À medida que os dias se arrastavam, a situação se tornava mais insuportável. Natsumi não sabia mais se os gritos que ecoavam dentro de sua cabeça vinham do passado ou do presente. Mas a realidade que se desenrolava diante dela era ainda mais cruel. Seus irmãos, ainda muito pequenos, estavam começando a entender que o lugar onde eles viviam não era seguro. Era mais do que uma casa que não acolhia, era uma prisão, e eles sentiam isso nos ossos.
Às vezes, em um surto de desespero, seus irmãos fugiam, buscando algum tipo de alívio, mesmo que temporário. Corriam pelas ruas escuras da cidade, onde o frio cortava a pele e a escuridão escondia tanto os perigos quanto as oportunidades de encontrar algum refúgio. As ruas eram um lugar estranho para crianças tão pequenas, mas era onde eles conseguiam escapar do terror diário. Eles se refugiavam sob pontes, nas sombras dos barracos de feirantes, nas ruas desertas, onde tentavam se esconder do mundo cruel que os rodeava. Em algum lugar dentro deles, ainda havia a esperança de que talvez a rua fosse mais segura do que aquele casebre onde o sofrimento os aguardava.
Mas a cidade, cheia de seus próprios monstros e preconceitos, não tinha paciência para compreender o que aquelas crianças estavam vivendo. Eles não eram apenas órfãos da liberdade, eram órfãos da compaixão. Quando as pessoas viam aquelas crianças sozinhas, vestidas com roupas esfarrapadas e sujas, os olhares que recebiam eram os de desconfiança, raiva e indiferença. Chamavam-nas de "ladrões", de "vagabundos", como se a presença deles nas ruas fosse uma afronta à ordem natural da sociedade. Nunca tentavam entender o porquê de aquelas crianças estarem ali, nas madrugadas geladas, abandonadas ao relento.
Cada noite que passavam fora de casa, Natsumi sentia uma angústia crescente, sabendo que a polícia poderia aparecer a qualquer momento, não para perguntar sobre o sofrimento deles, mas para prendê-los. A polícia, com seu olhar frio e distante, raramente se importava com o que as crianças estavam realmente vivendo. Quando elas eram encontradas, eram tratadas como criminosos, como se o simples fato de estarem na rua fosse uma transgressão. Ninguém se perguntava por que aquelas crianças não estavam em casa, por que estavam fugindo da violência de seus próprios pais. Ninguém procurava entender a dor que as havia levado até aquele ponto.
A cada ida e vinda pela rua, o medo de ser capturada e levada para um orfanato era um risco real. Mas a alternativa era pior. A casa, com as paredes marcadas pelas cicatrizes do abuso, parecia ser o verdadeiro cárcere. Não havia lugar seguro, não havia lugar onde eles pudessem se sentir realmente protegidos.
Natsumi, como a irmã mais velha, sentia um peso imenso sobre seus ombros. Ela era a única que tentava, com o que lhe restava de forças, dar algum tipo de conforto a seus irmãos. Ela os abraçava quando conseguiam voltar para casa, muitas vezes sujos e cansados, mas aliviados por estarem juntos. Porém, esse alívio era passageiro. Eles sabiam que o pai logo descobriria que haviam fugido e as consequências viriam em seguida. A sensação de que estavam constantemente fugindo de algo, mas nunca conseguindo escapar, era um peso que os esmagava.
O silêncio dentro do casebre era ainda mais pesado quando todos retornavam, especialmente nas madrugadas, após passarem algum tempo na rua. O pai, com o olhar furioso e descontrolado, costumava os castigar com mais brutalidade, talvez pela vergonha que sentia de ser desafiado por seus próprios filhos. As crianças, acostumadas ao medo, se recolhiam em seus cantos, mas, no fundo, sabiam que aquela vida de sofrimento não poderia durar para sempre.
Natsumi se perguntava até quando aguentariam. O sistema havia falhado com eles, a sociedade havia falhado, e até mesmo os outros adultos ao seu redor, que poderiam ter feito algo, estavam cegos para o sofrimento das crianças que andavam nas ruas à procura de um pouco de alívio, um pouco de amor. Eles eram invisíveis, não só para aqueles que viam suas misérias como "ladrões", mas também para um mundo que se mostrava insensível ao sofrimento que as crianças carregavam.
Mas Natsumi sabia que, enquanto houvesse uma faísca de coragem, enquanto houvesse o vínculo entre eles, seus irmãos e ela, eles não seriam totalmente vencidos. A rua podia ser cruel, mas a unidade deles — mesmo nos momentos mais escuros — era um farol que ainda poderia guiá-los para longe daquela prisão chamada casa. Cada dia fora de casa era uma vitória. E enquanto o governo ignorava, enquanto o mundo os condenava, Natsumi jurou que jamais abandonaria seus irmãos, mesmo que o preço a ser pago fosse alto demais.
