O relógio marcava lentamente as horas, e a quietude da madrugada parecia descer como uma neblina silenciosa, cobrindo tudo em sua suavidade. Yuki sentia que aquele momento era um ponto de inflexão, como se as palavras ditas e as não ditas tivessem traçado uma linha invisível no ar, que os unia e, ao mesmo tempo, os separava.
Haruto se recostou no sofá, seus dedos tamborilando na madeira da mesa de centro, mas ele não parecia ansioso. Havia algo de calmo em sua postura agora, como se ele tivesse finalmente começado a aceitar o turbilhão de emoções que ainda se agitava dentro dele. Olhou para Yuki, e seus olhos, antes distantes, pareciam buscar algo mais.
— Você… — começou Haruto, com a voz baixa, quase hesitante. — Como você tem se sentido? Sei que nossa conversa se concentrou muito em mim e em Sayuri, mas… e você, Yuki? Você tem algum lugar onde se sente em paz? Onde se sente em casa?
Yuki piscou, surpresa pela pergunta. Ela não estava esperando ser o centro da conversa, mas de alguma forma, Haruto havia capturado algo em sua expressão. Ele não sabia, mas havia tocado em algo profundo que ela vinha evitando há um tempo.
Ela deu um suspiro e olhou pela janela, onde as luzes da cidade ainda brilhavam ao longe, como pequenas estrelas piscando na escuridão. O vento fresco movia-se lentamente, e Yuki sentiu um leve alívio ao sentir a brisa em seu rosto.
— Não sei. — Ela falou, com uma sinceridade crua. — Eu… tenho me perguntado muito sobre isso. Sobre o que significa ter um lugar onde realmente pertenço. Eu pensei que poderia encontrar isso aqui, mas… talvez eu tenha confundido as coisas.
Sayuri, que até então estava em silêncio, se aproximou, quase como se tivesse sentido a angústia não dita nas palavras de Yuki. Seus olhos se suavizaram, e ela falou com um tom de compreensão.
— Às vezes, o lugar onde nos sentimos em casa não é um espaço físico. — disse Sayuri, sua voz suave, mas carregada de uma sabedoria silenciosa. — Talvez seja mais sobre encontrar a paz dentro de nós mesmos. Eu sempre pensei que poderia encontrar meu lugar com os outros, mas só quando comecei a me entender melhor que comecei a ver onde eu realmente pertenço. E isso, para mim, não é um lugar concreto. Está em mim, em como eu me vejo, em como eu me trato.
Yuki olhou para Sayuri, surpresa com a profundidade de suas palavras. Não esperava encontrar esse tipo de reflexão vinda dela, mas algo na maneira como Sayuri falou a fez pensar. Talvez, apenas talvez, ela estivesse tão focada em encontrar respostas no mundo externo que havia ignorado as respostas que estavam em seu interior.
Haruto, que observava a interação entre as duas, parecia se perder em seus próprios pensamentos, sua expressão uma mistura de dúvida e introspecção. Ele olhou para Yuki mais uma vez, e dessa vez, sua voz saiu firme, como se estivesse se resolvendo em algum nível.
— Eu entendo o que você está dizendo, Sayuri. Mas, Yuki… não sei se consigo aceitar essa ideia de que tudo está dentro de mim. Eu passei tanto tempo fugindo de quem eu sou, que não sei mais como lidar com esse “eu” interior. Às vezes, sinto que sou apenas uma sombra do que eu poderia ser.
Yuki, tocada pela vulnerabilidade nas palavras de Haruto, deu um pequeno sorriso, um sorriso triste, mas genuíno.
— Eu entendo você, Haruto. Eu também me senti assim. Ainda me sinto assim, de certa forma. Mas, talvez, seja essa a primeira vez em muito tempo que eu realmente olhei para mim mesma e vi o quanto eu também me afastei de quem sou. Não porque não queria ser essa pessoa, mas porque estava tão preocupada em ser algo ou alguém que eu não era.
A sala parecia mais densa agora, como se as palavras delas tivessem aberto um campo de energia no ar, algo que ninguém sabia como lidar. Os três estavam ali, juntos, mas ainda havia uma linha invisível que os separava — uma linha de experiências passadas, medos não enfrentados, e sonhos ainda não realizados.
Sayuri, que havia ficado em silêncio por um tempo, agora se levantou e caminhou até a janela. Ela olhou para a cidade do alto, suas mãos repousando sobre a vidraça, como se quisesse absorver a visão à sua frente. A noite estava quieta, mas algo em seu semblante indicava que ela estava mais distante do que nunca.
— Eu… não sei se estou pronta para mudar agora. — ela disse, a voz quase sussurrada, como se estivesse falando consigo mesma. — Mas talvez o que precisamos seja deixar de lutar contra tudo. Não sei. Eu só sei que preciso de tempo. Tempo para entender quem eu sou sem me perder no que os outros esperam de mim.
Yuki observou Sayuri de longe, e por um momento, ela sentiu uma sensação de cumplicidade. Era como se a dor delas, por mais distinta, fosse a mesma. A busca, o desejo de pertencimento, de entendimento. Uma busca que não poderia ser apressada. Era algo que levava tempo, algo que cada um tinha que descobrir por si mesmo.
Haruto se levantou, olhando para as duas mulheres que, de alguma forma, haviam se tornado o reflexo de seus próprios sentimentos. Ele sentia que estava, finalmente, começando a entender algo sobre si mesmo — e sobre o quanto ainda precisava se redescobrir.
— Então, o que fazemos agora? — ele perguntou, mais para si mesmo do que para as outras pessoas, mas todos sabiam que a pergunta era válida.
Yuki olhou para ele e, com um suspiro, disse:
— Talvez a única coisa que podemos fazer agora seja dar um passo para frente. Mesmo sem saber onde estamos indo. Mesmo sem saber se encontraremos o que estamos procurando. A única coisa que podemos fazer é seguir.
Os três se olharam, e, sem dizer mais nada, a certeza de que estavam prontos para começar a caminhar, juntos ou separados, começou a se formar no ar. Não era o fim, nem o começo de uma resposta clara. Era apenas um passo — um passo de aceitação.
E naquele momento, Yuki sentiu que, talvez, ela finalmente começasse a entender o que significava "estar em casa". Não era um lugar, mas uma jornada. E ela estava disposta a seguir.
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Atualizado até capítulo 30
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