Capítulo 3

O tribunal estava lotado, como sempre. Eu passei pelos corredores de mármore com passos firmes, cumprimentando advogados, juízes e promotores no caminho.

Meu caso do dia era uma audiência final de um processo de agressão doméstica. Minha cliente, uma mulher que sofreu anos de abuso, finalmente tinha reunido coragem para denunciar o ex-marido. Eu tinha trabalhado nesse caso por meses, e hoje era o dia em que ela finalmente encontraria justiça.

Do outro lado da sala, o advogado de defesa—a encarnação perfeita de um cretino engravatado—tentava argumentar que não havia provas suficientes.

Péssima escolha.

Levantei-me e fui até o centro da sala, meu olhar afiado perfurando o júri.

— Senhores, se me permitem, gostaria de refazer a pergunta ao réu. — Olhei diretamente para o homem no banco dos réus. — O senhor pode nos dizer onde estava na noite de 14 de março, às 22h30?

O réu hesitou.

Eu sorri de canto.

— Precisa de ajuda para lembrar? — Peguei uma pasta da mesa e a abri lentamente. — Porque nós temos imagens de câmeras de segurança, registros de ligações e um laudo médico que mostram exatamente onde o senhor estava.

O silêncio na sala foi absoluto.

O juiz olhou para o advogado de defesa, que parecia cada vez mais desconfortável.

— Quer continuar com essa argumentação? — perguntei, arqueando uma sobrancelha.

Ele suspirou pesadamente e balançou a cabeça.

— Não, meritíssimo.

O juiz deu três batidas com o martelo.

— O réu é considerado culpado.

Um alívio percorreu meu corpo, e eu virei para minha cliente, que estava com lágrimas nos olhos.

— Você conseguiu — ela sussurrou.

Apertei a mão dela.

— Você conseguiu.

Assim que saímos do tribunal, Beca me encontrou no corredor.

— Catherine Parker, você é um monstro!

Soltei uma risada, ajeitando minha bolsa no ombro.

— Só faço o meu trabalho.

Beca era promotora e uma das minhas melhores amigas. Ela era a única que conseguia me acompanhar no tribunal sem se sentir intimidada, e isso era um feito e tanto.

Ela passou o braço pelo meu.

— Eu tô morrendo de fome. Vem almoçar comigo.

— Eu tô morrendo de fome, mas depois tenho que voltar correndo pra o escritório, preciso resolver algumas coisas.

— Então vamos juntas. Depois que terminarmos, a gente sai para tomar uns drinks.

Sorri de lado.

— Fechado.

...****************...

Depois de algumas horas no escritório, onde finalizei alguns relatórios e despachei novos casos, eu e Beca finalmente nos permitimos relaxar.

Escolhemos um bar sofisticado no centro de Manhattan, um daqueles lugares com iluminação baixa, música ambiente agradável e garçons que serviam coquetéis em taças decoradas.

— Um brinde — Beca ergueu a taça de martíni — à rainha do tribunal.

Ri, batendo minha taça na dela.

— Você sabe que isso não foi nada.

— Ah, por favor. Eu vi o cara se encolhendo na cadeira. Foi lindo.

Soltei uma risada, sentindo o álcool aquecer minha garganta.

— Pelo menos hoje terminamos um dia difícil com um bom martíni.

Beca apoiou o queixo na mão.

— E agora? O que falta resolver antes do casamento de Bonnie?

Soltei um suspiro cansado.

— Algumas compras. Ainda tem a despedida de solteira e um monte de detalhes que preciso acertar.

— Mas você parece… estranha. Tá tudo bem?

Passei o dedo pela borda da taça, hesitante.

— Só tô com muita coisa na cabeça.

— Isso não é novidade. Você trabalha demais, sempre trabalhou. Mas hoje tem algo diferente.

Mordi o lábio inferior, hesitante.

— É só… — Soltei um suspiro frustrado. — Você já teve a sensação de que o tempo tá passando rápido demais?

