Capítulo 4
Mark estava sentado no sofá, gesticulando enquanto explicava tudo o que sabia. Ayla, ainda tentando processar tudo, segurava uma caneca de chá que ele havia preparado—não que isso ajudasse muito. Barry, por outro lado, continuava parado na cozinha, como um móvel sinistro que ninguém pediu.
Mark
Vamos lá. Pelo que sei e observei, essas criaturas demoníacas seguem seus "donos" pelo resto da vida... Pelo menos, eu acho.
Ayla, que já estava pálida, arregalou os olhos ainda mais.
Mark
É, meio que um contrato vitalício.
Mark
Tipo assinatura de streaming, só que sem cancelamento.
Ayla
Isso não é engraçado!
Mark apenas deu de ombros.
Mark
Também sei que pessoas religiosas tendem a ter mais de um demônio perseguindo elas. Aliás, você acredita em algo?
Ayla piscou, hesitou e, num tom cômico de puro desespero, respondeu:
Ayla
Depois de hoje? Acho que prefiro ser ateia.
Mark abriu um sorriso largo.
Mark
Ótimo! Esses geralmente têm mais de cinco.
Ayla soltou um barulho misto de engasgo e desespero.
Mark
É, parece que quando alguém não acredita em nada, esses bichos sentem a necessidade de compensar.
Ela enterrou o rosto nas mãos.
Ayla
Eu não mereço isso...
Mark
Bem, voltando aqui. Essas criaturas não são agressivas... até agora, pelo menos. Eu nunca fui atacado, então acho que elas precisam de algo para agir.
Mark apontou para ela como se estivesse dando uma resposta certa num quiz.
Mark
Exatamente! E é por isso que vamos trabalhar isso em você.
Ayla
O que você quer dizer com isso...?
Mark
Ah, nada demais. Só vamos dar uma volta amanhã de manhã.
O céu já estava claro, o sol brilhava e o som de risadas infantis ecoava pelo parque. Crianças corriam despreocupadas, cachorros brincavam com seus donos e casais faziam caminhadas tranquilas. Um cenário completamente pacífico.
Para qualquer pessoa normal.
Ayla, no entanto, estava visivelmente destruída pelo medo. Seu corpo estava tenso, os olhos arregalados, e seus passos eram calculados, como se estivesse andando em um campo minado.
Ayla
Como você pode estar tão CALMO?!
Mark olhou ao redor e apontou casualmente.
Mark
Como você pode ver, várias criaturas.
Ayla não queria olhar. Mas olhou.
E se arrependeu na mesma hora.
Criaturas horrendas, grotescas, deformadas, estavam por toda parte. Algumas rastejavam ao lado de pessoas comuns, outras flutuavam, algumas andavam de forma desengonçada, e algumas simplesmente ficavam paradas, observando seus "donos" com olhos vazios.
E o pior? Ninguém parecia notar.
Ayla mordeu o lábio com força para não gritar.
Mark
E então... Como tá seu nível de medo?
Ayla
Eu... eu só não estou gritando porque tem muita gente aqui e eu não quero passar vergonha.
Mark
Bom controle! Tá indo bem.
Ayla
Eles não podem ver isso?!
Mark
Nope. Só quem tem... sei lá, "o dom" consegue.
Mark
Discordo. É ótimo pra pegar filas menores no mercado.
Ela o encarou, incrédula.
Ayla
Eu não sei se você é um gênio ou só um idiota sem noção.
Ayla respirou fundo, tentando se acalmar.
Ayla
Tá... Tá... O que eu faço agora...?
Mark cruzou os braços, pensativo.
Mark
Primeiro, você precisa se acostumar com a presença deles. Você viu aquela cobra que te perseguiu ontem?
Mark
Pois é. Aquilo significa que você tem o seu demônio. E, se a lógica seguir, ele ainda tá por aí.
Ayla
Ele pode me atacar de novo?!
Mark
Se você entrar em pânico? Provavelmente.
Ayla
VOCÊ NÃO PODIA TER MENTIDO PRA ME CONFORTAR?!
Mark
Eu posso, mas não vou.
Ayla passou as mãos no rosto, frustrada.
Ayla
Tá, tá... O que eu faço se ele aparecer?
Mark colocou as mãos na cintura.
Mark
Primeira regra: não corre. Segunda regra: não grita. Terceira regra...
Ele apontou para si mesmo com um sorriso convencido.
Ayla piscou algumas vezes.
Ayla
Isso soou incrivelmente errado.
Mark
Mas faz sentido! Até agora, nenhuma dessas coisas tentou me atacar. Então... enquanto estiver comigo, você tá segura.
Ayla bufou, cruzando os braços.
Ayla
Ótimo. Então eu basicamente virei seu acessório ambulante.
Ayla
EU TAVA SENDO SARCASTICA!
Mark
Mas enfim, a gente precisa descobrir mais sobre essa sua luz. Porque, sinceramente, aquilo foi incrível.
Ayla olhou para as próprias mãos, lembrando da cena.
Ayla
Eu... Eu nem sei como fiz aquilo.
Mark deu um tapinha no ombro dela.
Mark
Então vamos descobrir.
Ayla
Tá. O que você quer que eu faça agora...?
Mark
Primeiro, relaxa. Depois, me diz...
Ele apontou para algo atrás dela, a voz agora mais grave, como se algo tivesse mudado no clima.
Mark
Você conhece aquele homem estranho ali?
Ayla virou lentamente, sentindo um arrepio gélido subir por sua espinha, como se dedos invisíveis arranhasSem sua nuca.
Do outro lado do parque, entre as árvores, havia uma figura.
Um homem... ou pelo menos algo que parecia um homem.
Ele vestia uma armadura antiga, rachada e enferrujada, mas o mais assustador era que essa ferrugem parecia misturada ao próprio sangue seco que escorria das frestas da couraça. Seu corpo tremia de forma irregular, como se estivesse lutando contra algo invisível dentro de si.
Uma fumaça densa escapava de sua boca, como vapor quente em um dia gelado—mas o ar ao redor estava morno. O cheiro de ferro oxidado parecia atravessar a distância, invadindo as narinas de Ayla, fazendo seu estômago revirar.
Ele segurava uma espada enorme, irregular, manchada de um líquido escuro que pingava lentamente na grama.
Ele estava olhando direto para os dois.
Seus olhos, ocultos sob a sombra do elmo quebrado, brilhavam com um vermelho fraco, pulsando como brasas vivas prestes a se extinguir.
O ar ao redor dele parecia distorcido, vibrando, como se o próprio espaço estivesse tentando resistir à sua presença.
Ayla não conseguiu desviar o olhar. Ele estava muito perto... e muito longe ao mesmo tempo.
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