Eles não eram "ladrões" ou "vagabundos". Eram apenas crianças tentando sobreviver em um mundo que não tinha lugar para elas.
As fugas eram breves, e as esperanças de liberdade, efêmeras. Cada retorno ao casebre era um lembrete brutal de que, no final, não havia para onde ir. Natsumi sabia disso, e cada vez que olhava para os olhos cansados de seus irmãos, via a mesma resignação, a mesma compreensão amarga de que, apesar de tudo, o caminho de volta era inevitável. O mundo fora daquele lugar não oferecia acolhimento, apenas um ciclo vicioso de rejeição e dor. Eles não tinham para onde ir. Não havia ninguém que os acolhesse, ninguém que os defendesse dos pais narcisistas e opressores que os torturavam.
Na escola, ninguém se importava. Os professores, apáticos diante das cicatrizes visíveis e invisíveis que carregavam, fingiam não ver. Os outros alunos, alheios ao sofrimento que se desenrolava diariamente nas casas, olhavam com estranheza ou desdém para os irmãos, como se fossem invisíveis. Eles eram invisíveis, não só para a sociedade, mas para qualquer tipo de ajuda que pudesse surgir. A vergonha, o medo e a culpa os mantinham na sombra, e quando alguém ousava questionar, a resposta nunca vinha. O silêncio das autoridades, o descaso das instituições, era ensurdecedor.
A mãe, em sua própria distorção mental, nunca se opunha ao marido. Ela era uma figura ausente, nem presente, nem ausente o suficiente para ser uma fuga. Ela fazia parte do ciclo, silenciosa e submissa, mantendo os filhos em constante estado de terror. Cada grito, cada choro abafado, ela escutava, mas permanecia em silêncio, imobilizada pela mesma opressão que fazia seus filhos sofrerem. Ela não se via, não se reconhecia como mãe. Em algum lugar profundo dentro dela, já não havia mais amor, apenas uma máquina que sobrevive à dor, que perpetua o sofrimento sem questionar.
Quando Natsumi e seus irmãos fugiam, uma parte deles sabia que, em algum momento, a realidade os traria de volta. As ruas, por mais frias e impiedosas que fossem, ainda pareciam mais acolhedoras do que o próprio lar. Mas o vazio era o mesmo. Eles não tinham um ponto de partida ou um destino final. As ruas eram apenas uma fuga temporária, uma forma de respirar, mesmo que fosse por um curto período. Mas, sem apoio, sem uma rede de proteção, sem um local seguro, não havia como escapar para sempre.
A cada retorno, a dor se intensificava. O pai, insano em sua crueldade, os punia com mais violência, mais palavras cruéis, mais demonstrações de poder. Ele não via mais os filhos como seres humanos. Eles eram instrumentos, meras extensões de sua vontade, uma extensão de seu controle. E a mãe? Ela não interferia. Ela se mantinha em seu lugar, como uma sombra que não sabia mais o que era certo ou errado. Sua própria submissão alimentava o monstro que seu marido se tornara.
Natsumi sentia uma raiva silenciosa crescer dentro dela, mas também um desespero. Ela queria ser forte, queria ser capaz de resistir, de salvar seus irmãos. Mas, de certa forma, ela estava tão aprisionada quanto eles. O ciclo era imutável. Fugir era uma forma de lutar, mas voltar significava admitir que o jogo estava sempre sob o controle deles, que a luta estava perdida antes mesmo de começar.
Mas Natsumi não queria acreditar nisso. Ela se recusava. Por mais que a realidade fosse cruel e esmagadora, ela não poderia desistir de seus irmãos. Eles precisavam dela, e talvez fosse isso que a mantinha sã. O amor pelos irmãos era tudo o que ela tinha. Era tudo o que ela poderia dar. E, mesmo quando o mundo parecia desabar sobre ela, o vínculo com seus irmãos era o único ponto de luz no meio de tanta escuridão.
Naquela casa, não havia espaço para sentimentos. O amor havia sido suprimido, amassado, distorcido pela violência e pelo medo. Mas, nos pequenos momentos em que os irmãos se reuniam, ainda havia algo entre eles — algo silencioso, talvez um brilho furtivo nos olhos, uma pequena troca de olhares que dizia mais do que palavras poderiam expressar. E isso, por mais pequeno que fosse, era a resistência deles. Eles não tinham para onde ir, mas tinham uns aos outros.
E enquanto o regime continuava sua marcha autoritária, enquanto a sociedade se mostrava indiferente ao sofrimento deles, Natsumi sabia que uma coisa não poderia ser apagada: a força que vinha da união, o amor que persistia entre eles, apesar de tudo. Mesmo que o retorno fosse inevitável, mesmo que a casa fosse uma prisão, ela jurou que, enquanto tivesse vida, jamais abandonaria seus irmãos. Eles eram tudo o que ela tinha, e para eles, ela resistiria até o fim.
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Atualizado até capítulo 60
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