CAPÍTULO III

O som de algumas vozes foi se intensificando, mas era quase impossível entender o que diziam com o volume da música competindo com elas. Antes de tomarmos a direita no corredor, dei uma breve espiada nos arredores, só por precaução. Nada de câmeras, mas dois guardas vigiavam uma porta, o que me fez ter certeza de que estávamos no lugar certo. Tive que me virar rápido para Elly quando percebi que um dos guardas ameaçava olhar na nossa direção.

— Encontrei a sala — murmurei. — Tem dois guardas vigiando, então vai ser difícil de entrar.

— Eu tenho uma ideia — disse Elly, olhando para a grelha de um duto de ar bem ao nosso lado na parede. — Só vou precisar de uma chave de fenda e um bom par de mãos silenciosas.

Ele se ajoelhou diante da grelha e estendeu a mão na minha direção.

— Você trouxe o que eu te pedi, certo?

Nunca desejei tanto que uma ferramenta estivesse na minha pochete quanto naquele momento. Eu tinha colocado tantas coisas naquele saco sem fundo que nem me lembrava se havia pegado as ferramentas que Elly mencionou que precisaríamos. E se não estivesse ali, os guardas nem precisariam me matar – Elly faria isso sozinho. Por sorte, ao enfiar a mão no bolso da pochete e mentalizar uma chave de fenda, senti o cabo de plástico reforçado nas minhas mãos. Um alívio percorreu meu corpo, mesmo que a situação não fosse nada propícia a isso. Entreguei a ferramenta a Elly e o observei desparafusar os cantos da grelha o mais silenciosamente possível.

Era estranho ver meu namorado manuseando esse tipo de coisa. Isso me fazia imaginá-lo como um eletricista ou algo assim, o que, na minha cabeça, era quase tão esquisito e contraditório quanto uma árvore gostar de pegar fogo. Eu sabia que o pai dele era um mecânico conhecido em Burns, mas nunca entendi como a mãe dele, uma dríade de Amora-do-Himalaia, se apaixonou por alguém assim. Ele já tinha me contado que, nos fundos do quintal, o pai construiu um lindo jardim com parreiras especiais só para a amoreira da mãe dele se desenvolver melhor. Um mecânico que gostava de jardinagem? Nada contra, mas na minha cabeça não fazia sentido. Até que meu olhar encontrou os olhos concentrados de Elly, e percebi que, na verdade, não era preciso muito para o amor fazer isso acontecer. Esse sentimento te leva a fazer coisas que você nunca imaginou, só para estar com quem você gosta. Talvez ele fosse mesmo capaz de unir lados tão diferentes.

— Acabei — murmurou Elly, retirando a grelha do caminho e me chamando. — Vamos.

Sacudi a cabeça para afastar meus devaneios e voltei à missão, seguindo logo atrás dele pelo duto e recolocando a grelha para evitar chamar a atenção das patrulhas que passariam por ali. Metro após metro, nos esgueirávamos pelos dutos empoeirados e cobertos de teias, subindo e descendo, dando voltas até que as vozes estivessem abaixo de nós, agora mais audíveis. A música ainda tocava lentamente, como se estivéssemos em um bar de décadas atrás, mas era menos estridente do que lá fora, o que era totalmente estranho.

Elly avançou na frente, virando-se com dificuldade para ficar de frente para mim. Entre nós, uma outra grelha, também coberta de poeira e quase impossível de enxergar através, revelava o interior da sala de reuniões. Era um cômodo amplo, com uma mesa grande e retangular no centro, cercada por cadeiras antigas de madeira entalhada, dispostas com quatro assentos de cada lado e apenas um em cada ponta. As paredes eram revestidas de painéis de madeira escura, com detalhes dourados que refletiam a luz amarelada de um lustre pendurado no teto, cheio de poeira e teias sutis. Havia uma lareira apagada em um canto, com uma prateleira repleta de livros velhos acima dela, e um tapete persa desbotado cobria parte do chão de tábuas rangentes.

