A Ilusão da proteção

Apesar do sofrimento constante e da dor que os afligia, Natsumi ainda se lembrava de quando as autoridades locais tentaram intervir. Ela nunca soubera se isso era um gesto de misericórdia ou apenas mais uma tentativa de encobrir o caos crescente naquele regime distópico, mas o que restou disso foi a cruel realidade: a proteção para as crianças nunca funcionou.

Certa vez, quando o sofrimento parecia insuportável, Natsumi e seus irmãos, em uma tentativa desesperada, decidiram procurar por ajuda. Eles haviam ouvido falar sobre um programa de proteção às crianças vulneráveis, uma iniciativa do governo, que alegava dar apoio a crianças em situação de risco. Natsumi sabia que era uma ilusão, mas no fundo de sua alma, uma pequena chama de esperança se acendeu. Talvez, apenas talvez, eles finalmente estivessem próximos de encontrar um refúgio seguro, longe da violência implacável de seu pai e da indiferença de sua mãe.

Uma noite, depois de mais um dia de abuso, quando o pai estava fora da casa, Natsumi pegou seus irmãos mais novos e os escondeu nos fundos do casebre. Eles se espremeram através de uma janela quebrada e correram pelas ruas escuras, com os corações batendo acelerados, como se estivessem fugindo de fantasmas invisíveis. Seu único objetivo era alcançar a base de proteção infantil, um prédio cinza e frio, longe de onde moravam. O medo os impulsionava, mas também havia uma sensação de alívio. Talvez aquela fosse a chance deles.

Ao chegarem lá, um homem com um uniforme do governo os recebeu. Ele olhou para Natsumi com um olhar vazio e perguntou o que estavam fazendo. Sem hesitar, ela disse a verdade: "Somos vítimas de abuso. Nosso pai nos maltrata todos os dias. Por favor, nos ajudem."

O homem os examinou com olhos cínicos e uma expressão impassível. Ele parecia não acreditar completamente em suas palavras, mas, após um momento de silêncio, os mandou para uma sala fria, onde ficaram esperando por horas. A espera foi angustiante, o som de seus próprios corações batendo se misturava ao silêncio abafado do ambiente. Natsumi não sabia o que esperar. Mas, ao mesmo tempo, já sabia o que aconteceria. Eles seriam devolvidos.

Finalmente, uma mulher, também com um uniforme do governo, entrou na sala. Ela parecia distante, quase indiferente, enquanto fazia algumas anotações. Quando Natsumi tentou explicar a situação de forma mais detalhada, a mulher a interrompeu, dizendo que havia um processo a seguir, mas que "não se fazia nada sem uma investigação". O olhar da mulher era frio, e as palavras que saíam de sua boca, embora cuidadosamente selecionadas, eram vazias de qualquer sentimento de empatia.

Horas se passaram e, no final, a resposta veio da maneira que Natsumi temia: "Não há evidências suficientes para tomar uma medida. Vocês são um risco para o programa de proteção, então, infelizmente, terão que retornar para sua casa."

Eles foram devolvidos.

A sensação de derrota tomou conta de Natsumi e de seus irmãos. Como se o mundo todo estivesse contra eles. Eles não eram importantes o suficiente para serem salvos, mas eram peças descartáveis em um sistema falho que fingia agir em nome da proteção. Mais uma vez, Natsumi olhou para os olhos de seus irmãos e soube que tudo o que haviam feito foi em vão. O regime não tinha interesse em protegê-los. Eles eram nada mais do que números, sombras que passavam despercebidas na grande máquina de uma sociedade opressora.

O retorno ao casebre foi silencioso. Eles não falaram nada. O medo, a vergonha e a frustração tomaram conta deles, enquanto os ecos das promessas vazias do governo ressoavam em suas mentes. Mas, apesar disso, uma verdade começava a se formar no coração de Natsumi. Ela não poderia mais confiar naqueles que juravam protegê-los. A única proteção que ela e seus irmãos poderiam contar era a deles mesmos. Eles seriam sua própria defesa, e o mundo lá fora seria um campo de batalha em que precisariam lutar por cada pedaço de dignidade.

A realidade que os rodeava era dura, fria e impiedosa. O sistema estava falido, o governo era uma mentira e a proteção que prometiam era uma ilusão. Mas Natsumi sabia de uma coisa: ela não se renderia. Não ao regime, não à dor, e, principalmente, não àqueles que tentavam destruir a única coisa que ela ainda tinha — seus irmãos.

E assim, enquanto a noite caía sobre o casebre e o som do vento uivava nas frestas das paredes, Natsumi fez uma promessa silenciosa a si mesma: **ela não desistiria.** Eles seriam mais fortes, mais inteligentes, mais destemidos. Contra todas as probabilidades, ela encontraria um caminho, e seus irmãos nunca mais sofreriam nas mãos de ninguém. Eles seriam livres, ou morreriam tentando.