Ela franziu o cenho.

— O que você quer dizer?

— Tipo… daqui a pouco eu faço 30 anos, e parece que minha vida tá estagnada. Todo mundo ao meu redor tá seguindo em frente, construindo relacionamentos, casando… — Fiz um gesto vago com a mão. — E eu tô aqui, sozinha.

Beca ficou em silêncio por um momento antes de soltar um riso baixo.

— Bom, nesse caso, somos duas.

Soltei uma risada curta.

— Você pelo menos finge que não se importa.

— Eu não finjo, eu realmente não me importo. Pelo menos na maior parte do tempo. Mas, de vez em quando… — Ela bebeu um gole da bebida e suspirou. — Eu entendo o que você tá dizendo.

Me recostei no sofá, sentindo o peso do dia se instalar sobre mim.

— Minha mãe ligou hoje de manhã.

Beca ergueu as sobrancelhas.

— E foi ruim?

Ri sem humor.

— Quando não é?

Ela balançou a cabeça, compreendendo.

— O que ela disse?

Desviei o olhar para minha taça.

— O de sempre. Que eu tô ficando velha, que eu deveria me preocupar em encontrar um marido antes que seja tarde, que nenhuma carreira vai me dar felicidade de verdade…

Beca bufou, revirando os olhos.

— Por Deus, Caty, em que século a sua mãe vive?

— No século em que a filha dela deveria estar casada e grávida com um marido perfeito.

Ela balançou a cabeça, incrédula.

— E isso mexeu com você.

Não era uma pergunta.

Abaixei a cabeça e suspirei.

— Eu queria dizer que não. Eu queria dizer que tô imune a isso depois de tanto tempo. Mas…

— Mas ela é sua mãe.

Assenti, mordendo o lábio.

— Sim.

Beca se inclinou para frente, apoiando os cotovelos na mesa.

— Caty, escuta… você é uma das mulheres mais incríveis que eu conheço. Você tem uma carreira foda, é linda, inteligente, determinada… Se tem alguém que não precisa se preocupar com essas coisas, esse alguém é você.

Soltei um riso fraco.

— Você fala isso porque é minha amiga.

— Eu falo isso porque é verdade.

Olhei para ela, absorvendo suas palavras, mas sem realmente acreditar nelas.

Porque, no fundo, uma parte de mim ainda sentia aquele vazio.

— E se eu nunca encontrar alguém? — soltei, sem pensar.

Beca sorriu de canto.

— Então, azar do mundo.

Eu ri, balançando a cabeça.

— Você realmente não se preocupa com isso?

Ela deu de ombros.

— Eu me preocupo… às vezes. Mas aí eu lembro que a vida é muito curta pra gente medir nossa felicidade com base em um relacionamento. Se for pra acontecer, vai acontecer. E se não for… a gente sempre pode comprar gatos e beber vinho juntas quando estivermos velhinhas.

Ri de verdade dessa vez.

— Parece um bom plano.

— O melhor plano.

Beca balançou a cabeça, como se quisesse afastar a seriedade da conversa.

— Ok, chega dessa bad. Vamos fazer o que qualquer mulher faria numa sexta-feira à noite: olhar ao redor e julgar os homens desse bar.

Ri, rolando os olhos.

— Isso é seu jeito de me distrair?

— Exatamente. Agora, foca. — Ela inclinou a cabeça levemente, observando o ambiente. — Ali, ó. O loiro do canto parece rico.

Segui seu olhar e vi um cara bem vestido, com um blazer caro e um relógio que, sem dúvidas, custava o preço de um carro.

— Rico demais. Parece um herdeiro mimado.

— Justo. Próximo. — Ela continuou analisando. — Aquele ali, de camisa social azul.

Observei o homem em questão.

— Parece que vai falar de NFT e criptomoedas o encontro inteiro.

Beca fez uma careta.

— Deus me livre.

Nós duas rimos.

Então, senti.

Aquele olhar.