Na ponta inferior da mesa, logo abaixo da grelha por onde espiávamos, um homem alto e engravatado estava sentado. Seu terno marrom-canela estava aberto, revelando um colete, e a gravata da mesma cor contrastava com a camisa social preta por baixo. O cabelo penteado para o lado no clássico estilo de empresário engomadinho e os óculos de lente redonda refletiam o brilho do abajur. Ele poderia ser apenas mais um executivo tentando manter sua presença na reunião, não fosse a grande cicatriz de corte no lado esquerdo do rosto, que parecia estender seu sorriso de um jeito macabro. Aquela marca, combinada com a aura obscura e amedrontadora que emanava dele, deixava claro que não era um homem comum. Os acionistas sentados à sua frente pareciam sentir o mesmo.

O diretor Kallan então se levantou, apoiando as mãos sobre a mesa. Seus olhos castanhos carregavam o mesmo olhar severo que me lançou no meu segundo dia de trabalho, enquanto eu me dirigia para a estufa. A mesma sensação de aperto no estômago tomou conta de mim.

— Bom, creio que os assuntos a serem tratados aqui já se resolveram. Já podem ir embora — disse o diretor, numa voz aguda e estridente. — E avisem àquele estúpido do meu irmão que não marque outra reunião de emergência se não quiser voltar para o Tártaro sem a cabeça.

— M-Mas diretor Kallan — disse o acionista, hesitante —, ainda precisamos discutir o andamento da produção do exército artificial. Temos muitos semideuses, sim, mas os indígenas também têm, e está difícil até para os filhos de Deméter localizá-los na floresta. É como se algo estivesse protegendo-os, ocultando sua presença entre as árvores.

Kallan inclinou a cabeça, um sorriso frio surgindo em seus lábios antes de responder.

— Isso já era óbvio que ia acontecer — disse ele, a voz cortante como uma lâmina. — Estamos em um território que não nos pertence, atiçando a fúria de outros deuses e espíritos que deixaram bem clara sua posição de guerra caso seres que não pertencem ao seu mundo os ataquem. Mas estamos no lugar certo. Encélado está fazendo um bom trabalho chamando a atenção deles com as queimadas na sua querida florestinha enquanto procuramos mais monstros aliados. Agora, é questão de tempo até que declarem guerra contra os Olimpianos, assim como os vários outros deuses ao redor do mundo fizeram. Quando destruirmos cada pedaço do Olimpo, os gigantes irão se erguer novamente junto à Mãe Terra, e o mundo finalmente estará livre de deuses e mortais tolos e imprudentes.

Um silêncio tomou a sala por alguns segundos. Eu sabia que aquele silêncio não era de espanto; era o de um sorriso malicioso e esperançoso se formando nos rostos dos acionistas. Todas aquelas informações eram demais para mim e Elly absorvermos de uma vez, mas um dos acionistas não deixou o silêncio desesperador nos consumir. Ele se levantou da cadeira, assim como os outros, e falou:

— Muito bem então. Ficamos felizes em receber essa notícia do ex-capitão do exército. Mas ainda assim, a pedido de Alcioneu, peço que aumente ainda mais sua produção, assim como as outras produtoras fizeram. Elas vão ser necessárias para a primeira de muitas guerras que estão por vir, além, é claro, do experimento 069.

— Entendo — respondeu Kallan, claramente incomodado, os punhos cerrados por baixo da mesa. — Vou providenciar esse aumento a partir de amanhã. Talvez até uma expansão das estufas resolva o problema...

De repente, um ranger de metal ecoou pelo duto onde eu e Elly estávamos.

— O duto não vai aguentar nosso peso — sussurrou Elly. — É melhor a gente—

Era tarde demais. O duto se soltou do teto e caiu com tudo sobre a mesa, acertando dois dos acionistas com uma pancada na cabeça. Eles se desfizeram em pó instantaneamente. "Monstros", pensei. Era óbvio pela conversa, mas não pela aparência, que era completamente humana.

Saí de dentro do tubo de metal, que havia se partido ao meio no impacto, jogando eu e Elly para lados opostos da mesa. Os dois acionistas restantes se viraram para Elly e depois para mim:

— Semideuses?! — exclamou o primeiro.

— Como conseguiram chegar aqui?! — exclamou o segundo, atordoado.

— Ok. Plano B — disse eu, sacando minha adaga da bainha e afugentando os monstros por um breve momento.

