitando-se. — Que coisas?

— Sobre uma mulher — respondeu Gustavo, hesitante. — Ela acha que você tá... envolvido.

O ar ficou pesado. Allan deu um passo à frente, o rosto a centímetros do de Gustavo. — Você falou com ela?

— Não, chefe! Juro! — Gustavo ergueu as mãos, o medo evidente. — Mas ela tá farejando. Você sabe como ela é.

Allan respirou fundo, o ódio misturando-se à obsessão que crescia dentro dele. — Se ela tocar num fio de cabelo dela, eu acabo com ela. Passa o recado.

Gustavo assentiu, pálido. Allan virou-se, olhando para o horizonte escuro. Clarisse era dele. E ninguém — nem Melissa, nem Bruna, nem o mundo inteiro — ia tirá-la dele. O jogo estava ficando mais perigoso, e ele estava pronto para jogar sujo.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!