Discretamente, virei o rosto e vi um cara sentado no balcão, um copo de uísque na mão. Moreno, alto, barba bem feita e um olhar que se prendeu ao meu de forma intensa.

Ele não desviou.

Beca percebeu na hora.

— Ah… temos um interessado.

— Cala a boca.

— Ele é gostoso.

Mordi o lábio, tentando disfarçar o sorriso.

— Até que é.

Beca pegou a taça e fez um brinde no ar.

— Quer apostar quanto que ele vem até aqui?

Antes que eu pudesse responder, ele se levantou e começou a caminhar na nossa direção.

— Bom… acho que não precisamos apostar.

O moreno parou ao lado da mesa, segurando o copo de uísque com uma confiança quase ensaiada.

— Posso me sentar?

Hesitei por um segundo antes de dar de ombros.

— Fique à vontade.

Ele puxou uma cadeira e se acomodou, seu olhar nunca deixando o meu.

— Eu sou Daniel.

— Catherine.

— Nome bonito.

Forçei um sorriso.

— Obrigada.

Daniel era atraente, sem dúvidas. Mas havia algo em sua postura, no jeito que ele olhava, que me deixou em alerta.

— Você vem sempre aqui? — ele perguntou, recostando-se na cadeira.

— De vez em quando. E você?

— Primeira vez. Na verdade, acho que tive sorte.

Inclinei a cabeça.

— Sorte?

— De encontrar uma mulher tão linda assim.

Minha expressão se fechou um pouco.

— Você usou essa frase em quantas mulheres hoje?

Beca escondeu uma risada atrás da taça.

Daniel soltou uma risada baixa.

— Direta. Gosto disso.

Suspirei.

— Olha, Daniel, se você veio aqui pra jogar conversa fiada, acho melhor poupar seu tempo.

Ele ergueu as mãos, como se se rendesse.

— Certo, sem cantadas. Vamos direto ao ponto.

— Que ponto?

O sorriso dele se tornou mais pretensioso.

— Um jantar, talvez? Ou a gente pode pular essa parte e ir direto pra um lugar mais… privado.

Pronto. Lá estava.

O babaca escondido atrás do terno bem cortado e do whisky caro.

Beca arregalou os olhos e tomou um longo gole do drink.

Eu, por outro lado, soltei uma risada sem humor.

— Uau. Nem tentou disfarçar.

Ele deu de ombros.

— Pra quê perder tempo, né?

Me inclinei um pouco para frente, sorrindo falsamente.

— Daniel… você me olhou do outro lado do bar, pensou “essa aí parece fácil” e veio aqui achando que eu aceitaria dormir com você depois de cinco minutos de conversa?

Ele piscou, claramente não esperando uma resposta tão direta.

— Bom…

— Bom, você errou. Agora, por favor, pode nos dar licença?

Beca escondeu outra risada, e Daniel se ajeitou na cadeira, seu sorriso agora um pouco desconfortável.

— Você é mais difícil do que parece.

— E você é mais decepcionante do que parecia.

Ele riu, balançando a cabeça antes de se levantar.

— Bom, foi um prazer te conhecer, Catherine.

— Não foi recíproco.

Daniel piscou e, então, se afastou.

Assim que ele saiu, eu e Beca caímos na risada.

— Meu Deus, Caty! — ela choramingou, segurando a barriga.

— Que foi? Eu fui educada.

— Você destruiu o ego do cara em menos de dez minutos.

— Ele mereceu.

Beca levantou a taça.

— Então um brinde… à nossa solteirice eterna.

Ri e bati minha taça na dela.

— Acho que é isso que nos resta.

E, naquele momento, eu tive certeza.

Os homens estavam cada vez piores.

E a chance de eu morrer solteira era real.

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Comments

Maria Inês

Maria Inês

Caty não vai encontrar alguém enquanto não esquecer Tony.

2025-03-09

0

Sandra Camilo

Sandra Camilo

ainda bem que vc é esperta caty

2025-03-10

0

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