Elly já estava de pé do outro lado da mesa, o arco preparado com uma flecha de ponta de bronze. Antes que eu pudesse olhar para ele, encontrei o olhar do diretor Kallan. De todos ali, era o mais amedrontador que eu já vira na vida. Sua aura agora estava tão intensa e perigosa que, pela janela, vi algumas plantas do lado de fora murcharem até virar pó. Ele exibiu um breve sorriso, satisfeito, como se estivesse contente com aquilo ou já esperasse que isso fosse acontecer.

— Finalmente... — disse o diretor, numa voz aguda. — Eu já estava enlouquecendo de ter que te esperar.

— O quê? — perguntei, assustado. — E-Então você—

— Ora, me poupe, garoto — interrompeu Kallan, desabotoando os pulsos do terno e depois o colete. — Você acha mesmo que iria entrar no meu território e eu não ficaria sabendo? Quanta inocência da sua parte.

— Eu tenho olhos e ouvidos em todo lugar — continuou ele. — Até nos dormitórios, quando vocês decidiram vir até aqui aceitar sua sentença de morte.

Naquele momento, me perguntei se Kallan também viu o que fizemos e falamos no banheiro com Dionísio. Era constrangedor pensar nisso, mas não era uma boa hora para me preocupar com um pensamento daquele. Eu estava apavorado demais apenas com sua presença naquela sala.

— Então…você deixou que viéssemos até aqui e não nos matou no caminho — concluí. — Por quê?

— Por quê? Você ainda pergunta o por quê?! — A madeira sob os pés de Kallan rangeu e se partiu, formando uma pequena cratera. — Eu estou aqui há anos! Preso nesse lugar sem poder comer nem mesmo um semideus sequer. E como se já não fosse o suficiente, me obrigaram a ensinar agricultura a essa cria repugnante de Deméter. Ensinar algo que eu fui criado para destruir!

Aos poucos, ele retirava as vestimentas de cima, até ficar com o peitoral à mostra. Seu abdômen definido e bronzeado era marcado por cicatrizes e cortes que pareciam feitos por uma lâmina afiada – uma foice, talvez.

— Eu destruo plantações com minhas pragas, deixo o solo infértil, levo doenças àqueles que sobrevivem da colheita. Não faço esse trabalho desde que me tornei diretor. E depois que vi vocês dois vindo na minha direção... — Ele lambeu os beiços enquanto, dos cantos das paredes, baratas, moscas e até gafanhotos do lado de fora se reuniam sobre seu peitoral, cobrindo-o como uma camiseta feita de insetos. — Eu não pude deixar que meu banquete da noite fosse simplesmente morto por outras mãos que não fossem as minhas!

O chão também estava infestado de insetos, que passavam por meus pés e subiam aos poucos pelo meu corpo. Os dois acionistas que nos observavam, tremendo de medo, soltaram uma desculpa no ar:

— V-Vamos chamar os guardas!

Mas Elly disparou duas flechas, uma em cada cabeça, transformando-os em mais um monte de poeira na sala.

— Muito bem, pirralho planta — disse Kallan, feliz. — Eles só atrapalhariam a nossa diversão.

Kallan avançou contra mim, os insetos abrindo caminho ou entrando por debaixo de sua calça pelos pés. Em uma fração de segundos, eles se amontoaram na mão dele, esticando-se até formar uma longa foice negra e brilhante. O golpe passou zunindo por cima da minha cabeça, e eu me abaixei bem a tempo. A pressão do ataque abriu uma enorme fissura na parede atrás de mim, grande o suficiente para revelar o corredor do outro lado, salpicado de respingos vermelhos escorrendo por todos os cantos.

Essa não, os guardas, pensei, o coração disparado. Por que eles tinham que mudar de lugar justo agora?! 

Dava para ver uma poça de líquido vermelho escoando por baixo da porta ao lado, mas as investidas de Kallan não me davam tempo para me preocupar com aquilo. De repente, ele agarrou meu rosto e me ergueu contra a parede, os insetos se revirando, tentando cobrir minha cara. Foi então que uma flecha acertou a parte superior de suas costas, arrancando um urro de dor – dele e dos insetos, juntos. Sim, um urro, porque a voz e o jeito assassino dele não tinham mais nada de humano.