Ao retornarem para o casebre, a realidade que Natsumi e seus irmãos enfrentaram foi mais brutal do que qualquer um poderia imaginar. Não era apenas a fome que os corroía, mas a dor física e psicológica que os aguardava, uma vez que o pai, após cada tentativa de fuga, se tornava ainda mais agressivo. Ele sabia que cada pequeno movimento deles em busca de liberdade representava uma afronta ao seu controle e, como sempre, a única forma que ele conhecia de lidar com isso era com violência. O retorno àquele lugar não foi apenas uma volta física, mas um mergulho ainda mais profundo na desesperança. O regime havia falhado em protegê-los, e agora o monstro que se escondia sob a figura de seu pai estava prestes a se alimentar da miséria deles mais uma vez.

As paredes do casebre pareciam fechar-se sobre eles, cada grito de dor, cada golpe desferido pelo pai, tornando o ambiente ainda mais opressor. Natsumi já não sabia onde terminava a dor e onde começava a saudade da liberdade que nunca tiveram. Seu pai estava ainda mais furioso. A tentativa de fuga havia sido, para ele, uma traição que não poderia ser perdoada. Para ele, os filhos não eram seres humanos; eram suas propriedades, coisas que ele possuía e sobre as quais tinha total domínio. Qualquer ato de rebeldia ou resistência era visto como uma ofensa à sua autoridade, e ele se tornava mais monstruoso a cada novo dia.

Numa das noites em que a dor se tornava insuportável, quando o pai chegou em casa depois de mais um dia de trabalho para encontrar os filhos em silêncio, ele explodiu. Natsumi havia se atrevido a encarar seu olhar com um semblante de desafio. Era um olhar cansado, mas que carregava uma centelha de algo que ele não podia controlar. Não mais. E isso, por alguma razão, o enlouqueceu. Ele se aproximou dela com passos pesados, seus olhos preenchidos com uma raiva animalesca. Sem uma palavra, ele a pegou pelo pescoço, assim como havia feito com todos os seus filhos em momentos anteriores. Natsumi tentou lutar, mas o aperto em sua garganta era esmagador, e a visão começou a turvar.

“Você acha que pode fugir? Que pode me desafiar?” Ele sibilou, as palavras sendo mais um veneno do que uma pergunta. “Eu sou o único que pode dar ordens aqui. Ninguém vai escapar de mim!”

O som de sua respiração pesada era a única coisa que Natsumi conseguia ouvir, enquanto as mãos de seu pai apertavam cada vez mais forte. Os gritos dos seus irmãos, desesperados e impotentes, ecoaram ao fundo, mas Natsumi não conseguia mais se concentrar neles. Seu corpo estava paralisado pela dor, e seu espírito quase se quebrou. Era como se ela estivesse afundando em um abismo sem fim, onde cada respiração era mais difícil de ser feita.

Porém, a força que seu pai não percebeu era a força de uma criança que já havia sofrido tanto que nada mais poderia destruí-la completamente. Natsumi, com seus últimos vestígios de consciência, conseguiu usar a pouca energia que ainda restava para se libertar, empurrando seu pai com as pernas e fazendo-o tropeçar. Sua garganta estava em chamas, mas, com um esforço quase sobre-humano, ela conseguiu se levantar. O olhar de seu pai, agora mais enfurecido do que nunca, parecia o de uma fera prestes a atacar, mas Natsumi sabia que, naquele momento, ela precisava resistir, como sempre fazia. Ela precisava continuar a lutar, não apenas por ela mesma, mas por seus irmãos.

As torturas não cessaram. As noites se tornaram cada vez mais longas e cheias de sofrimento. A fome, as cicatrizes, o medo, tudo isso os acompanhava em cada passo. Mas Natsumi sabia que, apesar do que o pai fizera, ela e seus irmãos ainda tinham algo que ele nunca poderia tirar: o vínculo entre eles. Eles não eram apenas vítimas. Eles estavam mais vivos do que nunca, mais unidos do que nunca. O regime tentava destruir suas esperanças, sua humanidade, mas ele não sabia que a força deles vinha de algo muito maior do que a dor.

A cada novo dia, Natsumi encontrava mais força naqueles pequenos momentos de resistência. Ela sabia que eles estavam sendo moldados por algo que não era mais apenas sofrimento, mas coragem. E quando a dor parecia insuportável, ela se lembrava do olhar dos seus irmãos. Eles eram a razão de continuar. Eles eram a razão de lutar.

O pai era um monstro, sim, mas em meio ao caos e à destruição que ele provocava, Natsumi descobriu a última verdade que ela precisava entender: **eles poderiam sobreviver a qualquer coisa, até mesmo a ele.**

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