A cada golpe que eu desviava ou aparava com a lâmina da minha adaga voltada para cima, era como se Kallan ganhasse mais anos de vida. Mechas brancas tingiam seus cabelos antes castanhos, crescendo descontroladamente. Seus olhos, que eram castanhos, agora brilhavam num tom alaranjado e doentio, como uma laranja podre, e a pele se enrugava tanto que a cicatriz no canto da boca parecia ainda mais grotesca.

Ele se virou para Elly, que já preparava outra flecha, um olho fechado e uma expressão séria para manter a mira. Mas, antes que eu pudesse reagir, Kallan me arremessou contra ele. O impacto fez Elly disparar por acidente, e a flecha acertou o lado inferior esquerdo das minhas costas, perto dos rins. Gritei de dor enquanto colidia com meu namorado e, em seguida, com a parede atrás dele. Elly sofreu o impacto de ambos os lados, mas conseguiu se manter consciente e firme o bastante para ficar de joelhos ao meu lado.

— Gregory, por favor! — dizia ele, me sacudindo de um lado para o outro, uma lágrima verde escorrendo pelo rosto. — Me perdoa, eu não queria-

Quando ele olhou à frente, lá estava Kallan, se aproximando. Mais insetos subiam pelos pés dele, quase formando um vestido de baile ao redor do corpo. O monstro segurou a mesa de reuniões e, com uma só mão, a arremessou contra as prateleiras cheias de uísques e bebidas caras, que se estilhaçaram em mil pedaços junto à madeira e qualquer outro material que as compunha.

Não havia tempo para reagir; qualquer movimento parecia inútil. Mas Elly olhou para a flecha fincada nas minhas costas e pensou rápido. Era agora ou nunca.

— Espero que me perdoe por isso — murmurou, puxando a flecha para cima.

A dor agonizante me acordou na hora. Aos poucos, me ergui, mas não rápido o suficiente. Kallan estava bem diante de nós, parecia até maior, talvez com mais de dois metros.

— Vocês não podem fazer nada contra mim — disse ele, o rosto quase completamente coberto de insetos, assim como o chão. — Apenas aceitem o seu nobre destino de virar nosso jantar. Garanto que ajudarão muitas bocas a se alimentar...

Uma lacraia rastejava por cima da minha mão no chão; eu mal tinha força para sustentar meu próprio peso.

— Nem... fudendo — respondi, a voz ofegante.

Minhas mãos estavam pressionadas com tanta força no chão que Elly nem percebeu o que estava acontecendo por baixo da terra. No mesmo instante, uma grossa camada de raízes explodiu o vidro da janela acima de nós, lançando-a – bordas de metal enferrujado e tudo – na direção de Kallan, que se desviou um pouco para o lado e recuou alguns centímetros. Eu sabia que, se ele se aproximasse mais, as raízes se dissolveriam na aura dele. Meu plano era outro: comandei os grossos cabos terrosos para se entrelaçarem em mim e Elly, puxando-nos para trás através da abertura na parede.

Deu certo, bem a tempo de escaparmos dos insetos carnívoros. As raízes nos arremessaram para o campo, uns quatro ou cinco metros longe do edifício, que tremeu com a fúria de Kallan. Elas tentaram resistir o máximo que podiam, amontoando-se na abertura para nos dar tempo de fugir, mas era inútil contra o poder dele.

Elly se levantou, provavelmente com algumas costelas quebradas, e me ajudou a ficar de pé, olhando impressionado para o que eu tinha feito com as raízes. Nem ele conseguiria algo assim.

— Ainda consegue andar? — perguntou ele.

Assenti, quase sem forças para mexer a cabeça.

— Precisamos sair daqui antes que—

Antes que Elly terminasse, um ruído alto ecoou por toda a área das estufas, e as luzes brancas se tornaram vermelhas em alguns pontos. Guardas – monstros disfarçados e mortais –, harpias e cães infernais (ah, como eu pude esquecer deles, que idiota) se agitaram ao longe, subindo a colina em direção ao edifício. Não que já não fossem vir depois do rugido feroz de Kallan e do barulho da janela explodindo, mas aquele som confirmava que algo estava errado ali.

Começamos a correr, mesmo que na velocidade de uma tartaruga. Juntei forças para enfiar a mão na pochete e pegar um pedaço de ambrosia, o néctar dos deuses, que mais parecia uma torta fofinha de frango. Dei pequenas beliscadas, sentindo minha energia se revitalizar aos poucos. A dor nas costas, que agora diminuíra graças ao néctar, agora não me impedia de andar mais rápido. Seguíamos na direção oposta aos monstros, mas a cerca de alambrado que delimitava a área ainda parecia distante.

A maioria dos monstros já havia chegado ao topo da colina, alguns entrando apressados pelas portas da frente e outros rodeando o perímetro do local. Um trio de harpias nos avistou de longe, soltando guinchos ensurdecedores enquanto cortavam o ar em alta velocidade. Ao lado delas, cães infernais, com pelos da cor da noite e do tamanho de carros blindados, avançavam com olhos vermelhos brilhando na escuridão. Era o tipo de visão que faria qualquer um morrer literalmente de medo, e aqueles olhos faiscantes só pioravam o quadro.

Eles estavam praticamente no nosso encalço quando uma série de explosões incandescentes iluminou a vasta base da colina. Até os monstros pararam, observando com temor o fogo que se alastrava pelas fileiras de estufas, consumindo tudo em seu caminho, até mesmo o edifício dos dormitórios. 

Aquelas chamas... Não, não tínhamos tempo para isso, agora não, pensei tentando conter o meu pânico. 

Meu ferimento já estava bom o suficiente para eu aguentar a dor e andar sozinho, e Elly já não tinha voz para continuar cantando a canção de cura que aprendera com os filhos de Apolo na Base 0. 

O que era essa tal Base 0? Você logo vai descobrir.

Correr não era uma opção; a dor ainda nos limitava a apenas apressar o passo. Aproveitamos a distração das harpias e dos cães, que ficaram desorientados e choramingando na grama – a audição deles, duas ou três vezes melhor que a nossa, tornava as explosões um tormento –, para fugir dali o mais rápido possível. Depois que o susto inicial passou, estávamos mais longe, a poucos metros da cerca que separava a área de cultivo da floresta. Eles se apressaram para nos alcançar, e nós nos esforçamos ao máximo para chegar à barreira.

Quando alcançamos a cerca, os monstros estavam a menos de dez metros de distância. Raciocinar naquela situação era impossível, então segui meus instintos e comecei a escalar o alambrado, com Elly logo atrás de mim. Eu estava prestes a atravessar para o outro lado quando uma das harpias tentou agarrar Elly pela aljava, rasgando-a com as garras e fazendo as flechas caírem do outro lado da cerca. Os cães infernais também chegaram, mas apenas latiam na nossa direção, deixando as harpias cuidarem do ataque inicial, já que tinham chegado primeiro. Eles garantiam que não passaríamos dali.

Eu não precisava dizer em voz alta que não planejava enfrentar aqueles tanques de guerra de quatro patas – seria o mesmo que pedir para morrer –, mas precisávamos fazer algo além de ficar parados enquanto virávamos jantar de mulheres-galinha voadoras. Quando vi que Elly ameaçava se soltar da parte alta do alambrado e cair na direção daquelas bocas caninas e babentas, saquei minha adaga da bainha o mais rápido que consegui. Equilibrei-me com uma mão e um pé na cerca, fincando a lâmina na lateral da cabeça depenada da harpia mais próxima. Ela se desfez em pó num piscar de olhos.

As outras duas não gostaram nem um pouco de ver a irmã virar farelo de milho e ameaçaram investir contra nós. Brandi a adaga para mantê-las afastadas, gritando para Elly:

— Continua subindo, rápido! 

— Para trás! — gritava eu toda vez que elas se aproximavam demais.

Elly conseguiu saltar para o outro lado, rolando pela grama. Terminei de alcançar a borda da cerca e me joguei do alto num movimento rápido, desviando das garras das harpias e das bocas gigantescas dos cães infernais, que se debruçavam sobre a cerca, quase a ponto de arrebentá-la com seu peso, indignados.

Não esperamos para ver quanto tempo a cerca resistiria àquela pressão quase que em toneladas. Corremos em direção à floresta, e eu deixei um presentinho bem cheiroso nascendo próximo ao alambrado – outra Flor Cadáver, germinando rápido com um fedor nauseante que os afugentou, pelo menos por enquanto. Enquanto nos embrenhávamos entre as árvores, o som dos monstros enfurecidos ecoava atrás de nós, mas a floresta nos oferecia uma chance de respirar, mesmo que por pouco tempo.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!